No domingo do primeiro turno, uma parte bem-pensante do país acordou sonhando que poderia viver em uma espécie de Portugal e sua geringonça social-democrática. Foi dormir temendo que talvez more em um lugar propenso a se tornar uma Turquia autocrática, ao menos dado a votar de modo conservador e religioso.
As pesquisas mais ajustadas de voto no segundo turno e os resultados mais mastigados do primeiro turno delineiam melhor esse quadro descrito aqui com a pena da galhofa: não somos Portugal ou Turquia. Mas deve ter dado para entender a metáfora.
Quem ainda não entendeu, ouça Hamilton Mourão (Republicanos), vice de Bolsonaro. Recém-eleito senador pelo Rio Grande do Sul, defendeu a mudança da composição do Supremo. Jair Bolsonaro (PL) foi na mesma linha. Já reiterou também que quer um STF "cristão". "Vai vendo", como diz o povo.
Bolsonaro estava agradando mais do que se imaginava. A nota do seu governo está no nível mais alto da série de pesquisas do Datafolha: 37% de "ótimo/bom". Era a aprovação que tinha na vigência do auxílio emergencial, no segundo semestre de 2020.
O saldo da avaliação ainda é negativo, pois o governo tem 40% de "ruim/péssimo". Mas, no trimestre final de 2021, baixara a 53% de "ruim/péssimo". A miséria explodiu no 2021 sem auxílio e sem emprego, no pior do morticínio da epidemia, essa esquecida.
Com o aumento rápido do número de empregos, no começo deste ano, Bolsonaro se recuperou, bem mais do que se supunha. Mas a economia da vida cotidiana, emprego e inflação, não parece explicar muito desta eleição. Por falar em outros assuntos, registre-se que, neste segundo turno, Bolsonaro bate Lula por 66% a 34% entre os evangélicos.
Entre aqueles que declaram ter renda familiar mensal acima de 2 salários mínimos, Bolsonaro vence a eleição. Essas pessoas são "ricas" apenas na estatística fria de estratificação por renda. Muitas delas querem plano de saúde, não o SUS. Desconfiam do Estado. Querem empreender. De resto, boa parte do povo parece não ter se importado com as reformas da Previdência ou a trabalhista, cavalos de batalhas perdidas da esquerda. Pelo menos, quase metade vota em quem as defendeu.
Lula da Silva (PT) vai até agora barrando um resultado ainda melhor de Bolsonaro, mas outros números mostram o relativo fracasso da oposição.
Esquerda e assemelhados costumam ter algo entre um quarto ou pouco mais dos votos para deputado federal. Em 2018, tiveram 29,1%. Em 2022, baixaram para 26,2%, em particular por causa de PSB e PDT. O PT cresceu, mas de 10,3% para 11,3%. Com Lula puxando voto, com as atrocidades de Bolsonaro, com pobreza enorme, com tudo, cresceu apenas isso.
Claro, faz tempo que a política local é dominada por sublegendas do centrão. A esquerda ou coisa que o valha jamais conseguiu falar com esse Brasil profundo —e nem mesmo o PSDB de tempos melhores o fez. Lula falava, ainda fala. FHC e seu Plano Real conversaram com essas pessoas. Seus partidos, muitíssimo menos.
A diferença desta eleição é que as sublegendas do centrão se tornaram protagonistas, são mais direitistas e tiveram ainda mais eleitores. O blocão PL, União Brasil, PP e Republicanos teve 41,4% dos votos para a Câmara, aumento de quase 29% ante 2018.
Como disse Arthur Lira (PP-AL), príncipe do centrão e um dos regentes bolsonarianos, o Congresso eleito "foi feito para a permanência, a manutenção do governo Bolsonaro para os próximos quatro anos".
Uma vitória de Lula bagunça esse cenário, óbvio. Mas o petista e a esquerda jogariam o restante do campeonato na retranca. Precisam de um novo esquema tático e estratégico.
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