quinta-feira, 4 de março de 2021

Alemanha coloca partido de direita radical sob vigilância por suspeita de extremismo, FSP

 Ana Estela de Sousa Pinto

BRUXELAS

Os dois mais importantes países da União Europeia —a Alemanha e a França— fecharam o cerco contra movimentos suspeitos de atividade e discurso de extrema direita.

Na Alemanha, o partido de direita radical Alternativa para a Alemanha (AfD), principal agremiação de oposição, foi colocado sob investigação do Escritório Federal de Proteção à Constituição (BfV, na sigla alemã). Já o governo francês vai banir o grupo de extrema direita Geração Identitária.

A decisão de vigiar o AfD foi tomada depois de dois anos de investigação sob a atividade xenófoba do partido. Advogados e especialistas em extremismo analisaram discursos de políticos da AfD e publicações na internet e concluíram que eles são suspeitos de extremismo e podem significar risco à democracia alemã.

Líderes do partido reagiram ao anúncio dizendo que há motivação eleitoral e afirmaram que vão recorrer à Justiça. Criada em 2013, a sigla tem um discurso abertamente contra imigrantes, principalmente muçulmanos, e cresceu após a crise dos refugiados de 2015, quando cerca de 2 milhões de imigrantes entraram na Alemanha.

Moça morena com máscara com a sigla AFD cortada por um X vermelho
Manifestante usa máscara de protesto contra o partido de direita radical AfD em Kalkar (no oeste da Alemanha) - Ina Fassbender - 27.nov.2020/AFP

Nas últimas eleições para o Parlamento alemão, em 2017, a AfD ficou em terceiro lugar, com 12,6% dos votos e 94 (13,3%) dos 709 deputados. Desde então, perdeu popularidade e recebeu críticas por sua retórica xenófoba após um ataque em Hanau no início do ano passado e pela participação em protestos que reuniram seus membros e terminaram em violência —num deles, manifestantes tentaram invadir o Parlamento.

Pesquisas recentes dão à AfD de 8% a 11% das intenções de voto para as eleições do segundo semestre.

As autoridades alemãs já tinham dissolvido no ano passado a ala extremista da AfD, chamada Flügel (asa), mas a agência de segurança diz que seus membros ainda mantêm influência preocupante na agremiação.

Em setembro, o partido também demitiu seu ex-porta-voz Christian Lüth por declarações em que ele sugere mandar imigrantes para a câmara de gás (a fala foi filmada sem que ele soubesse).

A nova decisão inclui escutas da comunicação entre os militantes do partido, com exceção de parlamentares eleitos e candidatos às eleições deste ano.

A AfD é o primeiro partido com representação no Parlamento alemão (Bundestag) a ficar sob vigilância do BfV, departamento criado após a Segunda Guerra Mundial para impedir a expansão de grupos extremistas. De 2007 a 2014, a agência investigou também A Esquerda, por causa de suas raízes no Partido Comunista da antiga Alemanha oriental.

A agência alemã não falou sobre a atual investigação, por causa de contestações judiciais. No ano passado, ao apresentar relatório sobre extremismo no país, o presidente da agência, Thomas Haldenwang, afirmou que o extremismo de direita e o terrorismo de extrema-direita eram o maior perigo para a democracia alemã.

Especialistas como o professor da Universidade de Würzburg Hans Joachim Lauth também consideram o extremismo de direita a principal ameaça à segurança interna da Alemanha no momento. Relatórios recentes mostraram crescimento de denúncias de extremismo em tropas armadas.

Foram 477 episódios investigados em 2020, uma alta de 30% em relação ao ano anterior, de acordo com dados do Serviço de Contra-Inteligência Militar. Casos ligados a neonazismo passaram de 16 para 31.

Em morro cheio de neve, dez pessoas estendem grande faixa vermelha com mensagens contra a entrada de imigrantes na França
Militantes do Geração Identitária francês colocam mensagem contra a imigração na fronteira com a Itália - Romain Lafabregue - 21.abr.2018/AFP

TENDÊNCIA PARA A MILÍCIA

Na França, o Ministério do Interior classificou nesta quarta (3) o Geração Identitária como “uma ideologia que incita ao ódio, à violência e à discriminação com base na origem, raça ou religião de alguém”.

O decreto apresentado pelo ministério afirma que atividades do grupo deixam claro que ele pretende atuar como milícia. Fundada em 2012, a Geração Identitária tem ramificações em vários países da Europa, está sob investigação na Áustria e, na Alemanha, é considerada de extrema direita.

O governo francês já havia levantado a possibilidade de proibir o grupo em janeiro, quando cerca de 30 de seus membros usaram um drone para "caçar" imigrantes ilegais na fronteira da França com a Espanha.

A agremiação tem relações também com o Reunião Nacional, partido de direita radical liderado por Marine Le Pen. O fundador do Geração Identitária francês, Damien Lefèfre, ingressou no RN e é hoje assistente do eurodeputado Philippe Olivier.

Em janeiro, o partido de direita atacou os planos do governo francês de banir o Geração Identitária chamando-os de atentado contra a liberdade de consciência, expressão e associação.

Em outubro, o governo francês também proibiu organizações consideradas extremistas islâmicas, após a decapitação do professor de história Samuel Paty por um refugiado tchetcheno.

“Não vamos deixar nenhum grupo, seja ele qual for, minar nossas leis ou nossos valores”, disse o porta-voz do governo do presidente Emannuel Macron nesta quarta.


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