Jeanine Añez, ex-presidente interina da Bolívia, foi presa na madrugada deste sábado (13), pelas acusações de conspiração, sedição e terrorismo durante os dias que se seguiram à renúncia de Evo Morales, em novembro de 2019.
A ordem de prisão preventiva surpreendeu Áñez em sua casa, na cidade de Trinidad. Ela foi encontrada pelos policiais escondida dentro de uma cama box, segundo a agência estatal de notícias ABI.
Imagens da TV boliviana a mostram saindo de casa puxada pelo braço. A prisão ocorreu por volta de 1h. Dali, ela foi transportada à La Paz, onde foi colocada em uma cela dentro de um quartel.
Apesar de o governo boliviano afirmar que a Justiça está atuando com independência, ao desembarcar do avião que a levou de Trinidad ao aeroporto de El Alto, Áñez foi escoltada pelo ministro de Governo, Carlos Eduardo del Castillo.
“Nós não temos medo de quem pensa diferente, este governo não está perseguindo ninguém. O que está fazendo é garantir que exista Justiça neste país”, disse Castillo.
A denúncia contra a ex-presidente foi apresentada por um bloco de deputados e ex-deputados do MAS, legenda de Evo e do atual presidente do país, Luis Arce. A questão seguiu para a Justiça. No processo, a Promotoria acusa a cúpula do governo de Añez de ter causado mais de 30 mortes na repressão aos protestos após a saída do líder indígena.
Civis foram assassinados em Sacaba (Cochabamba) e Senkata (El Alto), em meio à repressão das forças de segurança do governo contra as manifestações pró-Evo Morales.
As acusações de "sedição, conspiração e terrorismo" referem-se ao modo como Áñez atuou no período em que esteve interinamente no poder --entre 12 de novembro de 2019, dois dias depois da renúncia de Evo, e 8 de novembro de 2020, quando assumiu Luis Arce, que venc eu as eleições realizadas em outubro.
As penas para os crimes descritos, caso sejam confirmadas, vão de 5 a 20 anos de prisão. A ordem de prisão também atinge os ex-ministros Arturo Murillo (Governo), Luis Fernando López (Defesa), Yerko Núñez (Presidência), Álvaro Coimbra (Justiça) e Rodrígo Guzmán (Energia).
Coimbra e Guzmán já foram detidos. Segundo a Interpol-Bolívia, outros dois ex-ministros acusados deixaram o país em novembro passado e estão nos Estados Unidos.
O ministro da Justiça do governo Arce, Iván Lima Magne, afirmou que a investigação que gerou a ordem de prisão "se apresentou contra a ex-senadora Jeanine Áñez, não contra a ex-presidente". E que, por conta disso, ela não tem direito a proteções destinadas a ex-mandatários.
Añez, 53, afirmou que sua prisão é ilegal, que se trata de um ato de perseguição política e que o governo a "acusa de ter participado de um golpe de Estado que nunca ocorreu".
Após ser detida, a ex-presidente enviou cartas para a União Europeia e para a OEA (Organização dos Estados Americanos), pedindo o envio de observadores para acompanhar o processo contra ela.
Sem citar a ex-presidente diretamente, Evo pediu punição firme. “Por justiça e verdade para as 36 vítimas fatais, os mais de 800 feridos e mais de 1.500 detidos ilegalmente no golpe de Estado. Que se investigue e sancione os autores e cúmplices da ditadura que abalou a economia e prejudicou a vida e a democracia na Bolívia”, escreveu, em uma rede social, neste sábado.
Evo, que presidia a Bolívia desde 2006, disputou um quarto mandato, mas houve acusações de fraude na eleição. Em meio a uma pressão das Forças Armadas e de movimentos populares, cujos protestos deixaram mortos e feridos pelo país, ele renunciou em 10 de novembro de 2019.
Dois dias depois da renúncia, Añez chegou ao poder em uma controversa manobra legislativa, aproveitando-se de uma brecha na legislação boliviana, uma vez que todos os que estavam na linha de sucessão direta renunciaram após a saída de Evo.
Sem ter reunido quórum nem na Câmara de Deputados nem no Senado, ela justificou que assumiria a Presidência de acordo com o que estabelece o regimento do Senado sobre sucessão na Casa.
Segundo as regras, ante a renúncia do presidente e do primeiro vice-presidente do Senado, o regimento permitia que ela, segunda vice-presidente, assumisse o comando.
Em seu mandato, de 11 meses, Añez enfrentou uma dura oposição do partido de Evo, que incluiu atos violentos e bloqueios de estradas reprimidos pelo Estado.
Durante o governo de Añez, a Justiça boliviana abriu processos judiciais contra Evo, que o acusavam de terrorismo por estimular protestos violentos. Uma ordem de prisão foi expedida contra ele, mas o ex-presidente se refugiou no exterior. A ordem de prisão foi cancelada em outubro, após a vitória de Arce.
Añez também foi criticada pela má gestão da crise da pandemia. Houve casos de corrupção, como a compra superfaturada de respiradores, caso que levou à prisão do então ministro da Saúde. A um mês das eleições de outubro, ela desistiu de sua candidatura, pedindo "união" contra o partido de Evo.
A prisão de Áñez foi feita uma semana depois de ela ser derrotada nas eleições regionais, quando disputou o cargo de governadora do departamento de Beni. Seu desempenho nas urnas foi medíocre, e ela ficou em terceiro lugar.
Já o direitista Luis Fernando Camacho, aliado na manobra que levou à renúncia de Evo, saiu vitorioso e foi eleito governador de Santa Cruz de la Sierra. Ele também é alvo da ação contra Añez, mas a promotoria não ordenou sua prisão.
O Comitê Cívico de Santa Cruz, que deu apoio a Añez na época de sua posse, se reuniu na tarde de sábado para expressar repúdio à prisão da ex-presidente e para estudar a convocação de uma marcha.
O ex-presidente Carlos Mesa, que competiu contra Evo e contra Arce nas eleições de 2019 e 2020, respectivamente, foi um dos primeiros a expressar repúdio pela ordem de prisão a Áñez. Em entrevista à CNN na noite de sexta-feira (12), afirmou que a prisão da ex-presidente era um ato de perseguição política.
Mesa também postou em suas redes sociais que este se trata de um momento político "pior que os das ditaduras. Se executa contra quem defendeu a democracia e a liberdade em 2019. O poder judicial e a Procuradoria vinculados ao MAS são o martelo que executa essa perseguição. Os autores da fraude se anistiam e pretender ser as vítimas".
O ex-presidente de direita Jorge "Tuto" Quiroga também repudiou a prisão e afirmou que "Luis Arce criminalizou uma sucessão constitucional democrática.
O diretor para as Américas da ONG Human Rights Watch, José Miguel Vivanco, disse que "as ordens de captura contra Áñez e seus ministros não contêm nenhuma evidência de que tenham cometido o delito de terrorismo".
Com AFP.
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