sábado, 22 de outubro de 2022

ANDRÉA OLIVEIRA GOZETTO O projeto de lei que regulamenta o lobby é adequado? NÃO, fsp

 Andréa Oliveira Gozetto

Coordenadora do Grupo de Trabalho “Transparência e Integridade” da Rede Advocacy Colaborativo (RAC), tem pós-doutorado em administração pública e governo (FGV/Eaesp)

Temos visto recentemente um forte movimento do governo federal e do Congresso Nacional no sentido de alinhar seus interesses para garantir a aprovação do PL (projeto de lei) 4.391/2021, que regulamenta a atividade de lobby no país.

Trata-se de um assunto bastante controverso —a defesa de interesses de um grupo junto a membros do poder público está associada predominantemente a crimes como corrupção, tráfico de influência e licitações direcionadas—, mas a questão é legítima e extremamente relevante, e sua discussão, muito bem-vinda.

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Corredor que dá acesso ao anexo da Câmara dos Deputados - Raul Spinassé - 19.mar.21/Folhapress

Há aqui, sem dúvida, uma janela de oportunidades jamais vista desde que a regulamentação do lobby foi aventada pelo senador Marco Maciel, em 1989, mas não da forma como este PL vem sendo construído.
Isso porque, enquanto instrumento legítimo de representação de interesses, o lobby é fundamental para aumentar a qualidade das decisões governamentais, contribuindo, de um lado, para que os agentes públicos tenham acesso a informações completas, abrangentes e atualizadas; e, de outro, para garantir que as complexas questões da agenda decisória sejam ouvidas e levadas em consideração por esses mesmos agentes.

O Executivo vem pressionando para a aprovação da pauta. No entanto, não está havendo debate em torno do tema e, com isso, corre-se o risco de que a regulamentação do lobby passe sem que o texto esteja "maduro" o suficiente para virar lei. Ou seja: estamos diante de um PL pensado para gerar mais transparência e accountability para o processo decisório, mas sua discussão não está sendo feita de modo transparente.

Dado o grande interesse do Brasil em compor a OCDE, o assunto assume ainda maior relevância. E exatamente por isso deveria estar sendo estudado sob diversos prismas. Mas o texto apresentado pelo Executivo é pouco robusto, não atende aos requisitos de uma lei compreensiva, assim como deixa de considerar uma série de recomendações da OCDE.

Para que alcancemos um bom nível de maturidade no debate acerca da regulamentação do lobby, é necessário considerar que este é um dos canais de participação no processo decisório das políticas públicas. Com esse canal, a sociedade civil e as empresas vocalizam suas demandas e defendem seus interesses e causas, levando aos tomadores de decisão informações qualificadas sobre temas em deliberação e que, nem sempre, eles possuem. Além disso, os grupos de interesse, devido à sua expertise, apontam questões que podem auxiliar os tomadores de decisão a aprimorar a proposição ou política pública em deliberação.

Historicamente, as iniciativas de regulamentação do lobby se desenvolveram em torno de duas grandes questões. A primeira diz respeito à preocupação com a desigualdade de forças entre grupos de interesses poderosos e setores da sociedade menos organizados e com menos recursos. Já a segunda refere-se à percepção de que há condutas antiéticas e corruptas dos lobistas e dos agentes públicos.

Ao conceber a regulamentação do lobby como instrumento apenas de combate à corrupção, perde-se a oportunidade de resolver problemas que levariam a democracia brasileira a um patamar mais elevado, tais como a busca pela isonomia no acesso dos grupos de interesse aos tomadores de decisão. Isso sem falar no fomento à transparência, assegurado quando a sociedade tem conhecimento dos interesses que estão em jogo e de quais recursos foram utilizados para tentar influenciar as decisões políticas.


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