terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

ESCOLHAS E CONSEQUÊNCIAS, Francisco Brito Cruz - Gama

 De novo, Zuckerberg e os movimentos dos bilionários da tecnologia — mas é que não há saída desse assunto no mundo das políticas digitais. A posse de Donald Trump acaba de criar um novo establishment — e dele essas lideranças empresariais são partes muito mais constitutivas do que antes. Escolheram um lado. Com isso, transforma-se radicalmente o jogo de consequências (e da confiança possível) entre diversos atores e esse setor. E esse novo jeito deve remodelar os pensamentos de curto, médio e longo prazo de todos nós.

É verdade que a direita vai dizer que o que se passou é uma troca de lealdades, não um pacto inédito. É o discurso de quem entende que as empresas de tecnologia tiveram uma fase woke (ou “lacradora”), e agora vão só mudar a chave.

Não é bem assim. Interlocutores dos executivos dessas companhias sabem que eles, em verdade, viviam pressionados por ambos os lados da política — e tinham estratégia para lidar com ambos. No Brasil de 2023, mesmo que aliados com a extrema-direita no Congresso para aplacar as propostas de regulação, as plataformas sentaram-se com seu maior nêmesis, Ministro Alexandre de Moraes, para discutir caminhos de colaboração na regulação. Mantiveram canal com os veículos que viam Lula das melhores e piores formas possíveis. Zelaram pela melhor relação possível com todos; mesmo que não tenham sido bem sucedidos em tudo, esse era o esforço reputacional do momento.

Por quase uma década, as plataformas desenvolveram suas relações públicas e institucionais sobre o fio de navalha de uma promessa de pretensa neutralidade. Política e tecnológica. Valorizaram seus produtos ao não admitir vestir a carapuça de serem responsáveis por determinados resultados eleitorais. Defenderam-se dos conservadores negando guiarem-se apenas por “lacração”. Essa era acabou com o anúncio de Zuckerberg e o apoio absoluto de Musk ao trumpismo — ao menos para a Meta e o X.

A Meta e o X não precisam mais justificar nada: basta querer que um candidato desapareça do feed e outro receba impulsionamento gratuito

A resposta para quem pensa que é só uma “troca de lealdades” é que agora parece ter acabado a vontade de se mostrar neutro; e assim receber chumbo dos dois lados. Musk e Zuckerberg decidiram que preferem tomar o chumbo da crítica de um lado só, e deixar o outro feliz. Os motivos? Alguma combinação entre conveniência, aliança contra a regulação, ideologia e a impossibilidade de oferecer o que um dos lados parecia querer (o fim da “desinformação” ou de eleições de populistas de direita).

É verdade que a esquerda vai dizer que essa mudança de discurso não significa muito, afinal o alinhamento antirregulação já era uma realidade antes mesmo de janeiro de 2025. É o discurso de quem entende que esse processo é apenas um escancaramento da vocação deste setor.

Não é exatamente assim. A recente guinada da Meta é um sinal de alerta. Dar de ombros à crítica de um lado da política e abertamente abraçar o outro deve realinhar todas as expectativas de como lidar com o setor, a sério. Mark Zuckerberg falou sobre “momento de virada política” e instantaneamente interditou qualquer promessa de neutralidade. Não é possível nem mais cobrar isso da Meta ou do X, esta é a mensagem. Em seu anúncio, Zuckerberg inclusive criticou veementemente o que era sua grande aposta para sanear a violência de suas plataformas: o uso de tecnologia e automação. Como confiar em quem reiteradamente declarava essa uma ponta de lança do avanço da segurança online em um dia e rejeitava a mesma tecnologia no outro, uma semana antes da posse de Trump?

É necessária a construção de uma visão política e jurídica que recoloque parâmetros de neutralidade — da igualdade de chances na política ao tratamento justo com criadores de conteúdo

O controle sobre o alcance e visibilidade de postagens, a desmonetização de perfis ou a aplicação dos padrões de comunidade já eram instrumentos de influência poderosos. Agora, o risco é que esses mecanismos sejam utilizados sem qualquer fazer-crer de neutralidade.

E o que impedirá que plataformas que assumam esta postura tenham a faca e o queijo na mão para intervir diretamente em disputas políticas de forma cada vez mais despreocupada? Para além das preocupações com vieses internos, há a questão dos interesses econômicos e geopolíticos que se misturam ao funcionamento da empresa. Com regras cada vez mais opacas e decisões tomadas em salas fechadas, a Meta e o X não precisam mais justificar nada: basta querer para que um candidato desapareça do feed e outro receba impulsionamento gratuito. Isso para citar duas das infinitas possibilidades.

O ponto central não é mais debater se essas lideranças do setor têm ou não um viés — isso já está claro. A questão agora é que podem simplesmente não se importar mais em escondê-lo. E, nesse novo cenário, o tecido da confiança vai se rasgando.

E agora? Instituições, partidos políticos, movimentos sociais e organizações da sociedade civil precisam pensar como agir conforme. Mais do que isso, é necessária a construção de uma visão política e jurídica que recoloque parâmetros de neutralidade – da igualdade de chances na política ao tratamento justo com criadores de conteúdo, por exemplo.

FRANCISCO BRITO CRUZ é advogado e professor de direito do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), com foco em regulação e políticas digitais. Fez seu mestrado e doutorado em direito na Universidade de São Paulo (Usp). Fundou e dirigiu o InternetLab, centro de pesquisa no tema.


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