quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Ilona Szabó de Carvalho - O Brasil voltou - FSP

 A eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o apoio decisivo de uma frente ampla, é uma grande vitória da democracia não apenas para o Brasil, mas para o mundo. Seu discurso depois de eleito deu o tom do que planeja: um governo civil, inclusivo, conciliatório e verde. E se por um lado a vitória, reconhecidamente por pequena margem, envia um importante sinal ao redor do mundo, por outro demanda com urgência que se apresente uma agenda de reengajamento com pelo menos quatro prioridades.

A primeira é almejar se tornar uma superpotência verde e liderar a transição justa no âmbito global. Para isso precisa aumentar sua ambição e investir no desenvolvimento de economias de ponta inclusivas e compatíveis com a preservação florestal, como a bioeconomiabiotecnologia e os serviços ambientais a partir de biomas como a floresta amazônica, o cerrado, a mata atlântica e o Pantanal, em uma matriz energética 100% renovável e na produção sustentável de alimentos.

Lula discursa ao microfone após ser eleito presidente do Brasil
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursa na cidade de São Paulo, no último domingo (30), após ser eleito para a Presidência da República - Nelson Almeida - 31.out.22/AFP

Para tal precisará alavancar grandes parcerias multissetoriais, com o envolvimento dos distintos níveis de governo, da sociedade civil e do setor privado e financeiro. Isso não será fácil no clima político atual, mas é a única forma de o Brasil atingir seu potencial.

A segunda grande prioridade é conduzir um processo de reconciliação da sociedade, com o foco na superação das divisões que fizeram desta eleição um marco da polarização e da violência política. Isso passa por construir uma visão compartilhada sobre como lidar com o tema, incluindo a criação de regras pactuadas no âmbito democrático e o fortalecimento da cooperação multissetorial. Desta forma poderá contribuir em escala planetária, afinal, o país não é o único que tem sofrido as consequências deste mal contemporâneo.

As soluções para a polarização política não são simples e é fundamental construir uma cultura de voto em propostas e programas de governo, e não em personalidades. Será preciso também trabalhar conjuntamente com a sociedade civil e as grandes plataformas digitais para desarmar a bomba da desinformação, fortalecendo a educação e os direitos digitais.

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A terceira prioridade é reorientar a cooperação Sul-Sul e triangular para questões de redução da pobreza e desigualdades, e para a garantia da segurança alimentar. Essas questões são fundamentais para todos os países em desenvolvimento que sofreram grandes retrocessos por conta da pandemia da Covid e da guerra russo-ucraniana.

Por fim, o Brasil deve ressaltar a importância da cooperação multilateral em um mundo fragmentado em torno de múltiplos assuntos como, por exemplo, as questões da paz e da segurança global, com atenção especial para a questão nuclear, governança digital, e principais riscos climáticos. O país também deve se engajar nas urgentes discussões sobre a reorientação do sistema financeiro internacional para expandir o investimento em ação climática nos países mais afetados e menos responsáveis pelo aquecimento global.

Em um momento de desafios sistêmicos e interconectados que afetam a sobrevivência humana, a volta ao multilateralismo de um ator como o Brasil, com um longo legado de construção e cumprimento das regras internacionais, é mais que necessária. O mundo está mudando rapidamente, e o Brasil ficou fora de inúmeras discussões, perdeu "soft power" e deixou de participar de decisões-chave nos últimos anos.

A única maneira de conseguir dar os inúmeros saltos que precisamos é unir a sociedade ao redor dos desafios coletivos, e usar de forma eficiente e sustentável os abundantes ativos dos quais dispomos. Já passou da hora de trazer o Brasil do futuro para o presente de forma responsável e compatível com o seu papel de potência global.

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