sábado, 4 de junho de 2016

Energia a partir do lixo eleva potencial elétrico, mas não descarta hidrelétricas, do G1

 07/09/2014 08h27 - Atualizado em 08/09/2014 07h35

Para especialistas consultados pelo G1, maior benefício é o ambiental.
Aterro sanitário de Guatapará (SP) gera 4,2 megawhatt/hora de energia.

Felipe TurioniDo G1 Ribeirão e Franca
Aterro sanitário de Guatapará recebe 2,2 mil toneladas delixo por dia, de 20 cidades da região de Ribeirão Preto, SP (Foto: Felipe Turioni/G1)Aterro sanitário de Guatapará recebe 2,2 mil toneladas delixo por dia, de 20 cidades da região de Ribeirão Preto, SP (Foto: Felipe Turioni/G1)
O morador de Guatapará (SP) Augustinho Yoshinaga não sabia, mas o lixo que ele e a família produzem dentro de casa ajuda, desde maio deste ano, na geração de energia elétrica distribuída a partir do aterro sanitário da cidade. “Pra mim isso é novidade, e é excelente poder conseguir fazer energia principalmente a partir do lixo, que não tem serventia nenhuma e só polui o ambiente”, afirmou o administrador de 36 anos. Esse tipo de geração de energia pode ajudar a aumentar o potencial elétrico no Brasil, segundo especialistas em bioenergia consultados pelo G1. Entretanto, a eficácia é pequena e não deve reduzir a dependências das hidrelétricas. 
O anúncio sobre a primeira usina do interior de São Paulo a gerar energia a partir do lixo foi feito no mês passado. O aterro de Guatapará, na região de Ribeirão Preto (SP), gera força elétrica com a matéria orgânica recolhida de 20 cidades. A planta tem capacidade para gerar 4,2 megawatts de energia, suficiente para abastecer uma cidade com 18 mil habitantes. A energia gerada no aterro já passou a abastecer a subestação de Pradópolis (SP), a 15 quilômetros de Guatapará, e de lá é distribuída para o restante do Brasil.
A energia gerada pela usina de biogás do aterro sanitário de Guatapará é obtida a partir do gás metano liberado pelo lixo orgânico em decomposição. (Veja no infográfico abaixo)
A matéria-prima é distribuída por mangueiras instaladas em todo o Centro de Gerenciamento de Resíduos (CGR) e levada para dutos de captação do gás, onde passa por processo de limpeza, resfriamento e queima em motogeradores. Depois disso, a energia é gerada para a distribuidora.
Eficácia
De acordo com o pesquisador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) Guilherme Dantas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a geração de energia a partir do lixo não vai resolver o problema no setor elétrico brasileiro. “Aproveitar o recurso de resíduos sólidos urbanos é uma coisa bem pertinente e faz parte da solução, mas não podemos deixar de manter em mente que é uma coisa marginal”, disse.

Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), apenas 0,73% da energia distribuída atualmente pelo Sistema Interligado Nacional (SIN) é gerada a partir de compostos orgânicos, que incluem, além do lixo, bagaço de cana-de-açúcar e resíduos de celulose. Para o especialista em otimização do sistema energético José Luz Silveira, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Guaratinguetá (SP), o biogás ainda é muito pouco explorado no Brasil.

“Em países como a Alemanha o biogás é muito presente e temos que pensar nisso”, comentou. De acordo com Silveira, além dos resíduos de lixo orgânico, investimentos deveriam ser feitos em outras áreas, como no tratamento de esgoto. “O tratamento de esgoto na Inglaterra, por exemplo, usa estruturas gigantes utilizando o próprio biogás de resíduos humanos para gerar energia para os ingleses”.
Infográfico energia a partir do lixo (Foto: Arte/G1)
Potencial de combustão
Para gerar bioenergia a partir do lixo, as usinas utilizam o gás gerado na decomposição dos resíduos orgânicos - o metano. Entretanto, o potencial de geração é menor que o de outros gases. “Por mais que a gente tenha resíduo sólido urbano, não é suficiente, e, ao mesmo tempo, quando você compara com gás natural, a queima do lixo é pior, é um combustível de menor qualidade. O biogás é um insumo combustível que tem uma eficiência termodinâmica menor do que se estivesse queimando combustível fóssil”, explicou o pesquisador da UFRJ.

Energia mais barata
Ainda segundo Dantas, a redução da tarifa de energia a partir do biogás proveniente do lixo é ilusória. “Num momento de crise, o preço [do biogás] no mercado à vista está acima de R$ 600 o megawhatt/hora, qualquer coisa é mais barato. Não podemos nos iludir, principalmente porque vivemos em um momento de estresse. A energia eólica, por exemplo é R$ 100 o megawatt/hora”, comparou.

Meio ambiente
De acordo com os especialistas consultados pelo G1, a grande eficácia desse tipo de geração de energia está nas condições ambientais, já que reduz a poluição de metano na atmosfera e é uma solução para os resíduos sólidos. “Talvez a ótica até mais importante é resolver ou minimizar o manejo dos resíduos, você está utilizando esse resíduo para gerar energia está aumentando muito a vida útil dos aterros sanitários. O benefício sócio ambiental que é derivado de você dar uma destinação para esse resíduo sólido urbano”, explicou Dantas.

