Olacyr Francisco de Moraes foi um dos grandes visionários brasileiros e, como tantos outros homens à frente do seu tempo, acabou sendo pouco conhecido e reconhecido.
No começo dos anos 1970 ele se tornou o maior produtor individual de soja do mundo ao formar duas fazendas com mais de 150 mil hectares no então estado único do Mato Grosso, hoje MT e MS –denominadas Itamaraty Norte e Sul, nome do seu Banco.
Foi, sem dúvida, um dos precursores do modelo produtivo de alta escala que permitiu a consolidação da competitividade do Brasil no agronegócio mundial. Naquela época, não havia tecnologia para lidar com as dificuldades da produção agropecuária em condições tropicais: solos pobres e ácidos, presença de pragas e doenças desconhecidas, falta de variedades adaptadas e infraestrutura logística.
Olacyr abriu suas fazendas para a experimentação em massa de novas variedades de grãos adaptadas ao cerrado brasileiro, tendo sido também o criador da primeira variedade de algodão do centro-oeste, a ITA-90, responsável por fazer o Brasil passar de importador a exportador da commodity.
Nos anos 1980, o então “Rei da Soja” abraçou um projeto ainda mais arrojado e visionário, a Ferronorte, uma gigantesca ferrovia inicialmente planejada para ter 5.200 quilômetros integrando o Porto Velho (RO), Santarém (PA) e o Mato Grosso ao Porto de Santos.
Desde o Barão de Mauá em 1854, a rede ferroviária brasileira sempre esteve próxima à faixa litorânea. Mas nos anos 1970 ficou claro que o Brasil agrícola cresceria em direção aos cerrados do Centro-Oeste, onde, ao contrário de todos os grandes países continentais do planeta, não havia nenhuma ferrovia.
Essa foi a maior visão desse desbravador à frente do seu tempo. E foi exatamente esse sonho que o levou à falência, pois ele fez a sua parte, mas os seus trens ficaram 7 anos esperando uma ponte de 3.700 metros que o Governo de São Paulo atrasou para erguer sobre o Rio Paraná. Olacyr, que foi dono de um dos 5 maiores grupos empresariais do país, morreu em 2015 abatido, cheio de desgostos e dívidas.
Infelizmente, porém, decorridos mais de 30 anos do sonho de Olacyr, a Ferronorte ainda não conseguiu chegar ao coração da produção de grãos e algodão do Mato Grosso. O projeto de 682 quilômetros de ligação entre Rondonópolis –município no Sul do Mato Grosso, onde a Ferrovia ainda se encontra desde os tempos do Olacyr– e Lucas do Rio Verde (MT) já foi apresentado ao Ministério de Infraestrutura.
Trata-se de um projeto de baixa complexidade de implantação, construção rápida (aproximadamente 5 anos) e alto potencial de captura de carga no caminho, pois cruza grandes áreas produtoras de grãos. Vale notar ainda que, diferentemente das outras opções, a Ferronorte é uma ferrovia multiproduto com grande integração intermodal, que abre dezenas de outras opções além do transporte de grãos. Ao ligar Cuiabá e o coração das zonas produtivas do Mato Grosso a São Paulo, a ferrovia pode descer com altos volumes de algodão, açúcar, celulose e carnes, além de viabilizar o acesso da crescente produção de etanol de milho do MT à refinaria de Paulínia. No sentido inverso, a ferrovia permite a subida de fertilizantes, combustíveis e centenas de bens industriais e de consumo doméstico, por contêiner.
Mas o importante mesmo é que o projeto de extensão da Ferronorte até o centro do Estado de Mato Grosso é um investimento que tem 100% de recursos privados. Portanto, a custo zero para o governo federal e o Estado de Mato Grosso, dependendo apenas de uma simples autorização do regulador.
Vale lembrar que a Ferronorte não é a única solução intermodal para reduzir o custo logístico dos mais de 2.000 quilômetros que separam o Mato Grosso –principal Estado agrícola do país– dos portos do Atlântico. Na direção norte, a Rodovia BR-163, agora asfaltada, liga com eficiência as regiões de grãos do MT ao porto fluvial de Miritituba no Pará, com o posterior transbordo da carga em barcaças que navegam pelos rios Tapajós e Amazonas até os portos próximos a Belém.
Outros projetos também estão em fase de concessão. O primeiro é a Ferrogrão, uma ferrovia que pretende cobrir quase 1.000 quilômetros entre Sinop (MT) e Miritituba, em trajeto paralelo à BR-163. Trata-se de um projeto de altíssima complexidade, pois cruza o Parque Nacional da Jamanxim e comunidades tradicionais do bioma Amazônico, além de representar um custo que pode ultrapassar R$ 20 bilhões, a ser arcado em parte pelo governo. O outro projeto em pauta, igualmente complexo, é a construção de duas ferrovias no sentido Oeste-Leste (FICO e FIOL), que ligariam Lucas do Rio Verde ao porto de Ilhéus. Mas esse trajeto ainda está longe de ser viabilizado.
Dispomos, portanto, de 3 possibilidades de integração intermodal do Mato Grosso ao Oceano Atlântico, nas direções Norte, Leste e Sudeste. Cabe ao governo federal permitir que esses projetos ocorram e concorram entre si, trazendo a redução de custos que os produtores rurais do Centro-Oeste esperam há mais de 4 décadas. O custo de transporte de grãos do Mato Grosso representa de 15% a 50% do preço do produto, o que é simplesmente inaceitável!
O que não pode acontecer é o governo optar por qualquer um dos projetos em detrimento de outro, ainda mais se isso redundar em uma escolha de maior custo econômico, ambiental e social para usuários, contribuintes e o ecossistema. O Mato Grosso já pagou caro demais e não pode esperar.
* Marcos Jank é professor sênior de agronegócio no Insper e coordenador do centro Insper Agro Global . Entre 2015 e 2019 foi presidente da Aliança Agro Ásia-Brasil (Asia-Brazil Agro Alliance – ABAA), iniciativa que reuniu três entidades exportadoras do agronegócio brasileiro.
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