McDonald’s. Esse é o último desejo da maioria dos pacientes do núcleo de cuidados paliativos do hospital da Unicamp, relataram profissionais de saúde à Folha, em reportagem publicada no dia 23.
Pessoas com doenças em estágio avançado, quando já não há mais esperança de cura ou tratamento, buscam conforto no Big Mac, nos nuggets de frango, nas batatas fritas em gordura vegetal hidrogenada. Essa é a comida que lhes traz boas memórias e paz de espírito.
A escolha da fast food como refeição no leito de morte é sintoma de uma tragédia gigantesca, de dimensão planetária.
Não se trata de censurar os servidores do hospital, muito menos os desejos dos pacientes. Eu voltaria a fumar, sem titubeio, um maço de Marlboro vermelho por dia se soubesse que vou morrer logo.
A tragédia está na constatação de que a indústria alimentar sequestrou nossos gostos e afetos com açúcar, gordura, sódio, aromatizantes, corantes e uma avalanche de propaganda.
E vai além: de tão consolidado, o sequestro habita o imaginário de quem já não tem nada a perder ou ganhar. Vale para quem está à beira da morte, vale também para quem foi privado de escolhas alimentares por falta de dinheiro.
Na outra coluna que escrevo para a Folha, as Receitas do Marcão, estou com uma série temática de pratos dos países que vão disputar a Copa do Mundo. Óbvio que sei muito pouco de várias dessas culinárias, então preciso pesquisar a respeito delas.
É batata: receitas de países africanos, latino-americanos e do leste europeu quase sempre têm um temperinho pronto industrial, um pozinho mágico que entrou de penetra nas tradições ancestrais. Eu adapto a receita, elimino esses ingredientes e toco a bola para frente.
Há ainda um saudosismo marqueteiro para vender uma certa "cozinha afetiva". Uma construção, fantasiosa ou falaciosa, de um passado recente em que os hábitos alimentares eram incorruptos.
O americano Michael Pollan, autor de livros sobre alimentação, é frequentemente citado por gente que põe a avó no meio para falar da qualidade da comida.
"Não coma nada que sua avó não reconheceria como comida", está impresso na tradução brasileira de "Food Rules" ("Regras da Comida", Intrínseca, 2010).
Aí você vai pesquisar o original e descobre que Pollan escreveu "great-grandmother", bisavó. Porque, a esta altura do campeonato, a tese vale bem pouco se formos falar das avós.
Segue um breve depoimento a respeito dos artigos que frequentavam a cozinha da minha mãe (que, aliás, já é bisavó) nos anos 1970 e 80.
Ela não fazia pudim, fazia flã de caixinha. Assava pizza com massa de caixinha. Comprava cubos de caldo de carne e temperos em pó às toneladas.
Quando inaugurou o primeiro McDonald’s em São Paulo, no distante 1981, meus pais correram sôfregos para lá. Eles buscavam reviver sabores do ano em que, jovens, moraram nos Estados Unidos.
O sequestro do afeto já estava consumado nos tempos da bisavó do meu neto, sinto dizer.
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