quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

O feminicídio de Campinas e a responsabilidade da imprensa, NEXO

O feminicídio* de Campinas” causou uma grande comoção pública. É importante entender a importância de usar essa denominação específica para esse crime praticado por um homem contra sua ex-esposa, outras oito mulheres e dois homens da família, além do filho de ambos, que se suicidou em seguida.
O perpetrador deixou mensagens nas quais ele tenta explicar o motivo para tal ato extremo. Mesmo sem entrar no teor dessas cartas, cuja divulgação pública se questiona, verifica-se a motivação do agressor, que tinha histórico de violência doméstica contra sua ex-mulher registrado na polícia. A separação do casal, há cinco anos, foi turbulenta, tendo havido disputa judicial pela guarda do menino que culminou com a (acertada) decisão de guarda materna com visitação paterna monitorada, por suspeita de abuso sexual dele contra o filho.
Além de premeditado, o crime foi um ato misógino: o alvo do agressor era as mulheres da família, não só Isamara. Em trecho divulgado, o assassino expressou seu ódio às mulheres (que chamou de “vadias”). Nos registros feitos na polícia a vítima relatou ameaças que incluíram sua mãe.
A violência do feminicídio é estrutural na sociedade brasileira. Ela não se dissipa e muito menos se justifica apenas por fatores individuais ou psicopatológicos dos assassinos. O motor do ódio que o causa é acima de tudo a manutenção da dominação masculina ou a frustração que ocorre quando essa dominação é impedida de acontecer.
Apesar disso, no entanto, os meios de comunicação que primeiro noticiaram o crime o classificaram como uma “Chacina” ou “Massacre”, sem mencionar violência de gênero ou feminicídio, e optaram por divulgar detalhes das mensagens deixadas pelo assassino, por considerar que haveria interesse público. Nas mensagens, ele tentou se colocar como um homem “de bem”, vítima de um “sistema feminista”, e acusou sua ex de alienação parental, se referindo à Lei “Vadia” da Penha, em meio à repetição de clichês e discursos conservadores e de ódio, como se lê todos os dias nas redes sociais.
PRECISAMOS MENOS DE SENSACIONALISMO E MAIS RESPONSABILIDADE
A reação do público a esses fatos divulgados foi imediata, muitos lamentaram as mortes, mas ao mesmo tempo diversos indivíduos defenderam o agressor, identificando-se com ele e mencionando que a alienação parental afetaria muitos homens, causada por mães cruéis que tentariam afastar psicologicamente seus filhos dos pais, com o apoio de movimentos sociais e do sistema judiciário. Ou seja: culpam as vítimas, as feministas e a Justiça.
A publicação das cartas com ódio a mulheres atentou contra a boa prática de imprensa recomendada em casos desse tipo. A atenção deveria ter sido dada à vítima. Embora úteis para elucidar o crime (podiam ser usadas pela polícia), as cartas não deveriam ter sido publicizadas, até para impedir a reprodução de atos como esse.
Uma das primeiras associações entre meios de comunicação e suicídios ficou conhecido como “efeito Werther”, a partir da novela de Goethe, publicada em 1774, na qual o personagem se mata com um tiro após não ter sido correspondido. Logo após sua publicação houve relatos na Europa de um aumento de suicídio de jovens por esse método. Também há evidência de que esse tipo de efeito também pode acontecer após a divulgação de homicídios em massa.
Crimes como esse podem se repetir, é o chamado “efeito imitação”, e já tivemos notícias de duas ocorrências semelhantesdepois do que ocorreu em Campinas. A boa prática recomendada nesses casos é divulgar o fato de forma limitada e dar o principal enfoque às vítimas e à comunidade envolvida, assim como citar medidas preventivas, sem causar sensacionalismo. O crime já foi grave demais para tantos detalhes extremos serem expostos. Divulgar manifestos de ódio e focar a atenção demasiadamente no perpetrador é considerado como um fator que pode incentivar a repetição de atos do mesmo tipo por pessoas com motivações semelhantes.
Para evitar ocorrências futuras é necessário olhar para as vítimas mulheres e compreender a motivação do delito, mas isso não pode ser feito somente com medidas de impacto populista. É indispensável pensar em prevenção, tanto de suicídios como de feminicídios. Para tanto, precisamos menos de sensacionalismo e mais responsabilidade, e no caso de assassinatos motivados pelo gênero, combater o machismo e focar especificamente em políticas públicas para mulheres, debater gênero nas escolas, combater o preconceito e as opressões de gênero, orientação sexual e raça. É possível dar visibilidade a um crime como esse com respeito às vítimas e ao público. É somente dessa forma, com a colaboração de uma imprensa responsável que conseguiremos impedir a sua repetição.
*Feminicídio é a mais grave forma de violência contra a mulher, tendo esse termo sido usado pela primeira vez por Russell em 1976.
Luciana Boiteux é professora associada de direito penal e criminologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Luís Fernando Tófoli é professor-doutor de psiquiatria da Universidade Estadual de Campinas, coordenador do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos.
OS ARTIGOS PUBLICADOS NO NEXO ENSAIO SÃO DE AUTORIA DE COLABOR

