sábado, 20 de dezembro de 2014

Amor múltipla escolha

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Amor múltipla escolha

MARCELO RUBENS PAIVA*
30 Novembro 2013 | 16h 06

Luluzinhas do mundo todo: larguem o aplicativo Lulu! Não há romance disponível para download

Ame aquele calado que, a sós, diz coisas lindas. Ame aquele desengonçado que, no escuro, encaixa e desconcerta. Ou aquele desarrumado que embaralha a sua vida. Que tal o deselegante que te trata como ninguém ousou? Tente aquele ali, de quem menos se espera. Nos defeitinhos dele é que está a graça.
Se amor é uma ilusão, se lambuze. Deixe ele vir. Deixe ele surpreender e transformar. Não existe fórmula, sabor certo: o sabor do dia. Não existe algoritmo que traga a perfeição. Não existe perfeição. Arrisquem. Luluzinhas do mundo todo, iludam-se! Sejam empreendedoras na vida e no coração.
Que bonitinho, ele tem alergia, ele anda engraçado, ele não gosta de dirigir, ele largou o emprego pra ir de bike até a Patagônia, ele não quer dinheiro, quer sossego, ele tem sonhos estranhos, tem defeitos, pesadelos, problemas! Qual o problema em ter alguém com problemas? Você não ama ninguém se não ama também os problemas de alguém.
Mas a desgraça do tempo. Quem quer perdê-lo? Nada de investimento de risco. Querem a coisa certa. Querem pra já. Querem o amor matemático, o amor algoritmo. Não tem aplicativo para trazer um táxi? Que tenha para o amor.
Num jantar, uma amiga não comia. Engolia ansiosa, pois seu "ficante" não confirmava se a encontraria mais tarde. A impaciência se tornava irritação, que se transformava numa perigosa e destrutiva rejeição. Mulheres e rejeição. Dinamite e detonador. Fogo e oxigênio. Pagamos a conta. Nada do barbado responder. A amiga não queria sobrar num sábado à noite. A rejeição tem que ser bloqueada! Vacina. Sacou seu celular e, na calçada, antes do manobrista trazer o carro, disse: "Ainda bem que tenho meu Lulu".
Lulu é o aplicativo da onda. Acham que é o tiro certeiro. Certeiro é tudo o que o amor não é. Com o Lulu, garotas avaliam rapazes e passam a dica para a frente. Lulu é o papo do banheiro em escala múltipla virtual. Garotas avaliam a partir de questões de múltipla escolha. Lulu deixa as garotas anônimas, os rapazes, não! Eles são examinados e qualificados por amigas e desconhecidas, sem o julgamento de embargos infringentes, sem o exercício de defesa, sem o direito à dúvida. As garotas listam as melhores e piores qualidades. Calma. Se eles não querem receber avaliações, podem enviar um e-mail para iwantout@lulu.com e pedir a remoção do perfil. Justo?
Elas, em busca do compreensível, carinhoso, bom de cama, divertido garotão disponível na região. Em busca do aplicativo que traga alguém. Ou pelo menos que avise antes se o produto vem com defeitos. Defeitos eleitos por outras? Não faz sentido. E mulheres seguem conselhos das concorrentes? O amor é como um trem fantasma. Dá sustos. Dá medo. O mundo feminino tende ao competitivo. E mulher quer ver para crer.
As mulheres enlouqueceram, ou estão apenas exercendo o direito de ranquear os homens, no aplicativo sensação, que poderia ser descrito como uma mega e interativa conversa de meninas?
As mulheres estão no seu tempo. Inventaram um modo de analisar homens. Ideia da jamaicana Alexandra Chong, advogada que afirma: a rede privada serve para garotas expressarem e dividirem suas opiniões de forma aberta e honesta. Sobre o quê? Lógico, sobre o que mais? "Criamos Lulu para encorajar garotas a falar e tomar decisões inteligentes em tópicos que abordam relacionamentos, beleza e saúde."
Teve a ideia no dia seguinte ao Dia dos Namorados (Valentine’s Day), tomando um lanche com as amigas e falando sem censura sobre homens. Sacou que bastava um deles se sentar com elas para o assunto mudar.
Lançado em fevereiro, o aplicativo virou líder de downloads na App Store brasileira. Talvez sirva para dar boas risadas. Continuo duvidando se uma mulher leva em consideração o que outras, especialmente ex-namoradas, avaliam. A curiosidade feminina não é uma característica, é uma necessidade.
O app permite que elas deem notas aos pretês, amigos, ficantes e, atenção, ex-namorados, ex-pretês e ex-ficantes. Então, entramos no perigoso pântano da fúria de uma mulher recusada. Lulu será impreciso como o amor.
A nota é baixa para quem já foi flagrado com um Croc. Mesmo se for um príncipe em sandália de plástico de gosto duvidoso? Com hashtags, votam e demonstram que a curiosidade feminina é fofa, ampla e sacana: #TrêsPernas, #ÉFelizTodoDia, #CozinheiroDeMãoCheia, #RespeitaAsMulheres, #HomemDeUmaMulherSó, #FazRirAtéChorar, #SafadoNaMedidaCerta, #PiorMassagemDoMundo, #MaisPopQueOPapa, seja lá o que isso significa, são alguns dos quesitos que podem ser escolhidos.
Através de alguns hashtags, dá para traçar perfil das garotas, apesar do anonimato. #DeixaAsInimigasComInveja é assustador.
O número de visualizações no Brasil passou dos 100 milhões. Nos EUA, dos 200 milhões, e está no celular de uma em cada quatro universitárias. Alexandra, sobre o lançamento da versão brasileira, descobriu que o Brasil é "louco pelo social."
Mas cuidado, garotas. Criadoras e usuárias do Lulu podem responder na Justiça por injúria (pena de um a seis meses de detenção) e difamação (três meses a um ano de detenção, além de pena pecuniária). Quem lembra é Luis Felipe Freire, presidente da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes Eletrônicos da OAB de Minas Gerais, que diz que crime cometido na internet é passível de localização, apesar das participações serem anônimas, e quem está avaliando pode ser responsabilizada, se os comentários forem injuriosos.
Vale o risco, Lulus? Ou arrisquem como sempre e apostem num amor imprevisível? Ele só sobrevive com adversidades.
* MARCELO RUBENS PAIVA É ESCRITOR, COLUNISTA DO 'ESTADO' E AUTOR DE FELIZ ANO VELHO (OBJETIVA, 1981) E AS VERDADES QUE ELA NÃO DIZ (FOZ EDITORA, 2012), ENTRE OUTROS