Segundo Silveira, o método utilizado, com a queima do lixo para acelerar a geração do metano também é importante para o meio ambiente. “Se o biogás for enviado à atmosfera sem passar pelos flaires é 21 vezes mais nocivo para o efeito estufa que o CO2. O aterro sanitário queima isso no flaire para não ter metano indo para a atmosfera, então quando ele queima fica menos nocivo”, disse.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Por que o consumo de água aumentou?, por Washington Novaes*


Washington Novaes*
Dizem várias fontes de informação, neste início de junho, que a economia de água em condomínios na cidade de São Paulo caiu de 82% – que chegara a registrar em abril de 2015 – para 32% em abril de 2016, com o fim dos incentivos da Sabesp. É pena que a disposição para economizar, na maior parte, advenha só das vantagens financeiras para quem economiza, com pouca ou nenhuma relação com a necessidade maior de contribuir para a economia de um bem escasso. Os números de agora são inferiores até aos do período fevereiro de 2013/janeiro de 2014. E o recuo se deveria às notícias de “fim da crise” de abastecimento e retirada de subsídios para a economia.
Estranho, porque a seca e o calor afetaram os reservatórios de São Paulo. Dos 6 mananciais abastecedores, 4 chegaram ao menor índice de chuvas desde os anos 30. No Cantareira, houve apenas 3,9 milímetros em 28 dias de abril. E, ao mesmo tempo, aumentava a demanda por água, como registrou editorial deste jornal (29/3). Por essas e outras, o Estado já busca água em Minas Gerais e tem de discutir com o Rio de Janeiro o uso dos recursos do Rio Paraíba do Sul. Já foi até encaminhado à Assembleia Legislativa do Estado o projeto para o Plano de Recursos Hídricos do Estado, que garanta os usos múltiplos.
Não são problemas só nossos. Segundo relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Eco-Finanças, 23/5), o crescimento rápido da demanda, o alto consumo, a desertificação, a degradação do solo, os efeitos de mudanças do clima “estão estressando” os recursos naturais e impedindo que sejam compensados pela recuperação natural do meio ambiente: “Com a tendência atual, a humanidade terá dificuldade para alimentar-se nas próximas décadas”, porque “a escassez hídrica ameaça bilhões de pessoas, principalmente nos países mais pobres”, pois “já se observa um colapso na produção de comida”. E a América Latina é um dos lugares mais problemáticos, principalmente nas regiões que mais dependem da água que escorre dos Andes – e que está diminuindo.
Quase um quarto das mortes no mundo decorre de “riscos ambientais”, diz a Organização Mundial da Saúde (OMS) – entre eles a água de má qualidade, proveniente de locais de trabalho em condições precárias, banheiros e chuveiros inadequados, tubulações perfuradas, etc. Talvez a cidade que mais se tenha adequado às necessidades seja Nova York, onde em cinco anos foram aplicados quase US$ 2,5 bilhões para melhorar as condições do sistema de abastecimento de água. Isso incluirá o fechamento para reparos do Aqueduto Delaware, por onde passam mais de 80 bilhões de litros de água por dia para a rede de água de quase 11 mil quilômetros de extensão. Na usina de tratamento, que manda água para mil estações, foram investidos mais de US$ 1,5 bilhão (The New York Times, 24/3).
Diante de números tão graves, é quase inacreditável que esteja em tramitação no Brasil a Proposta de Emenda Constitucional 65/2012, que dispensa de licenciamento ambiental (Terra, 28/5) projetos de obras públicas, inclusive no setor de água. Os estudos prévios de impacto passariam a implicar autorização para executá-los. Tudo tão absurdo que o Instituto dos Advogados do Brasil aprovou moção de repúdio ao texto, que, a seu ver, desrespeita a própria Constituição. Configuraria uma espécie de “bolsa empreiteira”. A moção foi encaminhada ao Congresso Nacional.
Na área rural, a situação seria tão grave quanto esta, principalmente no Nordeste. Em recente seminário (Comunicação do Ministério do Meio Ambiente, 28/4) discutiu-se a situação do Semiárido, onde, por exemplo, 74,2% das áreas de Sergipe já são de terra degradada; e apenas 17% da vegetação originária da Caatinga permanece – quando seriam utilizáveis com manejo adequado dos recursos naturais em 13% da área. Já se conhecem ali projetos sustentáveis, como o do barramento zero ou o do fogão ecológico. No Polo Gesseiro da região do Araripe, Nordeste brasileiro, conseguiu-se, com programas adequados, reduzir para pouco mais de 20% do que era o consumo de água.
Muitos cientistas insistem na implantação de um vasto plano de fontes solares em telhados, para avançar com os projetos de combate à fome na região. Até mesmo porque as áreas de desertificação já avançaram 11 mil quilômetros quadrados em Pernambuco (Rema Brasil, 23/11/2015); a represa de Sobradinho chegou a entrar no volume morto, quando tem potencial de acumulação de água equivalente a 14 vezes o da Baía da Guanabara; o Rio São Francisco, com vazão histórica de 3 mil metros cúbicos por segundo, baixou até a 900 metros cúbicos. Para isso contribuem até a redução de águas da Amazônia vindas pelas correntes na atmosfera e a redução de água no subsolo do Cerrado. Desde 2004 já desapareceram 1.200 pequenos afluentes do São Francisco. Estiagens prolongadas no Cerrado têm reduzido as safras de grãos (Estado, 11/5). E podem prolongar-se até 2017 (O Popular, 27/4).
O Rio São Francisco já não tem mais volume necessário para a geração de energia (www.fundaj.gov.br, 21/10/2015). Técnicos sugerem difundir experiências do Instituto Nacional do Semiárido, como as de Santana do Seridó, onde já se tratam 258 mil litros de água para uma população de 2.526 pessoas (Rema, 3/12/2015), irrigação de bancadas de forragem de palma, estoques de feijão guandu e sorgo para o gado – além de urgência com projetos de captação de águas de chuvas, reutilização de água tratada de esgotos, impedir o desperdício e apressar projetos contra desmatamento. Não basta esperar pela transposição de águas, projeto iniciado em 2007, que deveria estar concluído em 2012 e já custou uma fortuna.
É preciso ter urgência. Convém lembrar que o Deserto do Saara já teve, há 5 mil anos (EcoViagem, 31/3), o maior lago de água doce do mundo, com 360 mil quilômetros quadrados. Hoje, tem 1.350, menos de 1%.
*Washington Novaes é jornalista - e-mail: wlrnovaes@uol.com.br

