terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Caciques e pierrôs


por José Roberto de Toledo, no Estadao.com.br
A articulação pré-carnavalesca da eleição paulistana virou folia de caciques. Petistas e tucanos se alternaram como pierrôs e arlequins. No papel da disputada Colombina, o prefeito Gilberto Kassab e sua alegoria partidária, o PSD, foram o destaque do desfile. Mas a farra pode terminar em cinzas.
Lula rasgou a fantasia petista da democracia interna, ditou para o partido seu candidato e quais deveriam ser os aliados. Como o Pierrô da marchinha, acabou chorando a perda da Colombina para o Arlequim tucano. José Serra apareceu depois do baile terminado para bagunçar o coreto petista.
O PSDB até que tentou incluir os índios na festa, só não conseguiu encontrá-los. Os militantes-eleitores ora não sabiam para que partido militavam, ora não moravam nos endereços anotados nos registros partidários. Ao seu estilo, os tucanos contrataram uma empresa para tentar encontrar o militante perdido. Mas nem a privatização impediu a desmoralização das prévias pelo "serranismo".
O carnaval de cúpula dos partidos é embalado por uma versão ultrapassada da dança dos votos. Presume que caciques comandem eleitores para a urna como gado para o matadouro. O raciocínio por trás das articulações parece pueril.
"O PT precisa conquistar parte do eleitorado conservador para eleger seu candidato a prefeito, logo, vamos nos aliar a Kassab que ele trará os votos que faltam". Ou: "Serra polarizará a eleição com o PT e a rejeição do eleitor paulistano ao petismo dará a vitória ao PSDB".
Tudo preto no branco, simples e equivocado. As consequências podem vir a ser as prognosticadas, mas não exatamente por causa das premissas que as embasam. A decisão do voto é um processo mais matizado do que bicolor.

















Das forças que comandam uma eleição, a mais importante é a satisfação do eleitor com o status quo. Governantes bem avaliados tendem a se reeleger ou influir positivamente na escolha de seu sucessor. Não é o caso de São Paulo. Hoje, um dos principais vetores eleitorais paulistanos é a vontade de mudar.
Outro cenário. Há quatro anos, Kassab partiu da impopularidade para a reeleição. Desta vez, porém, o prefeito não será protagonista da campanha de TV, não disporá do mesmo tempo de propaganda de 2008 (salvo o "tapetão") nem terá um boneco como cabo eleitoral. A tendência é a avaliação do governo municipal permanecer negativa, atraindo mais críticas dos adversários, num ciclo vicioso. Nesse cenário, ganham pontos os candidatos reconhecidamente de oposição. Quem ficar no meio do caminho, temperando críticas e elogios, é candidato a repetir Geraldo Alckmin (PSDB) em 2008 e acabar fora do segundo turno.
Outro drive importante é a capacidade de mobilização. O PT é o maior partido brasileiro e paulistano, em simpatizantes. Desde 2000, os candidatos petistas a prefeito e a presidente tiveram de 33% a 42% dos votos válidos no primeiro turno na cidade. Mas a reação é proporcional à força.
Nas últimas oito eleições municipais e/ou presidenciais, em apenas duas o PT viu seu candidato superar metade dos votos válidos em São Paulo: Marta Suplicy, em 2000, e Lula, em 2002. Ambos simbolizavam a mudança. Até hoje, o PT paulistano só acomodou seu piso alto ao teto baixo quando estava na oposição: elege, mas não reelege.
Já os tucanos não têm um patamar constante de votação. De 1996 a 2010, a performance de seus candidatos a prefeito e presidente variou de 16% a 62% no primeiro turno na cidade. Em metade das vezes, ficaram abaixo de um terço dos votos válidos, mas na outra metade foram os mais votados.
É um sinal de que não há polarização automática entre PT e PSDB em São Paulo. Os tucanos dependem das circunstâncias, de quem são os outros concorrentes: eles tendem a perder para um candidato forte situado à sua direita, como perderam para Paulo Maluf, Celso Pitta e Kassab.


Nome conhecido. Um terceiro fator relevante é a fama do candidato. Um nome conhecido tem velocidade inicial mais alta e costuma liderar pesquisas na pré-campanha. É o caso de Serra. Mas como a eleição de 2010 mostrou, reconhecimento não é igual a intenção de voto. Além disso, quem é reconhecido também é mais rejeitado.
