sexta-feira, 15 de julho de 2022

Violência na política atual no Brasil lembra jacobinos de Floriano Peixoto, FSP

 

SÃO PAULO

É tão forte o ódio por motivações ideológicas que insultos nas ruas se tornam corriqueiros. A tensão política, porém, não se limita às ofensas verbais. Acontecem atos de vandalismo contra espaços ligados aos inimigos e até um assassinato —depois de gritos "mata! mata!", um grupo identificado com as doutrinas militares dá fim a um opositor.

Não se trata do Brasil de julho de 2022, mês da morte de um guarda municipal petista, assassinado a tiros em Foz do Iguaçu (PR) por um policial penal bolsonarista. Mês ainda do lançamento de uma bomba caseira em ato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Rio de Janeiro.

O clima de terror do parágrafo inicial esboça os conflitos nas ruas cariocas em 1897. A desordem institucional associada à violência era fruto, sobretudo, dos rompantes dos jacobinos, um grupo radical de admiradores de Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro, ex-presidente que tinha morrido dois anos antes.

Floriano Peixoto, que era vice e assumiu a Presidência da República em razão da renúncia de Deodoro da Fonseca; ele governou no período de 1891 a 1894 - Reprodução

É a historiadora Cláudia Viscardi, professora titular da Universidade Federal de Juiz de Fora e especialista no período conhecido como Primeira República, quem chama a atenção para as semelhanças entre o comportamento de parte dos bolsonaristas hoje e as ações dos jacobinos de 125 anos atrás.

O Brasil, claro, era muito diferente do país de 2022, a começar pelos dados demográficos.

Os pouco mais de 14 milhões de habitantes da época não chegam a 7% da população atual. Mas há fatores parecidos, como a violência inspirada em líderes autoritários e estimulada pela invenção ou sobrevalorização de um inimigo, e a forte questão militar, que prejudica a estabilidade política.

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Para entender as origens do movimento jacobino, ao menos em linhas gerais, é preciso voltar alguns anos.

Em setembro de 1893, quando Floriano estava no poder, começou a segunda Revolta da Armada, um levante organizado pelos marinheiros que buscavam mais espaço no novo sistema republicano. A Marinha era conhecida como Armada, daí o nome pelo qual a insurreição ficou conhecida.

Além do apoio do Exército para reprimir os marinheiros, o Marechal de Ferro teve a colaboração entusiasmada de jovens que se alistaram voluntariamente nos chamados "batalhões patrióticos".

Passaram naquele momento a ser chamados de jacobinos, uma referência aos integrantes do grupo político mais radical da Revolução Francesa.

Aqui vale fazer uma distinção: os jacobinos eram florianistas, mas nem todos os florianistas eram jacobinos. Esses últimos se caracterizavam pelas agitações nas ruas, não raro marcadas pela agressividade.

A atuação dos "jovens patriotas", como também eram chamados, ganhou mais evidência a partir de novembro de 1894, com a ascensão de Prudente de Moraes, o primeiro civil a chegar à Presidência da República —foi antecedido por Deodoro da Fonseca (1889 a 1891) e Floriano (1891 a 1894).

A fim de preservar o legado de Floriano a todo custo, os jacobinos definiram dois alvos principais. Um era Prudente e seus apoiadores —no início do mandato, o presidente buscou a conciliação com esses setores mais radicais, mas as divergências prevaleceram.

O outro alvo eram os restauradores, que defendiam a monarquia, algo inadmissível para republicanos tão ardorosos.

"O movimento restaurador teve importância em alguns aspectos, mas era frágil como força política. Essa ameaça de retorno da monarquia era muito mais um álibi que os jacobinos usavam, como o comunismo é usado hoje. É preciso produzir um inimigo", afirma Viscardi.

Segundo Amanda Muzzi Gomes, doutora em História Social da Cultura pela PUC-RJ, "o ‘monstro’ da restauração era retratado em dimensões exageradas pelos jacobinos".

Só a violência, acreditava boa parte deles, seria capaz de deter esse "monstro".

Em março de 1897, jacobinos destruíram Redações e oficinas de tipografia da imprensa monarquista no Rio e em São Paulo. Naquele período, os jornais eram, em sua maioria, partidarizados e contribuíam para o aumento da ebulição política, como as redes sociais fazem hoje.

Entre os cariocas, o "terror jacobino", como dizia o jurista e diplomata Joaquim Nabuco, atingiu um patamar trágico. Um grupo de radicais matou Gentil de Castro, dono de jornais favoráveis ao movimento restaurador, em uma estação de trem no Rio.

Além da "produção de um inimigo", estratégia para manter um grupo coeso e pronto para o ataque, Cláudia Viscardi indica outro aspecto que aproxima os dois períodos. "Há instabilidade toda vez que os militares entram na política, e o resultado é sempre a violência porque eles têm o monopólio das armas", diz.

Outro ponto de ligação é o fascínio exacerbado pelo líder de trajetória militar.

Existe uma passagem curiosa no texto "O Jacobinismo na Historiografia Republicana", que integra "História Política da República", livro lançado em 1990.

A pesquisadora Suely Robles Reis de Queiroz se refere ao "culto ao herói concretizado na glorificação de Floriano, cuja figura foi por eles [pensamento jacobino] elevada à condição de mito".

Embora se encontrem no estilo autoritário, há diferenças significativas entre os dois presidentes, segundo Viscardi.

"O Floriano era mais nacionalista do que o Bolsonaro. Além disso, ele não era falastrão, era mais contido", afirma. O escritor Euclides da Cunha descreveu Floriano como "esquivo, indiferente e impassível".

Com referências frequentes ao Marechal de Ferro, o ativista jacobino Deocleciano Martyr sabia como envolver jovens em teorias conspiratórias. Um deles, como lembra Muzzi Gomes, foi Marcelino Bispo, um militar de apenas 22 anos, nascido em Alagoas, como Floriano.

Em novembro de 1897, sob a orientação de Martyr e de outros líderes jacobinos, o rapaz foi adiante no plano de matar Prudente de Moraes. Tentou atirar no presidente, mas sua garrucha estava sem munição.

No meio da confusão que se formou em seguida, Bispo deu quatro facadas no ministro da Guerra, Carlos Machado Bittencourt, que morreu minutos depois.

Foi o ápice do extremismo do movimento e também seu epílogo. Líderes radicais, como Martyr, foram presos; Bispo também foi detido e, alguns meses depois, encontrado morto; e Prudente, em contrapartida, recebeu apoio expressivo da população.

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