sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

SUELY ARAÚJO E MARCIO ASTRINI - Os perigos da retórica petroleira, FSP

 Suely Araújo

Coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima; ex-presidente do Ibama (2016-18)

Marcio Astrini

Secretário-executivo do Observatório do Clima

O licenciamento para perfuração de petróleo no chamado Bloco 59, na bacia sedimentar da Foz do Amazonas, vem deixando muita gente nervosa. O Ibama, que já deu 2.000 licenças para poços de petróleo no Brasil desde 2007 sem ouvir reclamações, vem sendo acusado de procrastinar com esta licença por inconfessáveis motivos ideológicos. Os ataques ao órgão ambiental lançam mão da retórica perigosa e desinformativa das empresas de petróleo, sobre a qual cabe alertar o público.

Uma tática comum é a do espantalho, que consiste em caricaturar as posições dos opositores da exploração, pintando-os como radicais irresponsáveis. Um jornal fez isso recentemente, dizendo que "os postos de combustível não fecharão de uma hora para a outra" —como se alguém tivesse feito tal proposta. No entanto, a Agência Internacional de Energia afirma que, se o mundo quiser ter alguma chance de devolver o aquecimento global ao patamar de 1,5ºC no fim do século, o consumo de petróleo deve cair 20% em 2030. Em 2050, esse declínio precisará ser de 75%.

Foz do rio Amazonas: costa do estado do Amapá, no extremo norte do Brasil, está na mira da indústria petrolífera - Victor Moriyama/Greenpeace

Outra peça do arsenal petroleiro é a alegação de que, sem a abertura de novas fronteiras fósseis como a Margem Equatorial, o Brasil terá de importar petróleo. Segundo a Empresa de Pesquisa Energética, o país já tem contratada para 2030 uma expansão que chega a 5,3 milhões de barris-dia, mais do que o dobro do nosso consumo, que é de 2,3 milhões de barris-dia. Se a preocupação é com a segurança energética do brasileiro, basta exportar menos petróleo.

Isso, claro, assumindo o cenário irreal de que a Petrobras assistirá bovinamente ao declínio da produtividade do pré-sal nos próximos anos sem fazer nada. Obviamente não é o caso: a empresa acabou de anunciar a descoberta de um novo reservatório no campo de Búzios e investe constantemente em novas descobertas e no aumento do fator de recuperação dos reservatórios já existentes. A investidores, a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) fala em vários bilhões de barris na região.

Tão grande quanto a capacidade de encontrar novos reservatórios é a habilidade da Petrobras em criar narrativas que justifiquem seus planos de expansão ilimitada de exploração e produção. Tal prática, corriqueira entre as empresas do setor, é conhecida como "paltering", ou a divulgação seletiva de informações, omitindo verdades inconvenientes. A peça de "paltering" preferida da Petrobras é o "petróleo de baixo carbono".

Trata-se de uma historinha segundo a qual a produção de cada barril de petróleo por aqui emite 15 kg de CO2 contra mais de 17 kg da média mundial (em alguns países, mais de 50 kg). Infelizmente, o que importa para o clima não é o carbono emitido para extrair um barril, mas o que vai para o ar quando esse óleo é queimado. Cada barril de petróleo emite 420 kg de CO2 na queima; portanto, do ponto de vista da atmosfera, a menor emissão na produção faz muito pouca diferença. O tal óleo "verde" do Brasil não irá, só por força de seu suposto baixo carbono, substituir nenhum óleo "mais sujo" de outros países quando a demanda cair. O fator determinante para o "último homem de pé" a disputar um mercado futuro 75% menor será preço.

Por fim, é uma cilada geográfica dizer, como os defensores da exploração vêm dizendo, que o Bloco 59 fica a 500 km da foz do rio Amazonas e não traz risco em caso de derrame. Foz do Amazonas (em maiúscula) é o nome da bacia sedimentar. O risco direto não é para a foz do Amazonas (em minúscula) propriamente dita, mas para os manguezais do Amapá, a menos de 200 km do local, para o litoral da Guiana Francesa —que não tem exploração de petróleo, mas deverá receber a maior parte do óleo do vizinho em caso de vazamento— e para o grande sistema recifal amazônico, ainda pouco conhecido.

Isso não significa que esse óleo não ameace a floresta amazônica. Como vimos nos incêndios de 2023 e 2024, induzidos pelo aquecimento global mesmo com o desmatamento em queda, sem uma eliminação gradual, justa e equitativa dos combustíveis fósseis nós perderemos a Amazônia para o clima —mesmo que o desmatamento seja zerado.

O Brasil, à frente da COP30, tem uma oportunidade única de pautar essa discussão e negociar um calendário de transição no qual os países desenvolvidos tomem a dianteira, mas o horizonte do fim do petróleo fique claro para todos. Num momento em que os Estados Unidos deixam o esforço multilateral para passar ativamente a sabotá-lo, o mundo conta com a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva nessa negociação —que, ademais, é de interesse do Brasil, como país em desenvolvimento e produtor de óleo que não vai querer ver os prazos da transição sendo decididos à sua revelia.

Alguns, porém, defendem literalmente apagar o fogo com gasolina, furando novos poços em áreas sensíveis como se não houvesse amanhã. Se eles prevalecerem, não haverá mesmo.


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