sexta-feira, 5 de abril de 2013

O que faz Dilma diferente



Um dos exercícios prediletos da mídia brasileira hoje tem sido o de explorar em que termos os governos Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva diferem.
Entrando no terceiro ano de seu mandato, a presidenta já deixou marcas muito fortes em sua atuação como centro do poder político na democracia brasileira.
Com índices de aprovação superiores aos de Lula, Dilma revela a segurança de quem já descolou de seu antecessor e padrinho e procura deixar marcas próprias. Na coluna de hoje, vou explorar o que me parece ser uma das mais relevantes diferenças entre o governo de Dilma e o de seu criador.
Visto sob o prisma da história, os anos Lula apresentam na gestão da economia uma marca quase única entre o respeito aos princípios de mercado e a interferência na forma como os frutos do crescimento são distribuídos na sociedade.
Usando uma imagem dos já longínquos anos da ditadura militar, podemos dizer que, entre 2004 e 2008, o governo Lula conseguiu assar o bolo e distribuí-lo de forma mais equitativa.
Ao manter a direção da política macroeconômica herdada do governo Fernando Henrique e dar a seu presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, o poder total sobre a política monetária, Lula pôde colher os frutos já maduros de uma economia organizada e com futuro.
Com essa posição, seu governo pôde se aproveitar das condições microeconômicas favoráveis que existiam e surfar em um período
longo de crescimento econômico, sem os gargalos de oferta que existem hoje.
O presidente, nessas condições, pôde exercitar seus instrumentos mais importantes de distribuição de renda. De longe o mais eficiente foi a política de aumentos reais do salário mínimo, que acelerou os efeitos da expansão do crédito ao consumo operada pelos bancos brasileiros.
No mandato de Lula, a parcela da sociedade brasileira que estava inserida na chamada economia de mercado passou de 45% para mais de 65% da população.
No mandato da presidenta Dilma, esse quadro virtuoso chegou ao fim. Isso aconteceu por duas razões principais: a primeira tem sua origem na própria dinâmica das economias de mercado, em que os ciclos de crescimento trazem no seu ventre as sementes de um período mais difícil à frente, em razão do descompasso entre consumo e investimentos.
A partir de 2011, começamos a viver no Brasil um período de escassez em vários mercados importantes. De mão de obra qualificada nos mercados de trabalho, de capacidade de aumentar o endividamento das famílias e de oferta de serviços públicos nos setores da infraestrutura econômica do país.
Não por outra razão os principais instrumentos usados no passado para estimular a economia não mais funcionavam.
Pelo contrário, via o canal da inflação, reduziam o poder de compra dos salários, que não contavam mais com o aumento de crédito para alavancar o consumo.
Nos últimos meses, com a inflação se acelerando, os aumentos reais de salários desapareceram. Esse efeito é sensível principalmente nas regiões atingidas pela seca e onde a inflação em 12 meses já supera os 8% ao ano.
Uma segunda mudança na gestão da economia veio de uma visão diferente em relação à presença do Estado na sua dinâmica.
Dilma trouxe ao governo a visão tradicional do PT -e que tinha sido deixada de lado por Lula- de que cabe ao governo liderar o processo de desenvolvimento da economia.
Os chamados mercados nessa visão resgatada por Dilma são apenas tolerados como parceiros secundários e silenciosos da ação oficial.
Além disso, pressionado pela desaceleração do crescimento econômico, o governo Dilma deixou de lado as âncoras macroeconômicas mantidas por Lula e que davam segurança em relação ao futuro.
Essas duas mudanças estão provocando uma reversão de expectativas entre agentes econômicos privados importantes, o que tem aumentado de forma significativa os efeitos deletérios dos problemas econômicos reais que estamos enfrentando. Por isso o mau humor geral que grassa na economia hoje.
Luiz Carlos Mendonça de Barros
Luiz Carlos Mendonça de Barros é engenheiro e economista, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações (governo FHC). É sócio e editor do site de economia e política 'Primeira Leitura'. Escreve às sextas, a cada duas semanas, no caderno 'Mercado'.

