Era uma vez um Itamaraty, com suas boas maneiras e habilidades. Bolsonaro mostrou sua maneira de conduzir as relações exteriores do Brasil em julho de 2019, quando tinha poucos meses no cargo. Desmarcou um encontro com o chanceler francês e, ostensivamente, foi cortar o cabelo no Palácio do Planalto. De lá para cá, encrencou com a China, os Estados Unidos e a Argentina. Sempre para nada. Ganha um fim de semana em Budapeste quem souber de uma migalha de interesse nacional envolvida nessa diplomacia de malcriações.
No ano do Bicentenário da Independência, Bolsonaro desmarcou um almoço para o qual havia convidado o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa. A grosseria deveu-se ao fato de Rebelo ter se encontrado com Lula.
Vale registrar que embaraços políticos desse tipo às vezes acontecem. Em 1978, o presidente americano Jimmy Carter veio ao Brasil e pediu que em sua agenda fosse incluído um encontro com representantes da sociedade civil. Leia-se: pessoas como o cardeal Paulo Evaristo Arns e o advogado Raymundo Faoro. O general Ernesto Geisel detestava-o, como detestava o cardeal Arns. Pela métrica de hoje, a visita seria cancelada. Entregue o problema aos diplomatas, veio a solução. Carter iria a Brasília, seria recebido com discreta pompa pelo presidente e depois, no Rio, conversaria com quem quisesse. Ele não só conversou, como pediu ao cardeal que fosse com ele no carro até ao aeroporto de onde embarcaria de volta.
Entregue a um jovem secretário o desejo do presidente português de ver Lula, teria sido fácil combinar esse encontro para depois do almoço com Bolsonaro. Marcelo Rebelo foi antes a Lula, o que poderia ter sido evitado. Não tendo havido a combinação, sobreveio a grosseria com Bolsonaro cancelando um convite que havia feito.
Rebelo levou a canelada na esportiva dos políticos europeus experientes. Soltou um "ninguém morre", foi à praia, visitou a Bienal do Livro (onde Bolsonaro nunca pôs os pés) e deixou escapar que Portugal vem negociando com Pindorama um novo visto de trabalho para brasileiros.
A diplomacia da canelada vive a serviço do nada. Noves fora d. Pedro 1º em 1822, Portugal sempre abrilhantou os festejos na Independência. Em 1922, o presidente Epitácio Pessoa recebeu seu colega António José de Almeida e, em 1972, o general Emilio Médici recebeu o presidente Américo Thomaz e o primeiro-ministro Marcelo Caetano. (Nessa época circulava pelo Rio o exilado português Mario Soares, que ajudaria a reconstruir a democracia portuguesa.) Dois anos depois o Brasil recebia Thomaz e Caetano, como asilados. Mais um ano e chegou, também como exilado, o general que os havia deposto.
O almoço de Bolsonaro já havia sido desmarcado verbalmente no sábado passado, quando Marcelo Rebelo foi ao 1º Distrito Naval para comemorar os cem anos da travessia do Atlântico pelos pilotos portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral. Lá, aproveitou para enaltecer a nova onda de brasileiros que migram para Portugal, alguns em busca de trabalho e muitos em busca da nacionalidade, com suas vantagens tributárias. Referindo-se ao novo visto de trabalho, Rebelo deu uma boa notícia para milhares de pessoas, coisa que Brasília deixou de produzir.
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