O Supremo Tribunal Federal brasileiro e a Suprema Corte norte-americana ocupam uma posição proeminente em seus respectivos sistemas políticos. Não há questão relevante de natureza política, econômica e, sobretudo, moral que não termine sendo submetida à apreciação dessas cortes. Isso não significa que esses tribunais empreguem seus poderes "supremocráticos" da mesma maneira. Por "fortuna", como diria Maquiavel, nosso Supremo tem se colocado, na presente conjuntura, ao lado da democracia; já a corte de Washington confirmou-se, nesta semana, como vanguarda do atraso.
Enquanto nosso boquirroto Supremo Tribunal Federal vem se empenhando na defesa da integridade do processo eleitoral, do meio ambiente, dos direitos indígenas, do controle das armas e da violência, entre outros valores constitucionais cotidianamente atacados por um presidente hostil à Constituição de 1988, a circunspecta Suprema Corte assumiu, após a derrota eleitoral e a frustrada tentativa de golpe promovida por Trump, a liderança do movimento conservador, promovendo, sem intermediários, o maior processo de regressão constitucional na história constitucional norte-americana.
Em sua recente safra de decisões, a Suprema Corte restringiu o direito ao aborto, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, limitou o poder dos Estados de regular o acesso a armas de fogo e constrangeu severamente a capacidade do governo federal de promover a redução dos gases de efeito estufa, com impacto sobre o clima de todo o planeta. Fica claro, pelo andar da carruagem, que temas como a ação afirmativa e a igualdade do voto também podem entrar na sua alça de mira.
O protagonismo político das supremas cortes no Brasil e nos Estados Unidos, embora apresentem sinais opostos nessa quadra da história, decorre, sobretudo, de uma profunda disfuncionalidade dos nossos sistemas políticos.
Quando os mecanismos de representação política se tornam incapazes de promover consensos básicos; quando governantes deixam de cumprir promessas elementares, ou; quando atores políticos e institucionais se demonstram descompromissados com procedimentos e práticas constitucionais, é natural que o sistema de Justiça se veja sobrecarregado com questões políticas. Esse deslocamento da política para o Judiciário provoca, inevitavelmente, um forte desgaste na autoridade dos tribunais e, consequentemente, da própria lei.
A forte polarização política no Brasil e nos Estados Unidos, potencializada pelas redes sociais e levada a extremos por populistas como Trump e Bolsonaro, reduziram ainda mais a capacidade do sistema político de encontrar alternativas racionais e consensuais para o enfrentamento de desafios complexos dos cidadãos. Ao invés de operar para construir convergências, populistas maximizam seu poder pela exploração dos conflitos e divergências.
Essa mesma polarização impacta ainda a composição dos tribunais, inviabilizando a manutenção de uma postura imparcial. Presidentes e senadores —lá e cá— passaram a empregar de maneira cada vez mais estratégica suas prerrogativas para a nomeação de magistrados encarregados de defender seus interesses e cosmovisões, em detrimento da defesa da lei e da Constituição.
Enquanto não formos capazes de reformar nosso sistema político, para que ele se torne capaz de coordenar conflitos e implementar soluções para problemas da comunidade, estaremos fadados a conviver com a judicialização da política. O que a experiência norte-americana nos ensina é que a "fortuna" nem sempre estará ao lado da Constituição e da democracia.
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