quinta-feira, 26 de maio de 2016

A morada do diabo, por Alexandre Schwartsman, FSP


Ainda em sua primeira versão, a mesma que causou (justificado) escândalo em agosto do ano passado, o Orçamento federal previa deficit de R$ 30 bilhões, rapidamente transformado em superavit de R$ 24 bilhões, embora, é claro, apenas no papel. Tanto que a administração anterior já reconhecia que o número seria negativo e bem pior do que as primeiras estimativas, na casa de R$ 100 bilhões.
Ainda assim, quem segue a questão fiscal de perto já havia manifestado sua descrença, apostando num buraco ainda maior, e valores na casa de R$ 150 bilhões não chegavam a escandalizar ninguém, uma triste ilustração de como nos adaptamos facilmente à miséria. Nesse sentido, o anúncio de um deficit de R$ 170 bilhões, equivalente a 2,7% do PIB, foi recebido por uma sociedade anestesiada.
Não há dúvida de que o valor é horroroso e retrato do grau de deterioração das contas do governo nos últimos anos. Contudo, não chega a ser o pior desenvolvimento nessa frente: o que me deixa ainda mais horrorizado é o grau de incerteza que existe em torno dos números fiscais.
Não bastassem as repetidas revisões de metas (fenômeno constante nos últimos anos), há ainda a possibilidade de perdas de montante desconhecido associadas a eventos tão distintos como a necessidade de capitalização da Petrobras, ou a incapacidade da Eletrobras em publicar seu balanço auditado segundo regras internacionais, ou ainda o montante de créditos de má qualidade nos bancos federais e seus impactos sobre as finanças públicas.
É lamentável, mas aprendemos como um governo mal-intencionado e/ou incompetente na gestão fiscal pode causar um estrago sem precedentes. O quadro institucional, expresso em diplomas como a Lei de Responsabilidade Fiscal ou a Lei de Diretrizes Orçamentárias, foi simplesmente despedaçado no processo. Recuamos ao menos 20 anos em termos de instituições fiscais. Idealmente essas deveriam ser reconstruídas, mas não temos sequer certeza de que seremos capazes de tal tarefa.
Sob essa ótica, as medidas anunciadas nesta terça (24) são, em sua maioria, uma manifestação de intenções corretas, mas, para falar a verdade, não muito mais que isso.
Dessas, a antecipação de pagamentos por parte do BNDES para o Tesouro Nacional é a que deve produzir o maior impacto, R$ 100 bilhões. Da mesma forma, porém, que a concessão dos empréstimos não é despesa, sua amortização não é receita. Embora muito inferior ao tamanho da dívida (R$ 4 trilhões, ou 67% do PIB em março), o efeito equivale a algo como 1,7% do PIB e pode reduzir a conta de juros em algo como R$ 7 bilhões/ano.
Já a fixação de um teto para as despesas do governo federal de acordo com a inflação antecipa uma queda destas relativamente ao PIB. No entanto, sem medidas mais claras no que se refere às vinculações e à adequação da Previdência, não é claro como o teto será cumprido. O diabo mora nos detalhes e resta, portanto, saber como, na emenda constitucional sobre o tema, o governo pretende lidar com essa questão.
Segundo Alexandre Pombini, "a inflação em si jamais fugiu ao controle nesses 17 anos do regime de metas". O grau de alienação dessa afirmação revela por que a inflação atingiu mais de 6% ao ano entre 2011 e 2014, 10,7% em 2015 e 9,6% nos últimos 12 meses, comparada a uma meta de 4,5%. Já vai tarde...