Espanha aprova lei contra protestos no país e fecha cerco à imigração (pauta Campos Machado)

Popicinio
Para os próprios cidadãos espanhóis, recairão pesadas multas caso decidam realizar protestos, manifestações e escrachos
17/12/2014
Raphael Tsavkko Garcia
de Bilbao (País Basco)
O Parlamento espanhol aprovou no último dia 11 de dezembro, por 181 vo­tos a 141 (o neo-Franquista Partido Po­pular ou PP possui maioria absoluta e contou ainda com os votos dos minoritá­rios UPN que representa a Comunidade de Navarra e PAR, de Aragão), a chama­da Lei de Segurança Cidadã (Ley de Se­guridad Ciudadana) que causou imen­sa controvérsia ao longo de seu debate e que poderá ter consequências graves ao criminalizar manifestações populares e permitir a expulsão sumária de imigran­tes ilegais nos enclaves de Ceuta e Melilla (rodeados pelo Marrocos).
Segundo o texto aprovado, as forças de segurança espanhola podem devolver ao Marrocos imigrantes ilegais pegos ten­tando atravessar a fronteira (as altas gra­des que separam as duas cidades do res­to do continente); e a redação aprovada ainda abre brechas para ações violentas por parte da Espanha contra imigrantes que tentem cruzar a fronteira, pois, re­za o texto, “os estrangeiros que sejam de­tectados na linha fronteiriça [...] poderão ser rechaçados a fim de impedir sua en­trada ilegal na Espanha”. Como se dará esse “rechaço” é uma grande incógnita e motivo de muito temor.
Para os próprios cidadãos espanhóis, recairão pesadas multas caso decidam realizar protestos, manifestações e escra­chos. Multas mais pesadas do que as pa­gas por motoristas bêbados ou membros do PP ou da Casa real envolvidos em ca­sos de corrupção.
Fotos e filmagens
De acordo com o texto aprovado, se­rá proibido mesmo gravar ou fotografar policiais atacando ou violentando cida­dãos, seja um caso isolado ou ações co­letivas contra multidões. Além disso, “as denúncias, atestados ou atas formuladas por agentes da autoridade em exercício de suas funções que tenham presenciado os fatos [...] constituirão base suficiente para adotar a resolução que proceda, sal­vo prova em contrário”, ou seja, qualquer cidadão acusado falsamente por um po­licial de cometer um crime – ou de desa­catá-lo – terá de provar não ter cometi­do tal infração, o que inverte a lógica bá­sica do direito de que o ônus da prova re­cai sobre quem acusa.
Na Espanha do Partido Popular a pala­vra de um policial vale mais do que as ba­ses fundamentais do direito. E quem ou­sar registrar casos de abuso policial será culpado e multado – e não o agressor. É a impunidade total chancelada pelo Con­gresso espanhol.
Há espaço ainda para, na lei, confron­tar a Constituição. Os organizadores de protestos que não tenham comunicado previamente às autoridades poderão pa­gar multas de até 600 mil euros caso o local escolhido para o protesto exerça al­gum “serviço básico para a comunidade”, em outras palavras, qualquer protesto dentro de uma universidade, em frente a um tribunal ou mesmo em frente ao Con­gresso ou governos regionais se enqua­draria na definição de “instalação em que se prestam serviços básicos”. Em apenas uma canetada, os protestos na Espanha foram basicamente proibidos.
Mas para evitar qualquer problema de interpretação, a lei prevê multa de 30 mil euros para quem protestar em frente ao Congresso. Caso alguém resolva protes­tar e se sentar na calçada de casa contra a medida, também poderá ser multado em 30 mil euros. Protestos pacíficos mui­to comuns na Espanha, como se sentar em locais públicos e se recusar a se mo­ver, são passíveis de multa e se um poli­cial ao te retirar do local o agredir ou fe­rir não incorrerá em qualquer penalida­de. Na Espanha, Gandhi teria ficado po­bre antes de conseguir qualquer um de seus objetivos.
