quinta-feira, 17 de maio de 2012

O mercado, o governo e a mídia na nova economia verde


O mercado não faz política. Quem faz política é o governo. O mercado aproveita as oportunidades que a política oferece. Os políticos, por sua vez, procuram estar sintonizados com o que a sociedade espera dela. Mercado, políticos e sociedade dependem de informações para fazerem escolhas e tomarem decisões, e é aí que a imprensa deve ser capaz de cumprir seu papel social de informar e esclarecer o público sobre fatos e tendências.
Quando se fala em política, é preciso lembrar sobre a importância não só do Poder Executivo, mas principalmente dos Parlamentos, na elaboração das leis, e do Judiciário, na fiscalização destas leis. É no Congresso Nacional, nas Assembléias Legislativas Estaduais, nas Câmaras de Vereadores que as leis são feitas. Elas resultam quase sempre de um amplo debate democrático onde forças e interesses antagônicos se confrontam até que surja o consenso sobre o que é possível, como está ocorrendo agora com o Código Florestal, como aconteceu com a Lei Nacional de Resíduos Sólidos que demorou vinte anos para ser aprovada.
Não é verdade que o mercado prefira uma economia suja em vez da limpa. Para o mercado, o que importa é atender às demandas da sociedade, obedecendo ao que as leis determinam e aproveitando dos benefícios e incentivos que oferece.
Neste sentido, o mercado mantém um olho no público e em suas tendências, e outro nas leis que estabelecem políticas e incentivos.  Quanto mais bem-sucedido o empresário for na interpretação da vontade do consumidor e aproveitar dos benefícios que as leis e as políticas oferecem, maiores as chances de ser bem-sucedido nos negócios.
E hoje, o negócio é ser limpo e sustentável. A economia suja, de uso intensivo em recursos naturais, de grande pegada carbônica, poluidora e desperdiçadora, terá cada vez mais dificuldade para prosperar. Quem precisa aprovar novos empreendimentos que causarão grandes danos ao meio ambiente já se apercebeu dessa nova realidade. A sociedade continua demandando por progresso e desenvolvimento, mas não aceita mais que isso se dê com desrespeito ao meio ambiente ou de qualquer jeito.
A chamada economia “verde” já aponta como fonte de lucros e oportunidades. O governo federal, por exemplo, tem lançado edital para a compra de energia eólica ou solar ou de biomassa. Trata-se oportunidade de novos negócios e empregos onde antes a produção de energia suja dominava.
Antes, os investimentos em meio ambiente e sustentabilidade eram divulgados timidamente em mídias ambientais especializadas. Hoje, estão ganhando as páginas das mídias de massa, demonstrando para o grande público os avanços e resultados no campo da sustentabilidade. Não se trata de um marketing mentiroso apenas para enganar o público. Essa época já passou. Agora a sustentabilidade ganha cada vez mais o coração e as mentes do público em geral deixando os pequenos círculos de iniciados em meio ambiente.
Por outro lado, se é verdade que muito já vem sendo feito no rumo da sustentabilidade, também é verdade que as forças do atraso e do progresso a qualquer preço ainda dão as cartas e dominam. Veja a situação do lixo, atribuição dos municípios. Ao lado de experiências-modelos de aterros bem gerenciados que aproveitam inclusive o metano como energia, ainda convivemos com milhares de lixões e “enterros” sanitários, revelando um enorme nicho de oportunidade de negócios para o mercado que resolver investir na solução deste problema.
Os entulhos, sobras de construção civil, geralmente um enorme problema para os municípios, se em vez de cobrados para despejar nos aterros já lotados e com a vida útil comprometida, fossem isentos de pagamento se entregues numa usina de reciclagem de entulho, poderiam ainda ajudar na construção de casas populares virando agregado para a fabricação de tijolos ecológicos, feitos prensados, a frio.
Ao adotar políticas de compra sustentável dos ingredientes da merenda escolar ou servida nos hospitais, por exemplo, os governos poderiam incentivar a produção orgânica e local, oferecendo produtos sem agrotóxico e com menor pegada carbônica e ainda incentivar a produção e a fixação das famílias nas áreas rurais do município ou imediações, evitando as migrações para as favelas urbanas.
São exemplos de que é perfeitamente possível mudar por que são mudanças que já estão ocorrendo em diversas cidades brasileiras. Estamos vivendo numa época em que estas duas economias estão convivendo, lado a lado, e os bons e os maus exemplos disso estão por todos os cantos.
A divulgação dos bons exemplos ajuda a que a sociedade cobre de seus governantes políticas de mudanças para a sustentabilidade, assim como a divulgação dos excessos, dos maus exemplos, ajudam a sociedade a exigir limites e multas cada vez mais pesadas para aqueles que preferem a velha economia, intensiva no uso dos recursos naturais, que não se importa com a pegada carbônica.
A sociedade pode ajudar a acelerar este processo passando a acompanhar mais, por meio das redes sociais e da internet, o trabalho de seus representantes políticos e interagir com os mandatos deles, com sugestões e críticas. As ONGs, do chamado Terceiro Setor, podem ajudar, por exemplo, organizando debates públicos e fóruns permanentes de acompanhamento de políticas para manter acesa a chama da mudança para a sustentabilidade e da economia verde, convidando parlamentares, promotores públicos e representantes do governo, exibindo vídeos com os usos e abusos da economia suja sobre a sociedade e as possibilidades e potenciais que a nova economia verde oferece.
E quanto mais a sociedade tiver acesso a informações sobre a nova economia verde e sobre a sustentabilidade, melhores serão suas escolhas, tanto de consumo quanto da pressão por políticas públicas, e maior será a velocidade da mudança no rumo da sustentabilidade.
* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a Rebia (Rede Brasileira de Informação Ambiental) e edita, deste janeiro de 1996, a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente. Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas.