No caso do ex-prefeito, soma-se a desconfiança por ele ter quebrado sua palavra e abandonado a prefeitura com menos de dois anos no cargo. Finalmente, Serra não poderá adotar um discurso de oposição a Kassab. Terá que endossar seu ex-vice, apesar da impopularidade.
Ao considerar sua entrada tardia na disputa, Serra deve levar em conta que ela é desejada por tanta gente que dá até para desconfiar. O PT gostaria de disputar o segundo turno com um candidato com a sua rejeição. Alckmin ganharia com sua eleição, mas principalmente com sua derrota. Essa disputa tucano-petista abre espaço para um candidato que atraia a oposição conservadora. É a avenida que Gabriel Chalita (PMDB) tentará trilhar.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Coxinha em promoção


Lúcia Guimarães
O Boteco do Joaquim, na Cidade Baixa, em Porto Alegre, está dando 50% de desconto na coxinha. Um espeto de "Coxinha da Asa", que custava R$ 12,50, custa agora R$ 6.
A colunista fugiu de Manhattan para passar o carnaval no Brasil, dirá o leitor. Nada disso, bá. Foi o Boteco do Joaquim que avisou esta guria da promoção. E concluo a afirmação no tom agudo de uma interrogação, como fazem os gaúchos. Uma pena que não posso economizar R$ 6,50 num almoço porque a passagem daqui para o Boteco custa R$ 4 mil.
O email da coxinha é um das centenas que recebo toda semana, um subproduto da vala comum das listas de marketing que são vendidas ou surrupiadas. Pior, são compradas por comerciantes inocentes como se fossem acesso garantido ao público que querem atingir. Não ponho os pés na Cidade Baixa porto-alegrense desde a adolescência, quando um general teuto-gaúcho ainda podia se empanturrar de coxinhas grátis no Planalto.
Se alguma corporação estiver espionando minha correspondência eletrônica com base num algoritmo, pode montar um perfil em que: Eu como coxinha em Porto Alegre; corto o cabelo em Belo Horizonte; compro câmeras no Estado do Maine; passo os fins de semana em Búzios; encomendo pornografia do Estado de Nevada. Enfim, sou uma verdadeira cidadã do mundo, cheia de caprichos e perversões.
Se alguma corporação estiver me espionando? Não posso protestar inocência. Nem preciso olhar debaixo da cama para saber que minha lista de contatos e o conteúdo dos emails são acessados sistematicamente pelos aplicativos do celular e pelo servidor de email.
Seria necessário fazer um voto offline de carmelita descalça para deixar de ser trabalhadora involuntária da indústria digital. Vejamos: o Departamento de Pesquisa do Consumidor (eu entro com a pesquisa, eles faturam) do New York Times me escreveu uma carta tão lisonjeira que, confesso, cliquei no link da oferta. Fui convidada para me tornar membro de um painel de "leitores como você". A "recompensa"? Oferecer ao Times a minha opinião sobre "tópicos que vão de estilo de vida aos meus interesses"; ganhar pontos para receber prêmios nebulosos; descobrir novos serviços oferecidos pelo jornal. Uau.
O rapaz que operava a banca do jogo do bicho, do meu bairro no Rio de Janeiro, cujo estrabismo sugeria uma constante vigília para se evadir da polícia, não subestimava tanto a minha inteligência. E, ao contrário da escorregadia oferta marqueteira, com o tal rapaz, valia o escrito.
Escuta aqui, New York Times, não é exagero, se eu fosse subitamente privada da leitura diária do jornal, poderia ficar coberta de brotoejas. É impossível ser jornalista em Nova York e não ler o Times. Vá lá, é possível e muitos fazem isso, mas é deprimente. Não basta eu pagar a assinatura, ano após ano? Preciso escrever de graça para o jornal vender publicidade?
E há o email distribuído do Jaguarão ao Tajiquistão, que começa: "Olá, veja que notícia interessante". Passa pela cabeça de quem redige esses press releases que qualquer repórter vai se atirar à cobertura de uma "notícia interessante"? Especialmente depois de descobrir que o mesmo texto promove um show de forró em Petrolina e a inauguração de uma estação de tratamento de esgoto?
