quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Doria anuncia desfiliação do PSDB, FSP

 Daniela Arcanjo

SÃO PAULO

O ex-governador de São Paulo João Doria anunciou nesta quarta (19) a desfiliação do PSDB após 22 anos.

"Encerro minha trajetória partidária de cabeça erguida. Orgulhoso pela contribuição que pude dar a São Paulo e ao Brasil, graças à generosidade e à confiança de todos aqueles que optaram pelo meu nome em três prévias e duas eleições", escreveu o empresário em nota.

João Doria, ao anunciar a renúncia do cargo de governador de São Paulo para disputar a Presidência da República, no Palácio dos Bandeirantes
João Doria, ao anunciar a renúncia do cargo de governador de São Paulo para disputar a Presidência da República, no Palácio dos Bandeirantes - Bruno Santos - 31.mar.22/Folhapress

A saída ocorre após uma tentativa frustrada de concorrer à Presidência pelo partido neste ano. Em 2021, Doria venceu Eduardo Leite (PSDB), hoje candidato ao Governo do Rio Grande do Sul, em prévias tumultuadas.

A candidatura não emplacou: em março, o ex-tucano tinha 2% das intenções de voto em pesquisa do Datafolha. Pressões da cúpula da legenda provocaram seu anúncio de desistência da corrida pelo Palácio do Planalto, em maio.

Assim, pela primeira vez em sua história, o PSDB não foi cabeça de chapa em um pleito presidencial —lançou a senadora Mara Gabrilli (PSDB) como candidata a vice de Simone Tebet (MDB).

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Desde que sua candidatura naufragou, Doria voltou a se dedicar a negócios privados e criou uma consultoria. Ele tem afirmado que virou a página e não guarda mágoas após ter sua candidatura presidencial enterrada.

Doria declarou que votará nulo no segundo turno, em que Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) concorrem à Presidência.

Ao anunciar a saída do PSDB, Doria mandou recados a Bolsonaro. "Enquanto alguns atores da política se omitiam durante a mais grave pandemia dos últimos cem anos, lutei desde o início para que nosso povo tivesse acesso a uma vacina contra a Covid-19. [...] Jamais cedi ao negacionismo ou a falsidades que contrariam a ciência."

O atual governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), que teve a candidatura à reeleição patrocinada por Doria e terminou em terceiro lugar, já declarou apoio a Bolsonaro. Em entrevista à Folha no último dia 4, Doria disse discordar, mas evitou criticar a adesão ao bolsonarismo.

Questionado na ocasião sobre deixar o PSDB, Doria afirmou que não pensou nisso. Rodrigo, por sua vez, também está cada vez mais isolado na sigla, e aliados afirmam que ele deve se filiar à União Brasil.

Em sua nota, Doria afirma que "a omissão, a letargia e o imobilismo" não fazem parte de sua vida. "Não cedi a pressões e me mantive firme na defesa dos valores sociais e democráticos", diz.

Doria, que é apontado como responsável pela debacle do PSDB na eleição deste ano, afirmou à Folha que não faz sentido atribuir essa culpa a ele. "Eu sustentei o PSDB como governador do Estado de São Paulo. [...] Alguém que foi vitorioso e que fez um bom governo vai ser culpado pelas falhas, omissões e equívocos do PSDB?", devolveu.

Eleito no primeiro turno à Prefeitura de São Paulo contra Fernando Haddad (PT) em 2016, Doria passou 15 meses no cargo e renunciou mil dias antes do final do mandato para disputar as eleições ao governo do estado. Na época, o agora ex-tucano era a aposta de Geraldo Alckmin (PSB), que também deixou o PSDB e hoje é cabo eleitoral de Haddad para o governo paulista e candidato a vice na chapa de Lula.

O empresário começou a corrida à prefeitura como um desconhecido de grande parte da população e venceu após se apresentar como um gestor e surfar no antipetismo e na rejeição à política tradicional.

Ao longo de 2017, quando já estava à frente da Prefeitura, Doria percorreu o país para se tornar mais conhecido e se lançar à Presidência no ano seguinte, rivalizando com Alckmin, seu padrinho político.

Em setembro do mesmo ano, Alckmin tornou público o rompimento com o empresário durante uma entrevista. "Uma vez meu pai me falou: 'Lembre-se de santo Antônio do Pádua. Quando não puder falar bem, não diga nada'", disse sobre o correligionário. O atual vice de Lula acabou sendo o candidato à Presidência do PSDB no ano seguinte.

Doria, por sua vez, conseguiu uma nova vitória em 2018, ao derrotar Márcio França (PSB) e se eleger em segundo turno para o Governo de São Paulo. Naquela eleição, emplacou a dobradinha BolsoDoria, que apoiava Bolsonaro na disputa presidencial. A união durou pouco e os políticos romperam no primeiro ano de mandato.

A pandemia de Covid-19 foi o principal assunto que opôs Doria e Bolsonaro. A rejeição do então tucano perante os eleitores do presidente era uma das razões apontadas para que sua candidatura presidencial não pontuasse nas pesquisas.