O que significa a retomada de financiamento para as empresas da Lava Jato, NExo

Duas empresas envolvidas nas investigações da Lava Jato deram na segunda-feira (9) um passo para ultrapassar os efeitos deixados pelo esquema de corrupção. A Petrobras, cujos contratos eram superfaturados pelo esquema de corrupção descoberto pela Operação Lava Jato, já capta com sucesso recursos no exterior. A Andrade Gutierrez, uma das empreiteiras que integravam o cartel que atuava junto à estatal, obteve um grande financiamento no mercado interno.
A Andrade Gutierrez emitiu R$ 1,6 bilhão em debêntures - títulos de dívida emitidos no mercado doméstico - e com o dinheiro arrecadado vai ganhar uma folga de caixa. O maior comprador foi o banco Bradesco, que organizou a venda dos títulos. Segundo o jornal “Valor Econômico”, é a primeira grande operação desde que as investigações chegaram às empreiteiras, ainda em 2014.
A ação da Petrobras foi ainda mais bem sucedida. A estatal planejava captar US$ 2 bilhões, mas acabou com US$ 4 bilhões. E havia demanda para mais. Segundo informações do jornal “Folha de S. Paulo”, investidores teriam apetite para comprar até US$  20 bilhões em títulos da petroleira. No caso da estatal, a captação não é inédita, mas a empresa conseguiu juros mais baixos do que em tentativas anteriores.

O efeito Lava Jato

Petrobras e Andrade Gutierrez estavam de lados opostos no esquema de corrupção investigado pela Lava Jato, mas ambas foram afetadas pelas incertezas do processo. A estatal sofreu seguidos prejuízos causados pela corrupção, mas também pela queda no preço do petróleo, viu sua dívida aumentar e perdeu o grau de investimento. As empreiteiras que faziam parte do cartel também acumularam perdas com a paralisação de investimentos e contratações do governo.
Nos dois casos, a falta de confiança do mercado e a queda nas receitas geraram problemas de liquidez. Sem dinheiro em caixa, as empresas passaram por sérias dificuldades. A saída encontrada para resolver o problema foi a venda de patrimônio e a desistência de projetos, política adotada pela administração de Pedro Parente, que assumiu indicado por Michel Temer.
As recentes captações de recursos mostram que há uma gradual retomada da confiança dos investidores. Quem aplica o dinheiro só está disposto a emprestar a companhias quando avaliam que elas serão capazes de se recuperar e conseguir pagar o financiamento. Quanto mais arriscado o negócio, mais altos são os juros exigidos.

Retomada das atividades

Petrobras e empreiteiras passam por processos diferentes de recuperação depois da descoberta do esquema de corrupção. A estatal, lesada pelo cartel, tenta se recuperar financeiramente e provar que é viável economicamente. Para isso, lançou um plano de investimentos que prevê a diminuição do tamanho da companhia, com venda de patrimônio para diminuir a dívida. Como parte da política, foi aprovado também no Congresso Nacional o fim da prioridade da empresa no pré-sal.
Do outro lado, as empreiteiras, condenadas por danos aos cofres públicos, também tentam se manter saudáveis. A Andrade Gutierrez, por exemplo, fechou um acordo de leniência com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Isso significa que a empresa admite a prática de crimes e aceita pagar uma multa - R$ 1 bilhão, no caso da Andrade Gutierrez. Em troca, não perde o direito de ter contratos com o poder público. Quando a construtora acerta as contas com as autoridades brasileiras, ela se torna mais confiável para investidores.
Outras empresas fecharam acordos semelhantes. A Odebrecht pediu desculpas públicas pelos desvios e anunciou a instalação de procedimentos de governança corporativa que dificultem novos delitos. A Braskem, empresa do setor petroquímico que pertence à Petrobras e à Odebrecht, também fez acordo e, segundo o jornal “O Globo”, deve tentar captar recursos no exterior em breve.
Os recursos são fundamentais para que as empresas quitem dívidas contratadas a juros maiores, tenham dinheiro para manter a operação e iniciem novos projetos.

