Uma motorista foi parada em Dallas, Texas, dirigindo sozinha numa faixa reservada a veículos com pelo menos dois passageiros. Ao ser questionada pelo policial, alegou que havia duas pessoas no carro, apontando para sua barriga. Ela estava na 34ª semana de gravidez. Completou dizendo que, com a decisão da Suprema Corte de anular Roe vs. Wade, o feto conta como uma pessoa. O guarda não se convenceu e a multou. Ela diz que vai recorrer.
O caso captura bem uma faceta da discussão sobre o aborto que me parece a mais essencial. A argumentação da motorista é pouco convincente no que diz respeito às leis de trânsito, mas é inegável que existam poucas diferenças, físicas e morais, entre um feto de oito meses e um recém-nascido. É claro que o raciocínio também vale para o outro lado. É difícil equiparar uma mórula (fase em que o embrião tem entre 12 e 32 células) a um bebê.
E, comportamentalmente, acho que até os antiabortistas concordam com isso. Imagine que uma clínica de fertilização está pegando fogo. O valente antiabortista está ali e tem diante de si a escolha entre salvar uma geladeira com 200 embriões congelados ou uma criança que está na sala de espera. Duvido que ele optasse pelo freezer. Há uma "vis vitalis" na criança que os zigotos não têm.
A referência aqui são os paradoxos da indeterminação, como o do monte, atribuído a Eubulides de Mileto. Um grão de areia não constitui um monte. Se eu adicionar um segundo grão ao primeiro, ainda não tenho um monte. Nem com um terceiro. Mas, se eu continuar nesse processo, em algum momento eu chegarei lá. De quantos grãos eu preciso para fazer um monte?
O desenvolvimento fetal é um processo. Não há instantes mágicos. O que de melhor podemos fazer é ir arbitrariamente ampliando as proteções legais ao embrião à medida que ele se desenvolve, que é o que fazem as legislações dos países civilizados que legalizaram o aborto.
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