É estarrecedor descobrir, enquanto o país bate recordes de mortes diárias causadas pela Covid-19 e faz contas aflitas para a chegada de vacinas, que o governo de Jair Bolsonaro recusou em 2020 três ofertas de imunizantes da farmacêutica Pfizer, num total de 70 milhões de doses até o final deste ano.
Conforme a Folha noticiou, um acerto com a empresa teria permitido que a vacinação dos brasileiros começasse já em dezembro passado. Até fevereiro, seriam 3 milhões de doses, o que permitiria números menos ruins hoje.
Até aqui, somente 8,7 milhões receberam uma primeira dose de imunizante, ou 5,4% da população adulta. Os que já tiveram acesso à segunda dose limitam-se a 3 milhões (1,8% dos maiores de 18 anos).
Em tal cenário, qualquer percalço pode constituir uma tragédia em potencial —atrasos na importação da Índia e o que parece ter sido um acidente na linha de produção da Fiocruz, por exemplo, deixarão o país sem ao menos 15,2 milhões de injeções neste março.
Essa escassez dramática se dá em meio a uma nova e avassaladora onda de contágios da pandemia, que, além de custar vidas aos milhares, força a volta da paralisação de atividades Brasil afora —o que trava a economia, com consequências ainda mais devastadoras para a população mais pobre e dependente do trabalho presencial.
As projeções de crescimento do Produto Interno Bruto no ano, já medíocres desde o início, estão em queda. Hoje estão pouco acima dos 3%, indicando que o país não reverterá a queda de 4,1% amargada em 2020 —e tendem a piorar se prosseguir a derrocada na saúde.
O primeiro trimestre já foi perdido, e o segundo está sob ameaça. A tortuosa política econômica do governo inspira desconfiança; a retomada depende fundamentalmente da vacinação.
O desastre produzido por Bolsonaro e por seu ajudante de ordens Eduardo Pazuello ainda pode e precisa ser atenuado. Urge importar mais vacinas já e induzir laboratórios a apresentar os dados para aprovação de seus produtos.
Os contratos com empresas desprezadas devem ser fechados imediatamente, de modo que cheguem imunizantes no segundo semestre, quando existe a ameaça real de novas ondas com novas variantes.
A acreditar no cronograma do Ministério da Saúde, até o final de maio seria possível aplicar pelo menos uma dose a cerca de 63,7 milhões de pessoas, cerca de 40% da população adulta. No entanto tal previsão ainda depende da confirmação de laboratórios nacionais.
A esta altura será ingenuidade apostar num surto de compaixão ou responsabilidade por parte de Bolsonaro. Resta esperar que o maior responsável pela crise trate de mitigar a tragédia em benefício de sua própria sobrevivência política.
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