Como governador de São Paulo e com planos de disputar a Presidência, Doria buscou controlar o PSDB, mas acabou agravando divisões internas —algo que consolidou entre os tucanos a visão de que o empresário não tinha traquejo político e abusava do marketing.

Além de Alckmin, Doria comprou brigas com Aécio Neves (PSDB-MG) e Leite. Também gerou um desgaste com o presidente da sigla, Bruno Araújo, em um jantar que escancarou o desconforto com Doria no partido.

Depois de vencer as prévias sob acusações veladas de adversários, já que os tucanos paulistas chegaram a tentar filiar prefeitos fora do prazo para garantir votos, Doria patrocinou a filiação de seu vice, Rodrigo, no PSDB.

Atual governador, Rodrigo colocou fim a quase 30 anos de governos do PSDB em São Paulo ao terminar o primeiro turno em terceiro lugar.

O resultado do primeiro turno das eleições deste ano foi o pior da história do partido, que saiu quase um nanico.

A sigla não elegeu nenhum governador em primeiro turno, perdeu nas urnas o controle histórico que mantinha sobre São Paulo, também não emplacou nenhum senador e viu sua já pequena bancada de 22 deputados federais ser reduzida a 13.

"Com minha missão cumprida, deixo meu agradecimento e o firme desejo de que o PSDB tenha um olhar atento ao seu grandioso passado em busca de inspiração para o futuro", escreveu Doria na nota desta quarta.

Leia a declaração na íntegra.


Após 22 anos da filiação ao PSDB e seis anos de uma dedicada e intensa trajetória como prefeito de São Paulo e governador do Estado, comunico que formalizei junto ao diretório estadual do PSDB o meu desligamento do partido. Inspirado pelas ideias e virtudes de nomes como Franco Montoro, José Serra, Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso, busquei cumprir uma missão política e partidária pautada na excelência da gestão pública, num Estado menor e em favor de uma sociedade mais justa e menos desigual.

A omissão, a letargia e o imobilismo jamais fizeram parte da minha vida. Não cruzei os braços ao encarar problemas que afligem São Paulo e o Brasil. A exemplo de minha conduta como empresário, preferi encarar os desafios da vida pública com determinação, foco e resiliência.

Enquanto alguns atores da política se omitiam durante a mais grave pandemia dos últimos cem anos, lutei desde o início para que nosso povo tivesse acesso a uma vacina contra a Covid-19. Atuei, acima de tudo, pela defesa da vida e da saúde dos brasileiros. Jamais cedi ao negacionismo ou a falsidades que contrariam a ciência. Tenho muito orgulho do sucesso liderado por São Paulo que ajudou a salvar 124 milhões de vidas no Brasil, que tomaram a vacina do Butantã.

Comandei gestões transformadoras e ousadas que deixaram conquistas, que agora, pertencem ao povo de São Paulo. Entregamos o Novo Museu do Ipiranga, despoluímos o Rio Pinheiros, multiplicamos por dez as vagas em escolas de tempo integral, promovemos o crescimento econômico de São Paulo cinco vezes mais do que o Brasil, geramos mais de 2 milhões de novos empregos, modernizamos mais de 11 mil quilômetros de rodovias e ampliamos, substancialmente, o acesso a programas como Poupatempo e Bom Prato. Unimos, de forma inédita, o poder público e iniciativa privada em um Comitê Solidário que arrecadou mais de R$ 2 bilhões para combater a fome e a carestia. E criamos o Bolsa do Povo, o maior programa de assistência social e transferência de renda da história de São Paulo. Meu agradecimento ao Rodrigo Garcia e à brilhante equipe que tivemos no governo de S. Paulo.

Reconhecido até por nossos adversários, o ótimo trabalho do PSDB na Prefeitura de São Paulo e no Governo do Estado permitiu a reeleição, em 2020, de meu querido e saudoso amigo Bruno Covas, para um novo mandato à frente da mais importante metrópole da América do Sul. Infelizmente, Bruno nos deixou cedo demais.

Não cedi a pressões e me mantive firme na defesa dos valores sociais e democráticos que aprendi com meu pai, um político cassado e exilado pela ditadura militar em 1964. Venci todas as eleições das quais participei. Por três vezes fui eleito em prévias partidárias pelo voto soberano da maioria dos filiados do PSDB. Fui eleito no primeiro turno para Prefeito da capital paulista, em 2016. E em 2018 venci a eleição para o governo de São Paulo. Sou e sempre serei um homem que se pauta pelo equilíbrio, diálogo, consenso e gratidão.

Encerro minha trajetória partidária de cabeça erguida. Orgulhoso pela contribuição que pude dar a São Paulo e ao Brasil, graças à generosidade e à confiança de todos aqueles que optaram pelo meu nome em três prévias e duas eleições. Com minha missão cumprida, deixo meu agradecimento e o firme desejo de que o PSDB tenha um olhar atento ao seu grandioso passado em busca de inspiração para o futuro. E sempre em defesa da democracia, da liberdade do progresso social.

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