Assim como a praga do email marqueteiro se globalizou, o despreparo de profissionais do ramo que se interpõem entre a notícia e quem escreve sobre ela grassa aqui na capital da mídia americana, onde a competição, teoricamente, é muito maior. Recebo emails perguntando se a reportagem do Estado sobre um autor famoso vai sair em inglês. Ou se o texto vai sair em "brazilian". A assessora da mais prestigiada editora americana se mostrou exasperada com a minha insistência em escrever sobre três lançamentos simultâneos da obra de Elizabeth Bishop (hello!), que incluíam um novo texto sobre o Brasil.
Se já acabou a promoção da coxinha, não venham se queixar comigo. Pagar R$ 12 por um espeto bem temperado não é nada diante da faxina diária que sou obrigada a fazer na minha caixa postal eletrônica.
Não sei se o leitor compartilha o meu cansaço, mas a invasão de mensagens que burlam o filtro do spam me dá a sensação de que o telefone de casa não para de tocar e, quando atendo, a voz pergunta: aí é do açougue? Imagino que respondo: É sim. O especial hoje é assessor de marketing. Com desconto para os miolos.

A segunda morte do flâneur


Por Redação Link
A ideia de zanzar pela internet está sendo assassinada pela organização da rede assim como as transformações de Paris na segunda metade o século 19 matou o flanar

A internet dos anos 90 era como a Paris pré-Haussmann

Outro dia, eu revirava uma pilha de antigos artigos sobre o futuro da internet quando um pequeno e obscuro ensaio de 1998 – publicado num site chamado Ceramics Today, por incrível que pareça – chamou minha atenção. Celebrando o “flâneur cibernético”, o texto falava de um futuro digital brilhante, cheio de mistério e espontaneidade, que aguardava este intrigante usuário da rede. Essa visão do amanhã parecia inevitável numa época na qual “o que a cidade e a rua representaram para o flâneur, a internet e a superestrada da informação passaram a representar para o flâneur cibernético”.
Curioso, decidi desvendar o que ocorreu com o flâneur online. Eles são poucos e difíceis de encontrar, enquanto a própria prática de flanar na rede parece estar em desacordo com o mundo das mídias sociais. O que foi que deu errado? Será que devemos nos preocupar? Conhecer a história do flanar é uma boa maneira de começar a responder estas perguntas. Graças ao poeta francês Charles Baudelaire e ao crítico alemão Walter Benjamin, que viam no flâneur um emblema da modernidade, a figura dele (tratava-se em geral de homens) é associada à Paris do século 19. O flâneur passeava lentamente por ruas e galerias – animadas fileiras de lojas cobertas por telhados de vidro – para cultivar o que Honoré de Balzac chamou de “gastronomia do olhar”.
Embora não ocultasse deliberadamente sua identidade, o flâneur preferia passear incógnito. “A arte que o flâneur domina é a de observar sem ser flagrado”, destacou certa vez o sociólogo polonês Zygmunt Bauman. O flâneur não era antissocial – ele precisava das multidões para desenvolver sua atividade –, mas não se misturava aos demais, preferindo saborear a solidão. E tinha para si todo o tempo do mundo: falava-se em flâneurs que levavam tartarugas para passear.
Ele entrava nas galerias de lojas, mas não cedia ao consumismo; a galeria era antes um atalho para uma rica experiência sensorial – e só depois um templo do consumo. O objetivo era observar, banhar-se na multidão, absorvendo ruídos, o caos, a heterogeneidade, o cosmopolitismo. Ocasionalmente, narrava o que via – investigando tanto a própria intimidade quanto o mundo exterior – na forma de ensaios curtos para jornais diários.
É fácil ver o motivo pelo qual o flanar online pareceu tão atraente nos primeiros dias da web. A ideia de explorar o ciberespaço como território virgem, ainda não colonizado por governos e empresas, era romântica; este romantismo aparecia até no nome dos primeiros browsers (o Explorador da Internet e o Navegante da Paisagem da Rede).
