Condenado e preso por participação destacada nos escândalos de corrupção do PT, o ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto trabalha na produção de um dossiê sobre a Lava Jato para municiar parlamentares petistas contra o ex-juiz Sérgio Moro (União Brasil) e o ex-procurador Deltan Dallagnol (Podemos), que assumem cargos no Congresso em 2023. Em fase final de produção, o dossiê, iniciado em novembro do ano passado, inclui trocas de mensagens entre procuradores e o ex-juiz obtidas ilegalmente por hackers, além de relatos de delatores e dados financeiros dos acordos firmados por réus com o Ministério Público. Parte do conteúdo, que foi alvo da Operação Spoofing da Polícia Federal, está sob sigilo da Justiça.
Na quarta-feira passada, Vaccari apresentou uma versão preliminar do dossiê ao deputado Rui Falcão, um dos coordenadores de comunicação da campanha de Lula. O Estadão teve acesso ao diálogo. Em cerca de 40 minutos, o ex-tesoureiro mostrou o conteúdo que havia amealhado com a ajuda de cinco advogados. “Na hora que o Deltan aparecer (no Congresso), vocês já caem de cacete em cima dele. Do Moro, a mesma coisa. Nós queremos também fazer chegar que eles esculhambam ministros do STF, esculhambam ministros do STJ. Ninguém fez esse tipo de trabalho”, disse Vaccari a Falcão nesse encontro.
O ex-tesoureiro não disse, nem Falcão perguntou, como o material foi obtido. Segundo Vaccari, a fonte do material são os arquivos obtidos por hackers que ficaram conhecidos por participar do que foi batizado de Vaza Jato pelo The Intercept, site que divulgou as conversas privadas de Moro com procuradores da Lava Jato e de grupos que eles mantinham no Telegram. Nem o ex-juiz nem Dallagnol, que chefiava a Lava Jato, reconheceram a autenticidade das conversas. Esse material surrupiado pelos hackers deveria estar sob sigilo, assim como a perícia feita para comprovar se as conversas são autênticas. Em 2021, o Estadão revelou que os peritos não conseguiram chegar a uma conclusão sobre a autenticidade.
A defesa de Lula teve acesso ao material na íntegra em janeiro de 2021, por uma decisão do ministro Ricardo Lewandowski. O ex-presidente tentava provar no STF que Moro o julgou de forma enviesada, o que acabou prevalecendo em decisão da Corte de junho do ano passado.
Na decisão, Lewandowski condicionou a autorização à obrigação de manter sigilo. Outros réus da operação também tiveram a permissão da Corte. Vaccari, por sua vez, tentou e não conseguiu acesso ao conteúdo. Agora, no entanto, o material estaria em seu poder, segundo contou a Rui Falcão.
Vaccari foi tesoureiro da campanha de Dilma Rousseff à Presidência em 2014 e também ocupou cargos importantes no PT, como o de secretário de finanças. Em 2015, foi condenado pela Lava Jato e ficou preso por dois anos e três meses. Ele não participa oficialmente da atual campanha de Lula, tanto que o encontro não ocorreu no comitê da candidatura do PT, mas em outro endereço de Falcão na capital paulista.
Além de tentar minar a reputação dos líderes da operação em que Lula foi condenado à prisão, o objetivo de Vaccari é emplacar a versão segundo a qual os atos de corrupção identificados na Petrobras pela força-tarefa foram praticados por executivos da estatal e de empresas privadas, livrando políticos petistas.
O ex-tesoureiro, assim como Rui Falcão, pretendem que Lula explore esse viés ao ser confrontado por Bolsonaro sobre corrupção. A tese de Vaccari se baseia em um personagem: Pedro Barusco, o executivo da Petrobras que devolveu sozinho R$ 157 milhões em 2015, ao admitir que participou de um esquema de corrupção na empresa. O ex-tesoureiro quer emplacar a versão de que Barusco enriqueceu recebendo propina em contratos superfaturados na Sete Brasil, que não chegaram a ele nem ao PT. A versão que prevaleceu nos julgamentos conduzidos por Sérgio Moro contam outra história: a de que todos os desvios tinham como finalidade bancar, além de vantagens aos executivos, campanhas e propinas a políticos do PT e de partidos aliados.
Vaccari foi acusado de receber recursos em nome do partido. Só a Sete Brasil, segundo a denúncia do Ministério Público, destinava 0,9% do valor de contratação de sondas pela Petrobras para o pagamento de propinas. Na conversa entre os dois petistas, o ex-tesoureiro prometeu a Falcão entregar a parlamentares do PT pen drives com todo o conteúdo que coletou: um dossiê composto por 100 mil chats, 15 mil documentos do Ministério Público e 500 mil arquivos sobre os quais ele ainda se debruça para identificar os mais relevantes.
São delações, colaborações, acordos de leniência. Tudo que, de uma forma ou de outra, tenha passado pela Lava Jato de Curitiba. Coisas que, segundo o ex-tesoureiro prometeu a Falcão, “você nunca ouviu falar”.
O dossiê é organizado em capítulos, como “Colaboração internacional”, “Moro e o governo Bolsonaro”, “Interferência nas eleições de 2016”, “Relações com Ministro Fachin” e “A vida luxuosa de Pedro Barusco”. Em pelo menos um deles, disse Vaccari a Rui Falcão, foram reunidas ofensas captadas nas conversas de Moro com os procuradores da Lava Jato direcionadas a membros do Judiciário, como ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Falcão afirmou que deseja utilizar as informações para enfraquecer Moro e Dallagnol no Congresso. “Isso aí, a gente tem que fazer uma coisa organizada, porque esses caras vão estar em Brasília. A gente tem que fazer guerra contra esses caras.”
Procurado, Falcão negou que tenha havido o encontro. Vaccari não respondeu. A reportagem tentou contato na noite de terça-feira, 25, com Moro e Deltan, mas eles não haviam respondido até a publicação desta matéria.
Para lembrar: João Vaccari foi preso na Lava Jato em 2015
- Partido
João Vaccari Neto foi tesoureiro da campanha de Dilma Rousseff à Presidência da República em 2014 e também ocupou cargos importantes no PT, como o de secretário de finanças. - Prisão
Em 2015, Vaccari foi condenado na Operação Lava Jato e ficou preso por dois anos e três meses. O ex-tesoureiro nunca aceitou fazer delação. - Silêncio
Ao contrário de outros alvos da força-tarefa, Vaccari ficou calado durante todos os seus depoimentos aos juízes da Lava Jato e é considerado um quadro fiel da legenda. - Campanha
Em agosto, o ex-tesoureiro compareceu ao ato político de Lula no Anhangabaú. Militantes destacaram sua “resistência” durante os processos que enfrentou em Curitiba.
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