A gangue do guardanapo


CONTARDO CALLIGARIS


O guardanapo do Ritz é a bandana perfeita para quem quer surfar nas costas dos bananas (que seríamos nós)

A FOTOGRAFIA da semana, para mim, é a de Fernando Cavendish (dono da Delta) e Sérgio Cabral (governador do Rio), com outros políticos e empresários, alegres além da conta, todos arvorando um guardanapo branco amarrado na cabeça -isso, num restaurante de Paris (o do hotel Ritz, ao que parece), em 2009.
A cena me lembra um caso recente. Um casal de brasileiros frequenta habitualmente um restaurante de Manhattan, porque o lugar é simpático e porque o maître também é brasileiro. Uma noite, no dito restaurante, uma mesa acomoda um grupo especialmente barulhento de mais oito brasileiros: os homens competem clamando seus pedidos de vinhos caros, e as mulheres competem gritando as compras do dia.
O maître recebe o casal de "habitués" pedindo em voz baixa: "Por favor, não vamos falar português, prefiro que eles não saibam que somos brasileiros".
É difícil assumir a brasilidade quando, na boca dos emergentes, o "brado retumbante" é o barulho de quem ambiciona se apresentar ao mundo pelo chacoalho do trocado que tem no bolso.
A mobilidade social brasileira é rapidíssima: em uma geração, criam-se fortunas (com ou sem a cumplicidade do poder público corrupto). Nesse ritmo acelerado de ascensão social, os novos ricos, em regra, adotam o luxo como puro símbolo de status, sem o tempo de elaborar uma cultura que lhes permita apreciá-lo. Com isso, escreveu justamente Elio Gaspari (Folha de 2/5), tentando ser chiques, eles são bregas: sua ostentação revela a falta de um gosto próprio e a vontade de ocultar sua origem recente.
Os novos ricos se envergonham de seu passado mais humilde e tentam ocultá-lo num agito fanfarrão que, justamente, revela aquela procedência que eles gostariam de espantar. Enquanto isso, os outros, como o maître de Manhattan, envergonham-se dos privilegiados de seu país.
Mas tudo isso não nos diz ao que vêm, na festa de Cavendish e companhia, os lenços na cabeça.
Para quem não viu a foto: são guardanapos dobrados em triângulos, cuja base é amarrada ao redor da testa, de modo que o pano recaia sobre os cabelos e a ponta seja eventualmente segurada na nuca. Ou seja, são bandanas.
Pioneiros, vaqueiros e bandeirantes a caminho do Oeste usavam uma bandana, que, ao redor do pescoço, servia para proteger a boca da poeira e dos insetos ou, amarrada de baixo do chapéu, estancava o suor. Antes disso, o mesmo lenço segurava o cabelo dos piratas. Depois disso, nos anos 1960 e 1970, ele segurava o dos motoqueiros rebeldes da contracultura.
A bandana é, tradicionalmente, um apetrecho de quem se engaja (real ou metaforicamente) no vento e na poeira dos caminhos menos percorridos. O ideal do cowboy, do "easy-rider", do aventureiro, do pirata, do surfista errante ou do roqueiro pode se encarnar em usuários mais sedentários, mas não menos ousados -à condição, claro, que eles precisem segurar o cabelo (é o caso, por exemplo, dos chefes de cozinha de hoje). Mas como esse mesmo ideal se encarnaria nos clientes brasileiros do Ritz de Paris?
Talvez a bandana da foto de Cavendish, Cabral etc. seja apenas uma versão da gravata na testa daqueles primos bêbados, que, no fim de uma festa de casamento, escolhem mostrar a todos os outros ("inibidos", "caretas" e "obviamente" invejosos) que eles, sim, sabem se divertir e são os verdadeiros heróis do hedonismo -os que não recuam diante do prazer. Isso, claro, até eles vomitarem num canto (conselho: nunca fique num casamento depois da saída dos noivos).
Ou talvez Cavendish, Cabral etc. achem que eles são mesmo os novos "easy-riders", cowboys ou bandeirantes. Mas qual é, então, sua aventura? Em que jornada eles precisam segurar o cabelo para correr livres no vento?
O guardanapo branco do Ritz é uma curiosa bandana: ele diz que a aventura desses pretensos aventureiros é apenas a de esbanjar seu privilégio (mais ou menos legal), sonhando em ser o objeto da inveja de todos. Em síntese: o guardanapo do Ritz é a bandana perfeita para quem quer surfar nas costas dos bananas (que seríamos nós).
Elio Gaspari prometeu uma viagem a Dubai para quem explicasse as bandanas do grupo de Cavendish etc. Se ajudei, renuncio desde já à viagem oferecida. Receio encontrar, em Dubai, o mesmo pessoal do Ritz ou seus amigos. Prefiro que Gaspari me convide para um jantar qualquer. Aliás, nem precisa me convidar. Mas o jantar é sem bandanas, ok?
ccalligari@uol.com.br