Bom momento para financiamento

Às vésperas da posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, marcada para o dia 20 de janeiro, as empresas brasileiras aproveitam uma janela de oportunidade para conseguirem financiamento no exterior. Isso porque a expectativa é de que os juros aumentem ao longo de 2017.
Se a expectativa pelo aumento da taxa nos Estados Unidos se confirmar, as empresas brasileiras precisarão pagar juros maiores ao investidor, correspondendo ao que passarão a pagar os títulos americanos acrescido do risco Brasil e de seu risco individual de crédito.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

OPINIÃO EDITORIAL ESTADÃO O direito de laje

ado de S. Paulo
10 Janeiro 2017 | 05h00
Ao editar a Medida Provisória (MP) 759, que autoriza os moradores de áreas irregulares a obter a escritura de suas casas e cria a figura jurídica do direito de laje, o presidente Michel Temer retomou uma discussão sobre reordenamento urbano travada nas décadas de 1990 e 2000, em que as posições de linha oposta surpreendentemente acabaram convergindo. De um lado, os movimentos sociais defendiam a tese de que os invasores de áreas privadas poderiam construir habitações em cima de outras, como forma de democratização da propriedade. De outro lado, economistas e sociólogos defendiam a tese de que a legalização de comunidades formadas fora das estritas normas do Direito estimularia a economia, promovendo inclusão social.
Os dois lados tinham como denominador comum a ideia de que formas jurídicas mais flexíveis de direito de propriedade permitiriam aos pobres sair da informalidade. Em outras palavras, sem regularização fundiária as habitações construídas em áreas invadidas não poderiam ser trocadas fora dos estreitos círculos locais onde as pessoas se conhecem nem servir como garantia de empréstimos. Tanto o governo Fernando Henrique Cardoso como o governo Lula chegaram a defender essa tese sem, contudo, convertê-la em diretriz de política urbana.
Ao introduzir o conceito jurídico de “núcleo urbano informal” e instituir o direito de laje, permitindo que uma família construa uma casa em cima de outra, recebendo individualmente a matrícula de seu imóvel, a MP 759 avança nessa linha. Além de prever um processo jurídico mais simples do que a constituição de condomínio, que é o instrumento legal existente hoje para a construção de conjuntos de moradias independentes, a MP autoriza sua aplicação em áreas ocupadas de forma desordenada, irregular e clandestina. Mas, para que essas medidas possam ser implementadas e as prefeituras possam cobrar IPTU dos imóveis legalizados, elas terão de aprovar legislação municipal específica, elaborar projetos urbanísticos e de infraestrutura para essas áreas e cadastrar os moradores. Na prática, a titularidade do imóvel será dada pelas prefeituras, cabendo aos cartórios apenas fazer o registro. Para balizar a redação dessa legislação, o governo prometeu editar um decreto, detalhando os procedimentos do processo de regularização fundiária.
“A titulação das habitações informais permite colocar milhões de ativos na economia, passíveis de serem utilizados no mercado e no acesso ao crédito imobiliário, pois as propriedades podem ser usadas como garantias. A partir do momento em que os moradores tiverem os documentos em mãos, o imóvel será valorizado”, diz o ministro das Cidades, Bruno Araújo. Pelas estimativas do ministro, a MP permitirá a legalização de 4 milhões de moradias. Segundo o governo, além de reforçar a receita dos municípios, a regularização fundiária aquecerá o mercado imobiliário em 2017.
Esse otimismo, contudo, não é compartilhado por entidades vinculadas aos setores jurídicos e urbanísticos. Associações de advogados alegam que faltou maior rigor na tipificação do direito de laje. Entidades de urbanistas temem que a MP agrave o problema da verticalização das favelas e reclamam do açodamento do governo, que não discutiu o texto no Conselho Nacional de Cidades. “A legislação precisa ser simplificada, mas, para isso, tinha de ser corretamente estudada. Meu medo é que a MP seja mais complicadora do que facilitadora”, afirma o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, Sérgio Magalhães. Há ainda quem considere a MP irrealista e demagógica. “O impacto no mercado imobiliário será zero. O boom de crescimento nos espaços populares foi em função do aumento de renda. Não é o direito que vai dinamizar. O governo parece ter jogado para a plateia”, diz Luiz Queiroz Ribeiro, do Instituto de Planejamento Urbano e Regional da UFRJ.
Como se vê, o problema da política de regularização fundiária proposta pelo governo não está em seus objetivos, que parecem dispor de apoio geral, mas na sua forma de implementação.