Despejos
O PP também pensou nos bancos, seus grandes aliados, e impõe uma multa de 30 mil euros a quem impedir desahu­cios, ou seja, que pessoas sejam expulsas de suas casas e jogadas na rua pela po­lícia por terem contraído dívidas em ge­ral com bancos – muitos deles “resgata­dos” da falência com dinheiro público. A lei também contempla multas de até 30 mil euros para quem for pego com um cigarro de maconha no bolso, já que a nova lei considera a posse e o consumo de drogas – independentemente de qual ou da quantidade – como uma falta mui­to grave. Gravíssimo, porém, é o de levar adiante eventos – como concertos musi­cais, atos políticos, debates públicos, etc – considerados ilegais. A multa sai por até 600 mil euros.
No País Basco protestos e atividades populares são constantemente suspen­sas pela Justiça como tentativa de inti­midação e, muitas vezes, são realizadas da mesma forma. A lei cai como uma lu­va na ampliação da repressão à popula­ção basca.
Por fim, para evitar que sobre qualquer espaço para um protesto, nada de se pen­durar também em uma estátua – já que assim você não impede o trânsito, não olha torto para um policial, não o desaca­ta com seu cheiro e nem fica perto de áre­as que prestam serviço público –, a multa pode chegar aos 30 mil euros.
É bom lembrar que qualquer tipo de desacato a um policial ou qualquer au­toridade também gera pesada multa, ou seja, na Espanha de 2014, é proibi­do protestar e reclamar também des­ta proibição, senão o Estado lhe tomará todos os pertences.
Lei da Mordaça
Todos os partidos presentes no Con­gresso espanhol protestaram contra a aprovação da lei, mas o fato de o PP pos­suir a maioria absoluta tornou os pro­testos inócuos. Alguns deputados chega­ram a protestar colocando vendas sobre suas bocas para denunciar o que muitos têm chamado de Lei da Mordaça (Ley da Mordaza, no original), mas pouco pude­ram fazer diante da esmagadora maio­ria que o Partido Popular possui no Con­gresso.
Segundo o porta-voz do PP na Comis­são de Interior, Conrado Escobar, “as manifestações serão mais livres, por­que estarão protegidas dos mais violen­tos”. Sem dúvida uma verdade, já que, de acordo com a lei, manifestações em geral não terão como acontecer de forma algu­ma sob pena de levar seus organizadores e participantes à falência.
A lei segue agora para o Senado espa­nhol, onde o PP também possui maioria absoluta.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Opinião - Hidroanel metropolitano: uma solução possível para os problemas ambientais, hídricos e de transporte da região metropolitana

18/12/2014 10:31


João Caramez*, no DO


Com a crise hídrica que tem afetado grande parte do território brasileiro, especialmente o Estado de São Paulo, estamos finalmente constatando que é preciso olhar a água como o bem precioso que é, e cuidar com mais zelo do meio ambiente, pois as ameaças climáticas que pareciam estar muito distantes estão presentes aqui e agora.

O recente alerta lançado pelo Painel do Clima da ONU foi bastante enfático ao afirmar que, caso não haja diminuição das emissões de carbono nesta década, o planeta ficará dois graus mais quente, com impactos irreversíveis no clima e na redução de oferta de água, comida e moradia.

