sábado, 3 de novembro de 2018

De estilingue a vidraça, Luis Francisco Carvalho Filho, FSP

O ministro Sergio Moro estará no olho do furacão

Se o nome de Sergio Moro agrega credibilidade ao governo Bolsonaro, que ainda nem começou, a narrativa da perseguição a Lula ganha respiro considerável.
No Brasil, nem sempre o presidente da República aposta em soluções conciliatórias. Além de alegrar parcela importante do seu eleitorado, com Moro no governo Bolsonaro faz populismo (só "estrelas": o astronauta para as Ciências, a celebridade do Judiciário para a causa da Segurança Pública) e cutuca seus oponentes. O país se divide ainda mais.
Superministério, muito poder. Não é qualquer um. O juiz carrega a fama de condenar corruptos, de ter descortinado os crimes da Petrobras, de ter encurralado o poderoso PT, de ser discreto, rápido e certeiro.
Sergio Moro sabe que cometeu pecados (conduções coercitivas, quebras e violações de sigilo, falas indevidas), mas mantinha distância de governantes. Agora, estará no olho do furacão. Se atrai seguidores, atrai também repórteres obcecados.
O que, afinal, seduz Sergio Moro? Ambição eleitoral? Ser presidente? Bolsonaro tem opiniões controvertidas sobre temas penais e a imagem de juiz justo, ainda que severo, com elas não se enquadra. Governadores eleitos do Rio e de São Paulo também fazem maquinações esdrúxulas em matéria policial.
O que pensa o ministro de Jair Bolsonaro da redução da maioridade penal, da difusão de armas, da carta branca para a polícia matar, de entupir as cadeias de bandidos, da tolerância aos maus tratos, da intolerância à liberdade de imprensa, da repressão aos movimentos sociais?
A Polícia Federal terá independência --inclusive para vasculhar escaninhos da Casa Civil da Presidência da República, sob o comando do venerando deputado Onyx Lorenzoni, braço direito de Bolsonaro? Ou só terá liberdade para espionar adversários suspeitos? Depois de adquirir autonomia técnica, a PF se submeteria a diretrizes políticas? Como serão distribuídos os recursos para combate ao tráfico de armas, às facções criminosas e à corrupção política?
A imprensa não costuma ser dócil com governantes. A reverência quase sagrada do jornalismo ao intocável juiz de Curitiba começa se esvair com o anúncio do cargo. No Ministério Público, sempre há gente atenta.
Como será a gestão administrativa da superpasta? O ministro usará o dispositivo (jabuti infiltrado na lei 13.097/2015) que dispensa de licitação a compra de "equipamentos sensíveis e necessários à investigação policial" e autoriza contratações sigilosas? O objetivo é manter em segredo a "capacidade investigatória" das polícias, mas a publicidade é da essência republicana.
Com Sergio Moro no Ministério da Justiça e da Segurança Pública, as aparentes virtudes da Lava Jato estão em perigo.
No exterior, a notícia é recebida com espanto. Bom de narrativas, mais ou menos românticas, o petismo comemora a aparição da prova material da parcialidade do magistrado. Mais suspeitas recaem sobre o processo que culminou na condenação do candidato preso e que enfrentaria Jair Bolsonaro nas urnas se estivesse livre.
Depois de condenar, o algoz do PT assume papel de carcereiro, pelo menos até Lula ser removido para uma penitenciária.
Sergio Moro deve ser exonerado imediatamente da carreira federal. É uma imoralidade posar de magistrado e ministro. O enredo da sua nomeação é tão enxuto e instantâneo que importa, sim, saber se o candidato já conversava com o juiz antes da eleição de domingo.
lfcarvalhofilho@uol.com.br
Luís Francisco Carvalho Filho
Advogado criminal, presidiu a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (2001-2004).

Tréplica: Debater com economistas neoliberais é perda de tempo?, FSP Marcio Pochmann Paulo Feldmann


