Um amigo, envolvido em determinada pesquisa e superestimando meus poderes extrassensoriais, me pergunta onde encontrar o áudio da entrevista do Chacrinha ao Pasquim nos anos 1970. Respondi que não tinha a menor ideia, mas que seria mais fácil achar o áudio da conversa telefônica entre Graham Bell e d. Pedro 2º, na Exposição do Centenário da Independência dos EUA, em Filadélfia, em 1876. Tivesse sido gravado, esse telefonema estaria no acervo do Instituto Smithsonian ou da Biblioteca do Congresso. Os americanos são esquisitos —não jogam nada fora.
As entrevistas do Pasquim, muitas entre as melhores da imprensa brasileira, eram gravadas em cassete e na maior informalidade: ao redor de uísques, com interrupções para ir ao banheiro e todo mundo falando ao mesmo tempo. Concluídas, as fitas eram transcritas na Redação por algum dos participantes e publicadas sem edição —a exceção foi a de Leila Diniz, em 1969, no nº 22, com a genial substituição dos palavrões de Leila por asteriscos. Depois disso, que fim levavam as fitas? Talvez fossem aproveitadas para outras entrevistas. Ou esquecidas num canto e deixadas para trás numa das muitas mudanças do Pasquim ou, quem sabe, jogadas fora, quem vai saber?
Se tivessem caído em mãos do multimuseólogo Luiz Ernesto Kawall, elas estariam preservadas, catalogadas e à mão até hoje. Kawall mantinha em São Paulo um Museu da Voz, a Vozoteca LEK, com 4.000 registros de vozes em todas as mídias —Rui Barbosa, Santos-Dumont, Rondon, Monteiro Lobato, Carmen Miranda, Getulio, Juscelino, Freud, Lênin, Hitler, Mussolini, Churchill, Gandhi, Kennedy. O incansável Kawall morreu no dia 13 último, aos 97 anos, mas, felizmente, seu acervo está a salvo —ele já o doara à USP.
No Brasil, Kawall era exceção. Quando se trata de preservar o patrimônio nacional, não hesitamos —desprezamos áudios, vídeos, filmes, fotos, desenhos, esculturas, monumentos, casas, ruas, cidades, tudo.
Olhe em volta e procure o seu passado. Xi, é mesmo, que fim levou?
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