As desonerações e o pibinho, por Arnaldo Jardim




Desde agosto de 2011, o governo da presidente Dilma Rousseff lança, em média, um pacote de desoneração tributária a cada 38 dias para turbinar a economia, mas as medidas, pontuais e setorizadas, se mostraram insuficientes para sustentar um crescimento consistente do PIB.
A sucessão de pacotes teve como marca o intervencionismo exagerado que mais trouxe incertezas sobre a condução macroeconômica do que motivação a empreender, e também causou perdas aos estados e municípios pela renúncia fiscal que afetou diretamente o repasse do FPE (Fundo de Participação dos Estados) e o FPM (Fundo de Participação dos Municípios). Ao longo dos últimos anos, as desonerações somaram mais de R$ 200 bilhões, conforme dados disponíveis.
O intervencionismo gerou desconfiança nos empresários, postergou decisões de investimentos e de quebra causou um desequilíbrio acentuado no pacto federativo com crescente concentração de tributos para o Governo Federal.
Em 2011, segundo estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), cerca de 40% das desonerações tributárias foram compensadas pelo imposto de renda - das Pessoas Jurídicas (24,24%) e das Pessoas Físicas (14,50%), além do retido na fonte (0,61%).
Somando-se a esses valores outros também provenientes de impostos, como por exemplo, o IPI – que  participa com 16,89% do total –, alcança-se 59,42% do financiamento das desonerações.
O restante é originado de desonerações sobre as contribuições. Isso faz com que mais da metade dos recursos envolvidos nesta modalidade de política pública seja financiada conjuntamente por estados e municípios. Seria o velho hábito do governo federal de fazer caridade com o chapéu alheio.
O que se questiona é o resultado dos seguidos pacotes dirigidos à indústria que continua a encolher e sofre com o processo de desindustrialização.
Não pretendo criticar a nova prorrogação da redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para automóveis e caminhões até o final de dezembro – afinal o setor automotivo, como propaga o governo, é um dos principais motores da economia – mas o critério usado para a concessão de desonerações.
Digo isso porque a presidente Dilma vetou, na Medida Provisória 582, a desoneração da folha de pagamento de empresas de  transporte rodoviário, ferroviário e metroviário de passageiros, empresas de prestação de serviços de infraestrutura aeroportuária, prestação de serviços hospitalares, a indústria de reciclagem, empresas jornalísticas e de radiodifusão, alguns segmentos de transporte rodoviário de cargas e empresas de engenharia e arquitetura.
O governo renunciou à arrecadação de R$ 2,2 bilhões para um único setor e negou a redução de impostos para setores que apresentam intensivo uso de mão de obra sob a alegação de que  "os dispositivos violam a Lei de Responsabilidade Fiscal ao preverem desonerações sem apresentar as estimativas de impacto e as devidas compensações financeiras”.
Como se observa, a política de pacotes de desonerações mostra desarranjo na condução da economia brasileira e abandono total das reformas estruturais, estas sim capazes de gerar impacto sistêmico na competitividade da indústria e na economia brasileira.   

 
Arnaldo Jardim é deputado federal pelo PPS-SP e presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Infraestrutura Nacional

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Tem boi na linha e no anzol



01 de abril de 2013 | 2h 08
Gil Castello Branco *
A Bíblia conta sobre a multiplicação dos pães e dos peixes. Na Galileia, Jesus pregava para uma multidão quando anoiteceu e se aproximou o horário do jantar. Diante da preocupação dos seus discípulos, Jesus chamou um menino que tinha à mão um cesto com cinco pães e dois peixes e orientou seus apóstolos a distribuir esses alimentos. O milagre permitiu que mais de 5 mil pessoas fossem alimentadas.

No Brasil, a multiplicação das últimas décadas não foi a dos pães ou a dos peixes, mas, sim, a dos pescadores, por meio do seguro-defeso, existente desde 1991. Para preservar espécies, o governo paga um salário mínimo aos pescadores artesanais por tantos meses quanto dure a reprodução, em áreas definidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Normalmente, o benefício é pago por quatro meses. Aos interessados basta comprovar o exercício profissional da pesca, a inscrição no INSS e que não tenham outro emprego, bem como qualquer outra fonte de renda.

Seja pela consciência ambiental, seja pela renda fixa e fácil, o número de beneficiados cresceu exponencialmente. Em 2002, eram 91.744 os favorecidos. Em 2011 já eram mais de meio milhão. Há dois anos, exatamente 647.670 pessoas já afirmavam viver tão somente da pesca, individual ou em regime de economia familiar, fato que lhes assegurava o direito de receber o valor de um salário mínimo mensal, durante o período de defeso.

