Daniel Martins de Barros, colunista
27 de janeiro de 2020 | 05h00
Está cedo para começar a tratar das eleições na coluna, eu sei. Mas minha preocupação não é com a política, é com os relacionamentos. Após um 2018 muito polarizado, no qual multiplicaram-se os casos de brigas entre amigos e família, parece que ano passado tivemos uma folga. Como escrevi no blog na semana passada, notei que as festas de 2019 foram um período de grande busca por reconciliação. Ótimo. Mas como fazer para manter a paz em 2020?
Tenho uma proposta. Alguns podem considera-la ingênua. Outros, reacionária. Mas para mim é na verdade um ato de resistência. Poderíamos nos recusar a brigar. Já imaginou? Muitas pessoas falam em boicotar os políticos, em acabar com esse sistema corrompido, em se recusar a votar. Não acho que essa seja a melhor forma de resistir. A política é extremamente necessária. Políticos e partidos são parte essencial da democracia. Mas há uma forma de participarmos do jogo democrático sem nos tornarmos joguete dos políticos. Recusarmo-nos a brigar.
Não se trata da recusa em conversar sobre política nem de discutir o assunto. Pelo contrário, trocar ideias num ano de eleição é fundamental. A proposta é tão mais modesta quanto mais difícil: não bater boca.
Quando nós entramos nesse tipo de briga, seja com quem for, sem saber estamos fazendo exatamente o que os políticos querem. Ao gritar com o sogro, xingar o cunhado, ofender a irmã, indignados com o fato de eles simpatizarem com esse ou aquele candidato, estamos trabalhando para esse candidato que tanto rejeitamos. Ou alguma vez, depois de ouvir impropérios por parte de um amigo, você chegou à conclusão de que ele estava certo, que era melhor trocar de partido? É capaz de se lembrar de alguém que tenha conseguido convencer a mudar o voto na base do xingamento?
Pensando agora, de cabeça fria, parece óbvio. Mas no calor da hora não lembramos que ao escalar a conversa para a violência cada lado se aferra mais às suas convicções, o que só aumenta a adesão às suas crenças. O relacionamento fica estremecido, a amizade enfraquece e segue cada um para seu lado, mais certo que nunca que o outro está errado. Ou seja, quando se grita com alguém por causa do Bolsonaro ou do Lula, só quem ganha é o Bolsonaro ou o Lula. Você acha que seu parente está sendo manipulado por eles mas na verdade é você que está fazendo exatamente o que eles querem. Os marqueteiros são os primeiros a estimular esse clima de hostilidade. Engrossar garante votos. Para os outros.
Mesmo sabendo disso pode ser difícil estabelecer um canal de comunicação pacífico, no qual as diferenças possam emergir e ainda assim serem tratadas com tranquilidade.
Por coincidência minha resolução de ano novo para 2020, que também tornei pública no blog, é a de não brigar. Vinha pensando nisso no final do ano passado – focado mais nas relações domésticas do que na política, é verdade – mas acredito que ela possa nos ajudar nesse caminho de resistência. Ao longo do ano me debruçarei sobre formas de melhorar a comunicação e os relacionamentos, de desenvolver o diálogo. Tenho ciência de que recaídas fazem parte do processo e não pretendo escondê-las – porque o importante é conseguirmos acumular um saldo positivo. Mais tempo em paz do que em guerra no balanço final.
E a primeira ferramenta que quero aprender a usar é a comunicação não-violenta. Trata-se tanto de uma técnica como de uma postura de vida, que pode perpassar todos os âmbitos de nossa convivência. A ideia por trás dela é que nossas atitudes têm objetivo de suprir alguma necessidade, e que o recurso à violência se dá só quando não somos capazes de alcançá-las de outras formas. Se conseguirmos atentar para elas, poderemos evitar conflitos.
Voltarei ao tema em textos futuros, tanto para compartilhar o conhecimento que for adquirindo como meus sucessos e fracassos. Mas já deixo o convite a todos para embarcar nessa jornada. Se não para ter melhores relacionamentos, ao menos para não trabalhar de graça para os políticos de quem não gosta.
*DANIEL MARTINS DE BARROS É PSIQUIATRA
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