O favorável ciclo de 40 anos de queda de taxas de juros em dólares foi enterrado de vez. Desde 1982, a taxa de juros anuais em dólares (prazo de dez anos) caiu continuamente de 15% até estabilizar em torno de 2% a partir de 2011, propiciando um duradouro período de prosperidade. No entanto, recentemente o Fed vem elevando a taxa básica para conter a alta inflação. Consequentemente, a taxa de juros de mercado dobrou para 4% ao ano, e pode subir mais. A festa acabou.
Os investidores oscilam entre a torcida de que a inflação já tenha atingido o pico —o "pior já passou"— e o receio de que o Fed esteja empurrando a economia para uma recessão. Estão mal-acostumados a ganhar dinheiro fácil em ativos de risco com a liquidez farta e demandam uma "pivotada", ou seja, que o Fed gire 180º e pare de apertar os juros.
O Fed pivotará? Não parece provável, exceto em um cenário de grande instabilidade no sistema financeiro internacional.
Ainda que tardiamente, o Fed está determinado a combater a inflação e afirma que não alterará o curso mesmo no caso de uma eventual recessão. Quando o Fed aperta os freios, alguém se arrebenta ao atravessar o para-brisas.
Não chegamos a esse ponto, mas preocupantemente já surgiram pequenas rachaduras no sistema financeiro e na economia real: as moedas em desvalorização (o iene japonês está no nível mais baixo desde a explosão da bolha, em 1989); a crise dos fundos de pensão do Reino Unido; o baixo crescimento da China (talvez cresça menos que o Brasil neste ano); o choque de energia, especialmente na Europa; e, adicionalmente, as tensões geopolíticas e a Guerra da Ucrânia.
Em dupla manobra, enquanto pisa mais forte no breque dos juros, o Fed vai remover o airbag protetor. Anunciou que desinflará a liquidez criada desde 2008 (superior a duas vezes o PIB brasileiro). Enquanto muitos estão focados na escalada dos juros, poucos compreendem os efeitos deste "quantitative tightening" ("QT"), que começa para valer a partir de agora.
Desde 2008, o colchão de liquidez concedido aos bancos foi mais impactante que a taxa básica de juros, pois gerou as condições financeiras que estabilizaram os mercados, e colateralmente impulsionaram os preços das ações e outros ativos de risco. Por isso sua reversão preocupa. Os ativos de risco podem sofrer mais.
O QT pode ser a palha a quebrar as costas do camelo, como diz o provérbio árabe, a gota d’água que transborda o balde, como nós, brasileiros, preferimos dizer, ou mesmo o ponto da virada, como diz Malcolm Gladwell.
Note que, ao passo que a alta da taxa básica pode ser interrompida em 2023, a programação é que o enxugamento continue pelos próximos dois anos.
Estamos assistindo ao trailer do filme do camelo paralítico, estrelando o Reino Unido. O novo governo anunciou um orçamento com déficit e chocou os mercados. Os juros dos títulos públicos subiram. Os fundos de pensão de benefício definido, espremidos pelos crescentes pagamentos a aposentados, vinham fazendo apostas com derivativos com títulos públicos. Sua carteira de títulos públicos desvalorizou; foram forçados a vender títulos para fazer caixa. Em um loop diabólico, os juros subiram ainda mais...
Com o QT, o Fed e demais bancos centrais deixarão de comprar títulos públicos. O mercado terá que financiar os governos com recursos que teriam ido para investimentos. Os juros tenderão a subir mais e a acender a luz amarela da sustentabilidade do endividamento público. Os governos de países ricos podem acabar parecidos com os de emergentes: de pires na mão.
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