Cana-de-açúcar, grãos, laranja, café. Algumas das culturas responsáveis pela força do agronegócio nacional, elas sofreram o impacto da seca nos últimos meses, que reduziu a produção, causou mortes de plantas e provocou atrasos na colheita.
Enquanto há usinas produtoras de etanol e açúcar no centro-sul retardando o início da moagem na expectativa de que a planta se desenvolva e diminua as perdas, no Nordeste produtores tentam meios de construir açudes para evitar a morte de canaviais.
Enquanto isso, em outros estados, produtores de grãos lamentam duplamente: primeiro a seca no fim do ano passado, que atrasou o plantio, e depois a chuva em excesso, que tem prejudicado a colheita.
A produção de cana no centro-sul do país deve encolher 21 milhões de toneladas, ou 3,45% do estimado pela consultoria Datagro, em razão da seca, que fez usinas atrasarem a colheita.
A previsão é que a safra 2020/21, que termina dia 31, alcance 607 milhões de toneladas, mais que os 586 milhões estimados para a próxima safra, afetada pelas chuvas abaixo da média dos últimos 30 anos.
Além da disponibilidade menor, a qualidade da cana também será pior, segundo Plinio Nastari, presidente da Datagro, devido a incêndios que atingiram as lavouras.
A consequência é atraso no reinício da moagem, já que algumas usinas optaram por deixar a cana se desenvolver mais para compensar o atraso provocado pela seca.
“Esse atraso faz com que os estoques de açúcar e etanol fiquem mais apertados. O aumento da gasolina nas refinarias, transmitido às bombas, faz com que abra um espaço de alta no etanol, porque o estoque está ficando cada vez mais curto", diz Nastari. Ele afirma que não há risco de desabastecimento.
A Usina Batatais é uma das poucas que iniciou a safra, na última segunda (1º), e prevê redução na moagem, que deve alcançar 4,1 milhões de toneladas, ante 4,419 milhões da última safra —redução de 7,2%.
Segundo a usina, a seca deve afetar a produtividade, mas uma eventual regularidade nas chuvas nos próximos meses pode reduzir o impacto.
O cenário de lavouras no Nordeste do país não é diferente, o que fez com que entidades de Pernambuco buscassem o governo do estado para tentar viabilizar medidas para reduzir o impacto da estiagem.
A alternativa estudada é construir pequenos açudes nas cidades mais atingidas, como Aliança e Nazaré, que registram quebra de produção de até 50%, com custo de R$ 100 mil cada, para represar a chuva em cidades.
“A Zona da Mata seca, ao norte, teve até mortalidade de canaviais. Choveu um pouco nesta semana, amenizou, mas o que morreu não recupera”, afirmou Alexandre Andrade Lima, presidente da AFCP (associação dos fornecedores).
Segundo ele, 92% dos associados produzem menos de mil toneladas de cana por safra, ou seja, são pequenos, e não têm condições de investir.
Se a seca no fim de 2020 atrasou o plantio da soja, a chuva em excesso tem prejudicado a colheita em 2021, o que deve trazer ainda mais danos para o produtor no próximo ciclo. Entre os estados atingidos estão Mato Grosso e Tocantins.
“Tivemos de sete a oito dias de chuva sem trégua, justamente na colheita”, contou o produtor Luciano Mokfa, que possui 2.050 hectares em Silvanópolis (TO) e estima perdas de ao menos 25%.
Em Mato Grosso, além do prejuízo sobre o produto, a chuva tem imposto um desafio a mais no escoamento da safra, já que muitas estradas estão em condições precárias.
O Vale do Araguaia é uma das regiões mais afetadas. A MT-322 e a BR-158, principais rodovias de passagem dos grãos, estão intransitáveis, segundo a Aprosoja/MT (associação dos produtores).
Caminhoneiros têm ficado até três dias na fila para carregar os grãos e transportá-los até o porto do Pará.
“Também sofremos há vários anos com problemas de armazenagem, já que apenas 50% da nossa produção é armazenada, e temos pedido mais crédito para poder garantir esses armazéns”, disse Nathan Belusso, produtor em Nova Ubiratã (MT).
Segundo dados do Imea (Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária), a colheita da soja apresenta atraso de 32% em relação ao ano anterior. Assim, boa parte do milho, usado na alternância de cultura, que teria de estar plantado até fevereiro, será semeado fora da janela indicada.
A pecuária também está de olho na safra de grãos, já que o preço da saca de milho, insumo para ração bovina, teve mais que o dobro de alta no último ano.
“Com certeza deve ter impacto, em que pese o produtor não ser quem decide o valor, é o mercado. Além do problema do insumo, há áreas no estado ainda com falta de chuvas e com vacas que não conseguiram atingir peso suficiente para procriar”, disse Francisco Manzi, diretor técnico da Acrimat (associação dos criadores).
Na região Sul do país, também há atrasos. No Paraná, segundo o Deral (Departamento de Economia Rural), até a última semana de fevereiro 8% da área cultivada foi colhida –no mesmo período de 2020, o índice era de 22%. Mesmo assim, a expectativa é que o estado gere 20,34 milhões de toneladas do grão, cerca de 2% menos do que no ano passado.
Produtores paranaenses de feijão estão colhendo prejuízos ainda maiores. Já no final da colheita, a primeira safra apresenta produção esperada de 254,5 mil toneladas, 19% menos do que o registrado no período anterior. A estiagem, primeiro, e o excesso de chuvas no final de dezembro e janeiro, depois, reduziram a produtividade e a qualidade do produto.
A citricultura também foi atingida e fez com que a quebra na safra fique entre 30% e 50% para alguns produtores, dependendo da região, segundo Antônio Carlos Simonetti, presidente da ABCM (Associação Brasileira dos Citros de Mesa).
“A fruta não se desenvolveu, não ganhou peso. Em vez de ter caldo, ficou mais bagacenta, com pouco caldo, e isso postergou a colheita”, afirmou.
A safra toda, conforme o Fundecitrus (Fundo de Defesa da Citricultura), foi reestimada em 269,01 milhões de caixas (de 40,8 kg), 6,52% inferior à estimativa feita em maio.
A avaliação do setor é de que os preços deverão apresentar alta no decorrer da safra. Hoje, a caixa custa de R$ 38 a R$ 40 (laranja de mesa) e R$ 28 (indústria). "Vai ter vácuo de laranja, vai faltar fruta", disse Simonetti.
Diretor-executivo da CitrusBR (associação dos exportadores), Ibiapaba Netto afirmou que o cenário em algumas regiões foi desolador. “O fruto não se desenvolveu nos pomares e não foi possível colher para vender. Em outro, árvores morreram.”
No café, desde março de 2020 as condições estão diferentes no cerrado e no sul de Minas Gerais, com chuvas abaixo da média e irregulares, o que, aliado às altas temperaturas entre agosto e outubro, prejudicaram a planta.
Com isso, a perspectiva na área de atuação da Cooxupé, sediada em Guaxupé (MG) e maior cooperativa do mundo, é a de que a próxima safra seja inferior à de 2019 --o café é uma cultura marcada pela bienalidade, ou seja, produz muito um ano e menos no seguinte, daí a comparação ser com dois anos atrás.
A previsão de safra deste ano não está fechada, mas em 2019 foram colhidas 7,7 milhões de sacas de café. “A planta precisa de nutrição e controle de pragas e doenças no período correto. Se não tem chuva regular, atrasa a nutrição e ela não tem o desenvolvimento adequado”, disse o engenheiro agrônomo Eder Ribeiro dos Santos, coordenador do departamento de geoprocessamento da Cooxupé.
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