Num dos dias mais tensos da história recente do Brasil, a uma semana das eleições, um aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL), o ex-deputado Roberto Jefferson, reagiu a um mandado de prisão da Polícia Federal com 50 tiros de fuzil e três granadas, ferindo dois agentes.
Em condições normais, não deveria haver dúvidas sobre como trazer este acontecimento para o noticiário da televisão. Mas, nestes tempos extraordinários que estamos vivendo, o jornalismo tem sido sufocado ou, literalmente, nocauteado.
A CNN Brasil, por exemplo, dedicou dois minutos ao atentado dentro de um programa ao vivo que ficou no ar por 135 minutos na tarde de domingo (23). Uma das apresentadoras chegou a mencionar que a cobertura ia continuar, mas foi orientada pelo ponto eletrônico a mudar de assunto.
No dia seguinte, num debate no mesmo canal, um comentarista justificou o gesto de Jefferson sob o argumento de que o político de extrema direita não é um Mahatma Gandhi.
"Não sei como eu reagiria. Você toparia numa boa ficar na sua prisão domiciliar com a tornozeleira se você não tivesse cometido nenhum crime? Na lei brasileira não existe nenhum crime que justifique ele estar nesta situação. E você acha que ele devia ficar calmamente? Talvez até um cara, que tivesse um espírito Mahatma, que tivesse uma grande alma como Gandhi, fizesse uma resistência pacífica", disse Fernão Lara Mesquita.
Na terça-feira, a CNN convidou um político da situação e outro da oposição para debater o seguinte tema: "Qual o impacto de decisões do TSE nas eleições?". Era uma pergunta evidentemente destinada a produzir comentários críticos à atuação do ministro Alexandre de Moraes. Entendo que a questão de fundo era outra, "qual o impacto das fake news nas eleições?", mas ela escapou a quem formulou a pergunta do debate.
A CNN Brasil é integrada por uma equipe de excelentes profissionais, que respeito demais. Mas decisões editoriais extemporâneas, como as citadas acima, deixam o espectador com a suspeita de que o canal está adotando um ponto de vista complacente com o governo num momento crítico da história.
O ataque extremista de domingo trouxe à tona outros temas delicados. Apoiadores de Bolsonaro rumaram em direção à casa de Jefferson para acompanhar o caso. Um deles socou um cinegrafista da Inter TV, afiliada da Rede Globo, levando-o ao chão e, em seguida, ao hospital. Como tantos outros ataques semelhantes que ocorreram nos últimos quatro anos, o soco visava impedir o trabalho de um veículo de imprensa considerado crítico ao governo.
Segundo a Federação Nacional dos Jornalistas, em 2021 ocorreram 430 episódios de violência contra profissionais da mídia. É um recorde histórico. O relatório da Fenaj classifica Bolsonaro como o "principal agressor" de jornalistas e veículos de comunicação, sendo responsabilizado por 147 casos —129 episódios de descredibilização da imprensa e 18 de ataques verbais aos profissionais.
Ao determinar a prisão de Jefferson neste domingo, Alexandre de Moraes voltou a proibir que o ex-deputado concedesse entrevistas. Para os ultraliberais, essa medida deve ter sido vista como censura. É mesmo censura impedir que um extremista defenda publicamente a resistência armada à prisão?
Temos visto que o conceito de democracia e mesmo o de liberdade de imprensa são compreendidos de formas diferentes, dependendo de fatores como formação familiar, classe social e mesmo categoria profissional. De um modo geral, donos de empresas de comunicação pensam diferente de jornalistas.
Sou de uma geração que começou a trabalhar na metade da década de 1980, na transição para a democracia. Não vivenciei nada parecido com o que está acontecendo nestes últimos anos. A profissão de jornalista nunca esteve tão ameaçada. É uma tristeza.
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