O que caracteriza os economistas neoliberais é a crença de que o mercado é soberano e tudo pode e deve ser resolvido através dele.
São contra intervenções do Estado e acham que este só atrapalha e deve ou ser eliminado ou se limitar ao mínimo possível.
Às vezes são engraçados, como Samuel Pessôa em sua coluna de 21 de outubro, com sua insistência em encontrar erros nos cálculos que fizemos a respeito das formas para atenuar a péssima distribuição de renda no Brasil.
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Por mais que tenhamos deixado bem claro que nossa proposta era a de elencar diversas alternativas que contribuiriam com a solução, sem ser, necessariamente, nenhuma delas a própria solução.
Samuel consegue escrever um artigo inteiro sobre o assunto sem propor absolutamente nada diferente do que propusemos.
Nós achamos que Samuel deveria tratar com mais seriedade esse que é um dos mais terríveis problemas do Brasil e que nos coloca entre os dez países de pior distribuição de renda do planeta, em conjunto com países africanos muito pobres. Mas, para ele, o problema está em que não sabemos fazer conta e que alguns de nossos cálculos estão errados.
O que fizemos foi colecionar saídas que estão sendo adotadas por outros países.
Para não cansar o leitor, não vamos repeti-las, mas relacionar outras e novas possibilidades, como passar a taxar lucros de empresas e dividendos recebidos por pessoas físicas. Aliás, isso existia no Brasil até 1995, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso resolveu alterar a legislação e eliminar a cobrança.
Graças a isso, desde aquela época o trabalhador com salário de R$ 5.000 ou o grande empresário que recebe R$ 100 milhões a título de lucros de sua empresa vão pagar a mesma quantia em seus respectivos Impostos de Renda. Alguém acha isso justo? Samuel provavelmente deve achar.
Antes de tudo, devemos esclarecer aos leitores que essa discussão começou quando fizemos nossas propostas para diminuir o valor do enorme déficit primário --R$ 160 bilhões em 2018-- e dissemos que este poderia ser até eliminado com uma mudança na forma de taxarmos famílias muito ricas em nosso país.
A literatura especializada é ampla, sobressaindo autores desde os tradicionais (C. Mills) até os recentes (T. Piketty).
Mas, como Samuel não gosta do sentido de nossas propostas, podemos oferecer nova alternativa para atacar o déficit primário através da taxação de lucros dos bancos, a exemplo de outros países.
Antecipa-se que neoliberais também odeiam mexer com bancos, mesmo sabendo que poderiam contribuir positivamente para a ampliação da arrecadação pública. Em 2017, o lucro de todos os bancos brasileiros foi de R$ 88 bilhões. Para este ano, pode alcançar o recorde de R$ 110 bilhões.
A simples adoção de tributo temporário de 50% sobre o lucro bancário renderia R$ 55 bilhões de recursos adicionais aos cofres públicos. Em três anos, mantida a lucratividade bancária, o montante arrecadado seria de R$ 165 bilhões (as contas estão certas, Samuel?), o suficiente para superar o rombo anual nas contas públicas.
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O primeiro ministro húngaro, Victor Orbán, em reunião da União Europeia, na Bélgica - Aris Oikonomou/Pool/Reuters
Se alguém achar que essa solução possa ser inviável, basta pesquisar o que a Hungria fez em 2011 para sair da crise que assolou todo o continente europeu. Não só foi o primeiro país a sair da crise; multou bancos por formação de cartel e passou a seguir bem até hoje, sendo Victor Orbán o primeiro-ministro que tomou medida heterodoxa, reeleito desde então.
Enfim, dileto Samuel, pode revisar nossos cálculos; e é até bom que o faça. Mas, por favor, proponha algo novo, pois a crise brasileira vai de mal a pior e não é em razão de preciosismos aritméticos que este país vai voltar a se desenvolver. Muito menos diminuir o fosso que segue separando ricos de pobres.
[A simples adoção de tributo temporário de 50% sobre o lucro bancário renderia R$ 55 bilhões aos cofres públicos

PM mata motorista em SP e diz que disparo na cabeça foi acidental, FSP

Caso aconteceu na zona sul da capital; policial pagou fiança e foi liberado

    Luís Adorno
    SÃO PAULO
    Um motorista de aplicativo morreu ao ser baleado na cabeça por um policial militar nesta quinta-feira (1º) em um bairro da periferia da zona sul de São Paulo. O policial afirmou que o disparo foi acidental, pagou fiança e foi liberado pela Polícia Civil. A Corregedoria investiga o caso.

    Caio Rodrigo Medina Vaz Amancio, 24, morava no bairro do Capão Redondo com a mulher, a atendente de caixa Raissa da Silva Claudio, 22. Na tarde desta quinta, ele foi com um vizinho, dirigindo um Honda Fit cinza, ano 2009, até o Jardim São Luís, na mesma região, buscar seu carro. O veículo estava na funilaria depois de uma batida. 

