Biden publicou no domingo um tuíte que pode ter passado desapercebido por boa parte das pessoas, mas não para o Vale do Silício. “Alguns trabalhadores do Alabama votarão para decidir se formam ou não um sindicato”, disse no post que acompanhava um vídeo. “É uma escolha de vital importância e não devem sofrer intimidação ou ameaças de seus empregadores.” Ele não escreveu claramente a quem se referia, mas não precisava. O empregador é a Amazon.
Existe um problema tecnológico que Jeff Bezos não conseguiu resolver. Não dá para robotizar os armazéns — não para tudo. Há robôs que movem estantes pesadíssimas de metal de um canto para o outro, toda organização de que produto fica onde passa por algoritmos de inteligência artificial, onde foi possível substituir gente por dispositivos, aconteceu. Mas a mão humana, para manipulação daquilo que exige cuidado, ainda é imbatível. Este, aliás, é um dos grandes desafios do processo de automação em geral. Então, diferentemente das outras gigantes do Vale, a Amazon emprega em quantidade. E emprega, principalmente, este tipo de trabalhador que ganha pouco e tem uma posição frágil no mercado. Afinal, seu negócio depende de gente que pega coisas para botar em caixas.
Este armazém no Alabama é grande. O tamanho de quinze campos de futebol distribuídos em quatro grandes andares nos quais trabalham 5,8 mil pessoas. E Biden não entrou na história à toa. A Amazon está jogando duro com seus funcionários. Todos foram convocados para um encontro obrigatório no qual executivos deram palestras explicando por que um sindicato é ideia ruim, cartazes foram espalhados por toda parte, incluindo banheiros, mensagens de texto com os argumentos da empresa bombardeiam os celulares.
Há algumas camadas no recado que Biden passou e a primeira é política, nada tem com o Vale. Joe Biden é um liberal num partido que une esquerda e centro, socialistas, social-democratas e liberais. A esquerda sente que o presidente lhe dá as costas. A boa vontade com os sindicatos é um aceno.
Numa segunda camada entre o Vale do Silício — porque não está clara, ainda, qual será a postura do novo governo americano perante a indústria da tecnologia. Bezos, que é o fundador e ainda principal acionista da Amazon, era um dos principais alvos da ira de Donald Trump. Afinal, o bilionário é também dono do Washington Post, um dos mais tradicionais jornais do país que — como é de sua praxe — fez uma cobertura incisiva do governo. O que não é praxe são presidentes americanos que tratam a imprensa como inimiga. Trump o fazia.
Kamala Harris, a vice-presidente, tem laços profundos com o Vale do Silício. Mora em San Francisco, capital informal do Vale e teve bilionários da tecnologia entre seus principais doadores de campanha. Por tê-los representado como cidadãos no Senado, Harris conhece a todos, tem boa relação com quase todos, e no tempo de parlamentar foi sua missão defender os interesses da indústria digital.
Trump acusava essas empresas de boicotarem vozes da direita. Esta não é uma acusação que os democratas fazem. Mas os democratas consideram que atualmente redes sociais contribuem para o derretimento das democracias. Nesta avaliação, estão lado a lado com quem estuda este derretimento. Não parece que os processos antitruste, já abertos contra Amazon e Google durante o governo Trump, serão evitados pelo novo presidente.
E aí entra o último ponto. Direitos trabalhistas na era digital não eram uma preocupação do antigo ocupante da Casa Branca. Agora, são.
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