sexta-feira, 29 de julho de 2022

Os bilhões que o ecoturismo do Brasil não sabe ganhar, Luisa Pastor- FSP

 Se alguém perguntar, assim, de supetão, quantos parques nacionais existem hoje no Brasil, dificilmente o interlocutor vai responder o número certo: 71. E nem vale a pena especular quantos o cidadão conseguirá citar nominalmente, muito menos localizar. O desconhecimento do Brasil pelos brasileiros é um triste fato e as incursões por áreas de preservação e mata, ainda limitadas a um punhado de aventureiros ou a locais muito específicos.

Talvez os cariocas mencionem no ato o menor parque nacional do país, que fica em sua vizinhança —o da Tijuca, com pouco menos de 40 quilômetros quadrados. Mas vai ser difícil alguém mencionar o maior de todos, o PN Montanhas do Tumucumaque, que com mais de 1 milhão de quilômetros quadrados, ocupa mais de 26% da área total do Amapá. Já os leitores deste blog certamente lembrarão de pronto do primeiro PN do país, o de Itatiaia, criado em 1937. Talvez até citem o primeiro concedido à iniciativa privada, o de Foz de Iguaçu, com suas fantásticas cataratas.

Cataratas do Iguaçu, no primeiro parque nacional concedido no país - Christian Rizzi/Divulgação

O maior problema dos parques (e aí se incluem os nacionais, estaduais e municipais) brasileiros tem sido, historicamente, a falta de fiscalização e proteção efetiva de suas áreas, além da falta de oferta de infraestrutura para receber mais visitantes, como banheiros, sinalização de trilhas e áreas para camping. E não custa lembrar também da briga interminável entre preservacionistas e conservacionistas, duas turmas que não se bicam. Os primeiros defendem que parques devem ser santuários intocados que mantenham o ser humano bem longe de seus limites, torcendo o nariz para qualquer aproveitamento turístico. Os segundos acreditam que o uso sustentável é possível e desejável, integrando visitantes e pesquisadores ao meio ambiente por meio de atividades controladas e bem definidas.

Fernando Pieroni, diretor-presidente do Instituto Semeia.
Fernando Pieroni, diretor-presidente do Instituto Semeia - Divulgação

"O problema dos preservacionistas mais xiítas é que o tal ser humano acaba entrando extraoficialmente na área que deveria ser preservada, com extração ilegal de palmito, madeira, garimpo e outras atividades, sem qualquer controle", argumenta Fernando Pieroni, diretor-presidente do Instituto Semeia, organização sem fins lucrativos que nasceu do sonho do cofundador da Natura Pedro Passos e desde 2011 é um dos maiores incentivadores da exploração sustentável das áreas preservadas da nossa natureza.

É do Semeia um estudo que apontou para quanto o país perde ao não explorar de modo sustentável seu imenso ativo ambiental. Em parceria com o BCG (Boston Consulting Group", o estudo "Parques como vetores de desenvolvimento para o Brasil: Ecoturismo e potencial econômico do patrimônio natural brasileiro" apontou que essas unidades poderiam receber até 56 milhões de visitantes por ano, quatro vezes mais que o total recebido em 2019, último ano antes da pandemia.

Trocado em cifrões, esse contingente poderia representar um impacto total no PIB (Produto Interno Bruto) de R$ 44 bilhões —em 2019, respondeu por algo entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões. Os estimados 209 mil empregos que havia naquele ano no segmento poderiam saltar para 978 mil postos vinculados à visitação dos parques e seus entornos.

Além da pendenga entre as duas visões distintas do aproveitamento dos parques, Pieroni aponta que falta no país uma cultura de investimento em parcerias privadas e concessões voltada para esse segmento. E é aí que busca entrar o Semeia, que tem a missão de procurar os melhores modelos de gestão para cada região e bioma.

"Não adianta só dizer aos grandes investidores, mais acostumados a projetos bilionários como estradas, hidrelétricas e infraestrutura em geral, que é um bom negócio entrar numa concessão ou PPP (parceria público-privada) que lida com cifras só de milhões", conta ele. A falta de operadores nesse segmento levou o Semeia a organizar road shows para divulgar o potencial do negócio e a importância de conversar com as comunidades do entorno das unidades. "Atrair novos players para essa área é uma forma de evitar editais de concessão viciados, que acabam direcionados a dois ou três grupos, sempre os mesmos", acrescenta.

Agulhas Negras, no Parque Nacional do Itatiaia - Daniel Toffoli/PNI Divulgação

Entre esses novos atores que o Semeia busca motivar estão todos aqueles que lidam com concessões e operações nas quais há grande circulação de pessoas, onde é necessário assegurar segurança, atendimento, informação e controle de multidões —assim, igualzinho a um grande parque, só precisa imaginar como seria trocar o ladrão de malas distraídas por, digamos, uma onça curiosa. Aeroportos, shopping centers, terminais rodoviários são alguns dos exemplos que Pieroni cita. "Se eles já têm essa experiência, por que não atraí-los para algo novo?", pergunta ele.

Contra as críticas habituais de que concessões e parcerias seriam, na prática, uma privatização do patrimônio nacional, e de que ao abri-las ao setor privado os governos estariam fazendo caixa às custas da entrega dos parques, os projetos orientados pelo Semeia partem do que Pieroni chama de "o grande divisor de águas", que é convencer as partes —e principalmente os governos— de que o valor da outorga pago pelo ente privado seja revertido não para a caixa preta do Tesouro Nacional, mas para ações na própria área concedida e seu entorno, por meio da inclusão nos contratos de ações locais e que beneficiem também as comunidades afetadas.

"O ideal é que o valor total da outorga fosse para um fundo dedicado a esse segmento, para ajudar todos os parques, alguns mais complicados que outros", diz Pieroni. "Mas isso exige uma mudança grande na legislação, então orientamos os projetos para que tentem ao máximo direcionar esses recursos para o próprio empreendimento", acrescenta. Por enquanto, é o que dá para fazer.

E o leitor, amante de trilhas e caminhadas, quais parques já visitou?


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