quinta-feira, 14 de julho de 2022

Solange Srour - Após a desaceleração, voltaremos ao mundo de juros e inflação baixos?, FSP

 O tema predominante nas últimas semanas tem sido a magnitude da desaceleração da atividade necessária para trazer a inflação de volta para níveis próximos aos de antes da pandemia. No entanto, há duas outras questões relevantes: estaremos diante de juros estruturalmente mais altos? A inflação global retornará para patamares próximos aos níveis pré-pandemia?

Depois da recessão de 2008/2009, o mundo passou por um longo período de baixo crescimento e quase nenhuma pressão inflacionária, o que permitiu que as taxas de juros atingissem níveis baixíssimos —em alguns casos, negativos. O termo "estagnação secular", cunhado por Alvin Hansen na década de 1930, foi revivido na época por Lawrence Summers para se referir a um ambiente de economia estagnada por um longo período.

Letras de plástico dispostas para ler "Inflação" são colocadas na nota de dólar americano - Dado Ruvic - 12.jun.2022/Reuters

As explicações para a queda estrutural dos juros, sem que houvesse pressões inflacionárias, eram: a) de um lado, uma demanda menor por investimentos (dada a diminuição da população em idade ativa que demandava menos equipamentos e a revolução tecnológica que exigia cada vez menos investimentos em capital físico para determinada produção, resultando também em bens mais eficientes e baratos); e b) do outro, um aumento da oferta de poupança (causado pelo envelhecimento da população —idosos tendem a utilizar as poupanças acumuladas— e pela desigualdade social, já que pessoas mais ricas têm maior propensão a poupar e disponibilizá-las em busca de altos retornos).

Os simpatizantes da teoria advogavam o uso do investimento público como fator-chave para dinamizar as economias e colocavam em segundo plano preocupações com a sustentabilidade da dívida pública em um ambiente de juros estruturalmente baixos. Até a pandemia, tal teoria ganhou muitos adeptos, tornando-se um dos fatores responsáveis pelo extraordinário expansionismo fiscal e monetário que a seguiu.

Eis que agora grande parte do mundo desenvolvido está vivendo sua maior inflação desde 1970. Depois de apostar por muito tempo na tese de uma aceleração temporária da inflação causada por preços de commodities em alta, vários bancos centrais não só começaram o processo de subida dos juros como já anunciaram que provavelmente terão de trazê-los para níveis bem mais restritivos comparados aos níveis pré-pandemia. Estamos diante do risco de uma recessão sincronizada nas mais importantes economias.

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Será que a taxa de juros de equilíbrio, ou seja, aquela que não traz pressões inflacionárias, também subiu? Se esse for o caso, o aperto monetário necessário pode ainda ser maior do que o esperado. Alguns argumentos nessa direção são:

1) o aumento da demanda por investimento pós-pandemia com a maior digitalização e automação;

2) endividamento e necessidade de financiamento dos governos mais elevados (o que aumenta a demanda por poupança);

3) a alta do prêmio demandado para financiar déficits públicos depois de um período de sucessivas surpresas inflacionárias.

A tais fatores podemos adicionar os questionamentos sobre o risco de o mundo ser mais inflacionário do que antes. São eles:

1) os preços da energia podem até cair em virtude da desaceleração global e de uma possível volta da oferta assim que a guerra terminar, mas ficarão por muito tempo pressionados por causa de uma mudança radical na matriz energética do mundo, que certamente não será um fenômeno reversível;

2) possibilidade de o mundo ser menos globalizado. Além dos problemas decorrentes da quebra das cadeias produtivas durante a pandemia, as tensões geopolíticas agravadas com a invasão da Ucrânia aumentaram a necessidade de o processo produtivo ser menos dependente de fornecedores externos, ou ao menos de países não aliados;

3) apesar da abertura das economias, a participação da força de trabalho ainda se encontra aquém do nível pré-pandemia em várias regiões. O fenômeno da "grande resignação" passou a ser conhecido como aquele em que funcionários reavaliam suas carreiras e deixam seus empregos, enquanto as empresas têm um número recorde de vagas abertas, o que coloca pressão sobre salários e preços.

Toda essa discussão não é meramente acadêmica. No mundo de juros e inflação baixos, países emergentes atraíram investimentos e cresceram bastante, mesmo com fundamentos domésticos não tão arrumados —como déficits fiscal e externo altos. Em um mundo diferente, esses países terão de priorizar a correção de seus desequilíbrios. No caso brasileiro, sem dúvidas, o maior desequilíbrio é o fiscal, que é bastante sensível aos juros e ao crescimento do PIB.

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