Em um artigo publicado em 2014, um grupo de economistas, entre eles Raj Chatty, professor da Universidade Harvard, mostrou que as possibilidades de mobilidade social variam muito entre diferentes regiões geográficas nos Estados Unidos. Isto é, há locais em que os filhos de pais pobres ascendem socialmente, enquanto noutros isso não acontece.
Em um outro trabalho, publicado dois anos depois, Chatty e seus colaboradores mostraram que as famílias que se mudam para regiões onde há maior mobilidade social —e que o fazem quando os filhos têm ainda menos de 13 anos— vêm seus filhos se beneficiar do novo ambiente.
Essas crianças, quando adultas, terão em média renda maior do que a de outros adultos nascidos em áreas de baixa mobilidade social cujos pais, no entanto, nunca saíram de lá.
No trabalho original, de 2014, os autores mostravam ainda que há um grupo de características tipicamente associadas às regiões em que a probabilidade de ascensão social dos filhos de pais pobres é maior.
Essas áreas de maior oportunidade e de maior mobilidade têm uma "cara". São comunidades menos segregadas, com menor desigualdade, onde as escolas são melhores. Nelas há uma quantidade menor de famílias monoparentais, menores índices de maternidade entre adolescentes e maiores índices de capital social —algo que pode ser medido, por exemplo, por meio da participação em trabalhos sociais ou em igrejas.
A princípio não é possível determinar uma relação de causalidade específica entre essas características e a maior mobilidade. Parecia ser um pacote em que todas as variáveis se correlacionavam.
Ocorre que a busca por essa espécie de "fórmula do sucesso" das regiões de maior oportunidade para as crianças pobres acaba de ganhar um novo capítulo. No fascículo de agosto da prestigiosa revista científica Nature, Chetty e um grande número de colaboradores (mais de 20) publicaram um novo artigo sobre o tema, intitulado "Capital social 1: medida e associação com mobilidade econômica". E dessa vez encontraram uma variável fortemente correlacionada às diferenças de probabilidade de ascensão social dos filhos das famílias pobres nas diversas regiões. Quando levavam em consideração essa variável, todas as demais descritas no parágrafo anterior deixavam de ser relevantes.
Qual o segredo? As regiões dos EUA em que os filhos de pobres ascendem socialmente são aquelas em que as crianças pobres convivem com crianças pobres, mas também com crianças ricas. Há, na linguagem dos autores, conexão entre as classes de renda.
Não é possível saber por qual mecanismo exatamente a convivência entre classes socais eleva a chance de mobilidade dos filhos das famílias mais pobres. Deve haver inúmeros mecanismos. Segundo os autores, esse é um tema para trabalhos futuros.
Um possível mecanismo pode estar nas oportunidades que boas conexões conseguem gerar. Em um trabalho publicado em 2021 na American Economic Review, documentou-se que famílias ricas do Sul dos Estados Unidos que haviam perdido muita riqueza durante a Guerra Civil e logo depois, com o fim do escravismo, isto é, entre 1860 e 1870, em 1940 já haviam recuperado integralmente sua posição social. E o mecanismo desse processo provavelmente estava nas conexões sociais, fosse por casamento, fosse pelo acesso a melhores oportunidades.
Como intuitivamente bem definiu o ministro da Saúde Adib Jatene nesta Folha, em dezembro de 2007, "o grande problema do pobre não é ele ser pobre, é que o amigo dele também é pobre! Ele não tem amigo que fale com quem decide, que marque uma audiência, que o ajude a elaborar um projeto, que negocie financiamento".
Os achados recentes da academia indicam acerto na intuição do ministro. Há uma dimensão supraindividual na determinação da pobreza. Essa é a verdade da esquerda.
Observação: esta coluna faz par com a de 19 de junho do ano passado intitulada "Langoni, a verdade da direita".
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