Comunidades como GeoCities e Tripod foram as galerias digitais daquele período, lidando com aquilo que havia de mais obscuro e mais peculiar, sem que houvesse hierarquia organizando-as por popularidade ou valor comercial. Naquele então, o eBay era mais esquisito do que a maioria dos mercados de pulgas; um passeio por suas prateleiras virtuais era mais agradável do que comprar de fato algum dos artigos oferecidos no site.
Em meados da década de 90, parecia que a internet poderia levar a um inesperado renascimento do flanar. Mas quem sonhava com uma web que serviria como refúgio de boêmios hedonistas e idiossincráticos, provavelmente não sabia a causa mortis do flâneur original.
Avenida. Na segunda metade do século 19, Paris passou por profundas mudanças. As reformas na arquitetura e no planejamento urbano promovidas pelo barão Haussmann no governo de Napoleão III foram particularmente importantes: a demolição de estreitas ruas medievais, o estabelecimento de praças amplas (construídas em parte para melhorar a higiene e em parte para impedir barricadas revolucionárias), a proliferação da iluminação de rua a gás e as crescentes vantagens de passar o tempo em ambientes fechados transformaram radicalmente a cidade.
A tecnologia e as mudanças sociais também tiveram seus efeitos. O tráfego de carros na rua fez de passeios contemplativos uma atividade perigosa. Galerias foram substituídas por lojas de departamentos. A racionalização da vida urbana conduziu os flâneurs ao subterrâneo, obrigando-os a se refugiar num tipo de flanar interno, cujo apogeu é o exílio autoimposto de Marcel Proust em seu quarto (situado, voilà, no bulevar Haussmann).
Algo parecido aconteceu na internet. Transcendendo sua brincalhona identidade original, a rede não é mais para passear – virou lugar de cumprir tarefas. Ninguém mais navega. A popularidade dos aplicativos – que conduzem àquilo que queremos sem que seja necessário abrir o browser, faz do flanar online algo cada vez menos provável.
O fato de uma parte tão preponderante da atividade contemporânea na rede envolver compras não ajuda em nada. Passear pelo Groupon não é tão divertido quanto caminhar por uma galeria, eletrônica ou não.
O ritmo da internet mudou. Dez anos atrás, um conceito como o tempo real, em que cada tweet e atualização de status é automaticamente indexada, atualizada e respondida, era impensável. Hoje, este é o termo do momento no Vale do Silício. Não se trata de algo surpreendente: as pessoas gostam de velocidade e eficiência.
Mas as páginas de outrora, que abriam lentamente ao som de estranhos ruídos do modem, tinham um inusitado lado poético. Ocasionalmente, a lentidão chegava a nos alertar para o fato de que estávamos sentados diante de um computador. Bem, esta tartaruga não existe mais.
Enquanto isso, o Google, ao tentar de organizar a informação do mundo, vem tornando desnecessária a visita a sites individuais assim como, gerações atrás, o catálogo da Sears tornou desnecessária a ida a lojas físicas. A atual ambição do Google é responder nossas perguntas – sobre o clima, as taxas de câmbio, o jogo de ontem – ele mesmo, sem levar a nenhum outro site. Digite a pergunta, e a resposta aparece no topo da lista de resultados.
(O impacto de atalhos deste tipo nas buscas não interessa aqui; quem imagina a busca por informações em termos tão puramente instrumentais, enxergando a internet como pouco mais do que um gigante FAQ, dificilmente criará espaços que convidem ao flanar online.)
Novo barão. Mas, se há um barão Haussmann na internet hoje, ele é o Facebook. Tudo aquilo que torna possível o flanar online – solidão e individualidade, anonimato e opacidade, mistério e ambivalência, curiosidade e o desejo de correr riscos – está sob o ataque desta empresa. E não estamos falando de uma empresa qualquer: com 845 milhões de usuários ativos espalhados pelo mundo, dá para dizer que aonde quer que o Facebook vá, a internet irá atrás.
É fácil culpar o modelo de negócios do Facebook (a perda do anonimato permite que ele lucre mais com os anunciantes), mas o problema é mais embaixo. O Facebook parece acreditar que os peculiares elementos que tornam possível o flanar devem ser eliminados. “Queremos que tudo seja social”, disse Sheryl Sandberg, diretora de operações do Facebook, em entrevista ao programa de TV Charlie Rose alguns meses atrás. Na prática, isso foi explicado pelo chefe dela, Mark Zuckerberg, no mesmo programa. “Preferimos ir ao cinema sozinhos ou com amigos?”, perguntou, respondendo imediatamente: “Com amigos”.