    Um vizinho de Amancio, que estava no banco de passageiro, afirmou a familiares da vítima que um carro da PM se aproximou para abordá-los por volta das 16h20.
    Assim que os policiais emparelharam o carro, o cabo Carlos Antonio Ribeiro de Souza, 34, da 1ª Companhia do 1º Batalhão, teria dito "vai" e atirado na cabeça do motorista de aplicativo, que morreu na hora.
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    O policial teria admitido o erro à Polícia Civil. Segundo boletim de ocorrência registrado pelo delegado Beneal Fermino de Brito, do 92º DP (Distrito Policial), no Parque Santo Antônio, zona sul, o cabo Ribeiro de Souza afirmou que o disparo foi acidental. O policial militar foi detido em flagrante, mas pagou fiança de R$ 1.000 e foi liberado.
    "Logo que houve o emparelhamento, o encarregado da guarnição, de arma em punho, acabou efetuando disparo acidental que culminou com alvejamento na cabeça do motorista do outro veículo", escreveu o delegado no registro da ocorrência.
    A corporação informou que a Corregedoria está apurando o caso. O policial deve ser afastado. Como ele admitiu que atirou de forma acidental, e sem que houvesse nenhum indício de que os vizinhos que estavam no Honda Fit tivessem algum envolvimento em crimes, o caso foi registrado como homicídio culposo, quando não há intenção de matar.
    Amancio morava com a mulher, Raissa, há um ano. Eles não tinham filhos. Ela afirmou ao UOL querer justiça. "Da mesma forma que ele fez com o Caio, ele pode fazer com qualquer outra pessoa. Ele acha que é a lei, pode fazer e acontecer. Paga uma fiança, passa no psicólogo e volta à rotina normal depois de um mês. Que ele pague pelo que ele fez. Se fosse o Caio que tivesse feito isso com ele, o Caio já estaria pagando".
    A atendente de caixa disse que, numa primeira versão, os PMs disseram ter confundido o celular do motorista com uma arma. "O Caio pegou o celular para atender o funileiro. Mas não teve nem tempo de nada. O policial falou: 'vai'. No que ele [Caio] olhou, o policial atirou. Tiraram a vida de um trabalhador", afirmou.
    Raissa informou que Amancio era motorista de aplicativos como o Uber, conforme informou este texto anteriormente. No entanto, a empresa informou ao UOL que o motorista não dirige mais pela plataforma Uber "há muito tempo".
    Retrato de motorista assassinado
    Motorista de Uber Caio Rodrigo Medina Vaz Amancio, morto por PM na zona sul de SP - Arquivo pessoal

    PM BATEU RECORDE DE MORTES EM 2017 EM SP

    O ano passado fechou com o maior número de pessoas mortas por policiais desde 1996, quando os números passaram a ser contabilizados. Foram 939 mortos. Em contraposição, 2017 foi o ano em que menos policiais, em serviço e folga, morreram no estado desde 2001.
    Neste ano, o índice de letalidade policial tem caído. De janeiro a setembro de 2018, foram mortas pelas polícias Civil e Militar 625 pessoas. No mesmo período do ano passado, haviam sido 688. Ou seja, neste ano, a letalidade é 9% menor. Os dados são da SSP (Secretaria da Segurança Pública).
    A violência policial não entrou em debate entre os candidatos ao governo do estado este ano. Nenhum dos três primeiros colocados nas pesquisas, no primeiro turno, apontou a letalidade policial como problemática. O governador eleito, João Doria (PSDB), desconsiderou o assunto durante a campanha.

    ​​DORIA: "MELHORES ADVOGADOS" A POLICIAIS QUE MATAREM

    Para o governador eleito, se a polícia for recebida a tiros, deve responder e "atirar para matar". A determinação, no entanto, contraria as normas da corporação, que aponta que os policiais devem atirar apenas em última circunstância e que devem prender suspeitos ou atirar em áreas não vitais para proteger sua própria vida e a vida de terceiros.
    Depois de ter afirmado que o policial em seu governo deve "atirar para matar", Doria afirmou que, entre a mãe do bandido e a mãe de um cidadão de bem, prefere estar ao lado da mãe do cidadão de bem. Logo depois de ter sua vitória na eleição anunciada, o governador eleito afirmou que vai pagar os "melhores advogados" a policiais que matarem e forem a julgamento.
    "Vamos acrescentar assistência jurídica. Me constrange saber que um policial militar, independentemente da sua graduação, está defendendo a população na rua, mata um bandido, tem uma situação qualquer que ele se defendeu e defendeu a população, e ele, depois, num processo, ainda tem que pagar o advogado para lhe defender", disse.
    O discurso gerou críticas de membros de defesa dos Direitos Humanos. O advogado Ariel de Castro Alves, conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Estado de São Paulo) afirmou que o discurso foi "irresponsável".
    "Estimula os abusos e excesso praticados por policiais, além de ser incompatível com o cargo que irá ocupar. Pode muito bem ser interpretado como uma espécie de licença para matar, subsidiada pelo Estado", disse o advogado.