A crise global do emprego


A crise global do emprego

01 de maio de 2012 | 3h 02

CELSO MING - O Estado de S.Paulo
É sombrio o relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a situação do emprego no mundo. O documento, de 128 páginas, está disponível no site: www.oit.org.br/sites/default/files/topic/gender/doc/mundodotrabalhointegra_821.pdf.
Há hoje 50 milhões de empregos a menos do que havia em 2007, pouco antes do início da crise global. Pior ainda, a falta de ocupação para a população jovem (de até 25 anos) atinge nada menos que 80% das economias avançadas e 67% dos países em desenvolvimento. Indica que o futuro dessa gente também vai sendo comprometido.
O estudo atribui essa situação não à crise em si e ao que veio antes dela, mas ao resultado da aplicação generalizada de duas políticas dizimadoras do emprego: ajuste fiscal excessivo; e flexibilização do mercado de trabalho - regimes a que estão sendo submetidas economias prostradas pelas dívidas.
É inegável que a austeridade reduz as despesas públicas e, portanto, dificulta a recuperação; e que a flexibilização facilita a dispensa de pessoal, com a agravante de que, na maioria dos países avançados, os poucos postos de trabalho reabertos tendem a ser mais precários do que os que se fecharam. São ocupações ou temporárias, ou de período parcial, ou remuneradas com redução de salários e benefícios.
O diagnóstico está apenas parcialmente correto. Cabem três críticas ao foco e às conclusões. A primeira delas, é a de não se levar em conta a artificialidade da base de comparação - situação do emprego imediatamente anterior à crise. O grande boom do mercado de trabalho e dos salários da primeira década deste século (até 2008) nos países ricos se deveu à disparada do mercado imobiliário e de construção civil, tanto nos Estados Unidos como na área do euro. Foi o crédito fácil e pouco regulado que gerou a crise da subprime americana e foi a euforia dos investimentos, logo após a criação do euro, que alimentou as bolhas, a fácil criação de empregos e a alta dos salários na Europa. O ajuste que viria em seguida, qualquer que fosse ele, teria de acontecer com certo sacrifício de postos de trabalho.
O segundo ponto negativo é que essa pesquisa se omite em relação à utilização crescente de Tecnologia da Informação em todo o mundo, fator que tende a reduzir substancialmente o emprego de mão de obra. Isto é, políticas que enfatizem o crescimento em vez da feroz austeridade - como tanto se pede - não necessariamente proporcionarão mais ocupações. A pequena recuperação dos Estados Unidos, por exemplo, ocorre com menos emprego de pessoal.
Finalmente, a divulgação da OIT silencia sobre uma das mais importantes transformações da economia global: a redivisão do mercado de trabalho. Há 20 anos começou o processo que incorpora entre 30 milhões e 40 milhões de asiáticos por ano aos mercados de trabalho e de consumo. Essa gente ou não tinha ocupação ou estava subocupada. Poucos integravam as listas de desempregados - eram simplesmente excluídos. Essa mudança implicou a migração de setores industriais inteiros para a Ásia e demais emergentes à custa do emprego dos países avançados. Esse movimento não pode ser compensado só com políticas keynesianas de elevação de despesas públicas no mundo rico.