As implicações são claras: o Facebook quer construir uma internet na qual ver filmes, ouvir música, ler livros e até mesmo navegar sejam atividades desempenhadas não só abertamente como social e colaborativamente. Por meio de parcerias com empresas como Spotify e Netflix, ele cria poderosos incentivos que fariam os usuários adotarem ansiosos a tirania do “social”, a tal ponto que desempenhar qualquer uma dessas atividades sozinho seria impossível.
Ora, se Zuckerberg de fato acredita no que disse sobre cinema, há uma longa lista de filmes que eu gostaria de sugerir aos amigos dele. Por que ele não leva a turma para ver Satantango, sete horas de filme de arte branco e preto do húngaro Bela Tarr? A resposta: se fizéssemos uma pesquisa de opinião entre os amigos dele, ou um determinado grupo numeroso de pessoas, Satantango seria quase sempre derrotado por um título que pode não ser o filme preferido por todos, mas que também não vai incomodar ninguém. Eis um exemplo da tirania do social.
Além disso, não parece óbvio que consumir sozinho o que a arte tem de melhor é uma experiência qualitativamente diferente de consumi-lo socialmente? Qual é o motivo de tamanho medo da solidão? Para Zuckerberg, “é melhor estar conectado às pessoas. A vida fica mais rica”. É esta ideia de que a experiência individual seria forma inferior à coletiva que subjaz no “compartilhamento sem atrito” do Facebook – a ideia de que, de agora em diante, teremos de nos preocupar só com o que não queremos compartilhar; tudo o mais será compartilhado automaticamente.
Para tanto, o Facebook encoraja seus parceiros a construir aplicativos que compartilham automaticamente tudo o que fizermos: os textos que lemos, as músicas que ouvimos, os vídeos que assistimos. Nem é preciso dizer que o compartilhamento sem atrito também ajuda o Facebook a nos vender aos anunciantes, ajudando esses anunciantes a vender seus produtos para nós.
Isto poderia até valer a pena se o compartilhamento sem atrito incrementasse a experiência na rede; afinal, até mesmo o flâneur do século 19 enfrentou cartazes de anúncios nas suas caminhadas. Mas uma coisa é encontrar uma matéria interessante e compartilhá-la com os amigos. Outra bem diferente é inundar os amigos com tudo o que passa pelo seu browser ou app, na esperança de que eles escolham algo interessante pelo caminho.
Pior: quando esse sistema de compartilhamento sem atrito for plenamente operacional, é provável todas as notícias sejam lidas no Facebook, sem que seja preciso sair dos domínios do site para visitar o restante da rede. Vários veículos jornalísticos, como Guardian e Washington Post, já têm aplicativos s que permitem aos usuários ler artigos sem precisar visitar as páginas do veículo.
Como explicou o popular blogueiro Robert Scoble, que escreve sobre tecnologia, num texto recente a respeito do compartilhamento sem atrito, “neste novo mundo, basta abrir o Facebook e tudo o que lhe interessa será exibido sequencialmente na tela”.
É justamente isso que está matando o flanar online: o traço que marca o passeio do flâneur é o fato de ele não saber o que é que lhe interessa mais. Nas palavras do autor alemão Franz Hessel, que colaborava ocasionalmente com Walter Benjamin, “para flanar, é preciso que não haja nada muito definido na cabeça”. Comparado ao universo determinista do Facebook, até o pouco criativo slogan da Microsoft nos anos 90 – “Where do you want to go today?”, ou “Aonde você quer ir hoje?” – soa subversivo e emocionante.
Quem faria essa pergunta tola na era do Facebook? De acordo com Benjamin, a triste figura do homem-sanduíche foi a última encarnação do flâneur. Num certo sentido, todos nós viramos homens-sanduíche, caminhando pelas ruas do Facebook com anúncios invisíveis pendendo de nossas identidades eletrônicas. A única diferença é que a natureza digital da informação permitiu que consumíssemos alegremente canções, filmes e livros ao mesmo tempo em que os anunciamos, desavisados. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Evgeny Morozov é autor do livro The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom (A desilusão da rede: o lado obscuro da liberdade online)