Os gastos do governo, obviamente, cresceram na mesma proporção. Em 2002, o Ministério do Trabalho pagou R$ 60,2 milhões a título de seguro-desemprego aos pequenos pescadores. Em 2012, os pagamentos chegaram a R$ 1,9 bilhão. Neste ano, a dotação do Orçamento-Geral da União é de aproximadamente R$ 2 bilhões. O montante corresponde ao triplo dos R$ 630 milhões orçados em 2013 para o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA). O valor bilionário pago com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador é também quatro vezes maior do que as exportações brasileiras de pescado em 2012, que geraram cerca de R$ 500 milhões. Os números são tão estranhos que parecem "história de pescador".

Nos dois últimos anos, os Estados do Pará, Maranhão e Bahia lideraram os recebimentos do seguro-defeso, tendo São Paulo ficado em 15.º lugar, pouco à frente do Rio de Janeiro, na 17.ª colocação. Enquanto no Pará os pagamentos atingiram R$ 905 milhões, em São Paulo somaram R$ 63,8 milhões. O município paulista campeão foi Iguape, onde os pescadores receberam R$ 7,3 milhões, mais do que o dobro dos R$ 2,6 milhões desembolsados por cidade em favor dos que vivem da pesca em Panorama e Presidente Epitácio. No Guarujá, o 4.º colocado, foram pagos R$ 2,5 milhões. Conforme cadastro da Controladoria-Geral da União (CGU), até em Brasília existem cinco pessoas que receberam juntas R$ 11.784,00 em razão do bolsa-pesca.

Alguns fatos explicam o crescimento vertiginoso das despesas. O benefício estar atrelado ao salário mínimo - com evolução real significativa - é uma delas. Merecem também destaque as disposições legais que reduziram o tempo exigido de registro como pescador artesanal para a obtenção do benefício e dispensaram a obrigatoriedade da inscrição em colônias de pescadores. Paralelamente, o número de inscritos no Registro Geral da Atividade Pesqueira cresceu de forma alucinante. Em 2003, o cadastro tinha pouco mais de 85 mil inscritos e, em 2012, o número superou 1 milhão de inscrições. Em menos de dez anos, a variação da quantidade de registros atingiu 1.125%. É claro que tem boi na linha e no anzol.

As fraudes surgem como um tsunami. Em 2011, a própria CGU já havia constatado 60,7 mil pagamentos irregulares, cuja soma alcançava R$ 91,8 milhões. Em 2012, a Advocacia-Geral da União no Ceará apurou que existiam pescadores cadastrados em colônias que nem sequer residiam nas respectivas cidades e não tinham a pesca como atividade principal. Em Santa Catarina, no município de Tubarão, espertalhões que atuavam em outras atividades e nunca viram um peixe na vida se inscreviam nas associações de classe, pagavam anuidades, contavam tempo de serviço e se aposentavam. O procurador da República Celso Três processou mais de 300 pessoas por fraudes, e ainda assim disse: "É como secar um oceano".

Aliás, o Ministério Público (MP) já abriu ações penais no Amazonas, Maranhão e em vários outros Estados. No mês passado, investigações da Polícia Federal (PF) em Minas Gerais identificaram que fazendeiros, políticos, comerciantes e até um pastor dono de clínica de reabilitação em Belo Horizonte recebiam a bolsa. Os inquéritos devem se transformar em processos por estelionato.

Como o que está ruim sempre pode piorar, há vários projetos de lei no Congresso Nacional que pretendem ampliar o benefício. Dentre eles, por exemplo, os que tratam de estender o seguro-defeso aos pesqueiros impedidos de exercer a atividade por causa das condições climáticas e, ainda, a toda a cadeia da pesca, incluindo os que transportam, comercializam, reparam embarcações e costuram redes. Outras propostas cogitam beneficiar os catadores de mariscos, caranguejos, siris e guaiamuns. A ideia mais curiosa é a que concede a bolsa-pesca mesmo àqueles já contemplados pelo auxílio-doença.

Há cerca de 20 dias, o Tribunal de Contas da União divulgou acórdão analisando os fatores que contribuíram para o incremento das despesas e anunciou auditoria no MPA para avaliar a eficácia dos controles internos referentes à concessão do benefício.

Ao contrário da passagem bíblica, fato que a religiosidade explica, é extremamente necessário que os órgãos de controle, a PF, o MP e a própria Justiça investiguem, de forma sistêmica, as fraudes generalizadas relacionadas à multiplicação dos pescadores, que exalam politicagem e má-fé.
* Gil Castello Branco é economista e fundador da ONG Associação Contas Abertas. E-mail: gil@contasabertas.org.br.