E o que temos feito para evitar que isso aconteça? Com certeza, pouco, haja vista o estarrecedor aumento do desmatamento da Amazônia que, segundo o pesquisador Antônio Nobre, do Centro de Ciência do Sistema Terrestre, concorre para a falta de água nas regiões mais populosas do país, incluindo o Sudeste. Para ele, a diminuição da quantidade de árvores no bioma impede o fluxo de umidade entre o Norte e o Sul do país. Portanto, está mais do que na hora de envidarmos todos os esforços antes que seja tarde demais.

É preciso que o governo e a sociedade se unam para conter os avanços da degradação e enfrentar alguns dos desafios que temos pela frente para a efetiva diminuição das emissões de CO2 e a implementação de uma gestão integrada dos múltiplos usos da água. É nesse contexto que se insere a mudança da nossa matriz de transporte com o incremento da hidrovia.

Embora a energia brasileira seja predominantemente proveniente das hidrelétricas, não se conseguiu, a nível federal, compatibilizar energia limpa e transporte, diferentemente do que foi feito em São Paulo, graças aos investimentos do Governo do Estado na Hidrovia Tietê-Paraná, que permitiu a construção de barragens com eclusas, viabilizando a navegação fluvial.

Hoje, o trecho paulista tem mais de 800 km de vias navegáveis perfazendo 2.400 km até Goiás e Minas Gerais, ao norte, e Mato Grosso do Sul, Paraná e Paraguai, ao sul. Trata-se de uma excelente rota para o escoamento dos produtos brasileiros, cujo aproveitamento será fomentado com os novos investimentos para sua extensão e com o transporte do etanol.

Mas é na região metropolitana de São Paulo, onde há grande disputa pelo espaço viário, com grandes problemas de mobilidade e de logística, que a hidrovia também pode desempenhar um papel de destaque. Com os rios Tietê e Pinheiros e as represas Billings e Taiaçupeba, São Paulo é quase uma ilha, sendo possível, com algumas obras, viabilizar 170 km de hidrovias urbanas, para o transporte de cargas e passageiros. Configura-se, assim, com esse hidroanel e o sistema rodoviário do rodoanel e ferroviário do ferroanel, um sistema viário estratégico na Região Metropolitana de São Paulo, com três pontos de intersecção.

Vale destacar que só nessa região, temos uma frota de cerca de 11 milhões de veículos, com inúmeros pontos de congestionamentos, que causam grande stress para todos os usuários e grande volume de poluentes, que contribuem para o efeito estufa. São mais de 400 mil viagens realizadas por caminhões pesados na região para transportar anualmente mais de um bilhão de toneladas de cargas, além daqueles que cruzam a cidade para outros destinos.

É evidente que esse grande movimento de carga, retrato do dinamismo de São Paulo, requer outras vias para o seu escoamento, para não interferir tanto no dia a dia dos cidadãos e na qualidade ambiental. Por isso, defendo o hidroanel metropolitano, que além dos ganhos de logística, propiciará uma grande vantagem ambiental e para o abastecimento, com o aumento da quantidade de água na Billings e a conseqüente ampliação da captação de água pela SABESP. Além disso, com maior fluxo de água, decorrente da interligação dos cursos d"água, o hidroanel contribuirá para o saneamento dos rios paulistanos, permitindo levar água de melhor qualidade a toda a população.

Um importante passo para essa conquista já foi dado pelo governo de São Paulo, com a construção da eclusa da barragem da Penha, cuja conclusão está prevista para setembro de 2015. Esta obra que possibilitará a extensão da hidrovia em mais 14 km é a primeira obra do hidroanel, que permitirá o transporte fluvial entre os rios Tietê e Pinheiros.

Por outro lado, a mera construção do canal já gerará uma capacidade de armazenagem de três milhões e meio de metros cúbicos de água, que poderá chegar a 10 milhões, viabilizando um grande piscinão como uma solução parcial para conter enchentes.

Para que o hidroanel seja uma realidade há necessidade de construção de mais 20 eclusas, além de outras obras, a um custo estimado de R$ 4 bilhões, de acordo com o projeto elaborado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. O custo financeiro é alto e exige uma parceria dos governos federal, estadual e municipal para a sua realização ao longo dos próximos 20 anos.

Todavia, levando-se em conta as graves consequências de um clima fora do controle, certamente o custo de fazer o hidroanel será bem menor do que o de não fazer, ganhando com isso o nosso sistema de transporte, o meio ambiente e o controle hídrico.



* JOÃO CARAMEZ, 63, é deputado estadual pelo PSDB-SP, presidente da Comissão de Transportes e Comunicações e coordenador da Frente Parlamentar das Hidrovias da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Foi chefe da Casa Civil de São Paulo do Governo Mário Covas (2000/2001)