Redação, O Estado de S.Paulo
26 de janeiro de 2020 | 07h00
PARIS - A França, o país da moda, declarou guerra ao lixo. Nesta semana, uma lei contra o desperdício deve ser aprovada no Senado e enviada para a assinatura do presidente, Emmanuel Macron, que anda aflito para consolidar um legado ambiental. Ela afeta diretamente a indústria da moda, o segundo setor mais importante da economia, que movimenta € 150 bilhões por ano (R$ 700 bilhões). O governo vinha pisando em ovos, até a chegada de Brune Poirson.
“No início, achavam que eu era louca”, disse Brune. Oficialmente, ela comanda uma secretaria de Estado dentro do Ministério da Ecologia. Mas, extraoficialmente, é conhecida como “ministra da moda” da França. Aos 37 anos, ela ganhou um papel importante nas negociações envolvendo as ameaças de Donald Trump de impor tarifas sobre bolsas e outros artigos de luxo franceses.
No ano passado, Brune trabalhou pela aprovação da lei contra o desperdício, que proíbe as marcas de destruírem estoques que não foram vendidos. De acordo com uma prática comum na indústria da moda, anualmente, € 650 milhões (quase R$ 3 bilhões) em artigos de luxo são incinerados. Quando o texto for aprovado, o estoque terá de ser doado, reciclado ou voltar para o mercado – o que pode afetar o preço.
“Quando você é uma jovem no governo e decide enfrentar um tema como a moda, todo mundo parte para cima de você”, disse Brune. “É quase o fim de sua reputação. Se fosse política, me voltaria contra a energia nuclear ou algo assim. Mas acho que há mais o que fazer no campo da moda. Sei que temos de fazer alguma coisa a respeito”, afirmou.
Brune não é uma típica política francesa. “Ela tem uma missão muito importante para o governo e para a França”, afirma Pascal Morand, presidente da Federação da Alta-Costura e da Moda, que reúne marcas francesas. “Ela considera a moda fundamental e tem a determinação para promover a economia circular.” É assim que os franceses se referem à sustentabilidade.
Sentada à mesa em um canto de uma grande sala dentro do ministério, no Boulevard St. Germain, Brune não esconde sua impaciência com o esclerosado sistema de governo e das empresas, que funcionam da mesma maneira há décadas na França.
“Temos de mudar a forma de trabalharmos. Na política, é terrível o fato de que tudo leva tempo. Não porque seja difícil, mas porque as pessoas não querem mudar as coisas por razões mesquinhas”, disse. “Isso é deprimente. Às vezes, se você quer mudar as coisas, não pode depender da política.”
Nos três anos desde sua nomeação, Brune tem defendido a adoção de uma “economia circular” e redigiu o projeto da “lei de desperdício zero”. Além de proibir a incineração de produtos encalhados, o texto prevê o fim do uso de plásticos descartáveis a partir de 2021, proíbe microplásticos em cosméticos e obriga o uso de filtros em máquinas de lavar industriais.
Brune trabalhou com François-Henri Pinault, diretor do grupo Kering, de artigos de luxo, para definir os detalhes do chamado “Pacto da Moda”, uma iniciativa do setor para reduzir seu impacto ambiental. O documento foi assinado por 56 empresas, mas não pela LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton, conglomerado francês proprietário de 75 marcas. Mesmo assim, o projeto foi apresentado na reunião do G-7 em Biarritz, em agosto.
O pacto não é vinculante e foi criticado por ser ineficaz, porque não estabelece metas e deixa de lado o problema do consumo excessivo. “Bom, esta é a maneira francesa de abordar as coisas”, disse a secretária de Estado.
Desde criança, ela quis trabalhar na esfera pública. Mas, ao contrário de muitos políticos franceses, Brune não se formou na Escola Nacional de Administração. “Era um projeto”, contou. “Minhas raízes são realmente fortes. Sei exatamente de onde venho. Isto me dá força para ir a qualquer lugar do mundo.”
Luta por uma moda sustentável
Essa trajetória a levou para London School of Economics e depois ao Laos, onde passou um ano trabalhando com educação de meninas da minoria étnica hmong. Em 2008, em Nova Délhi, trabalhou para o Ministério da Informação e Inovação da Índia e para a companhia francesa Veolla.
Em 2016, estudou ciências políticas e sustentabilidade na John F. Kennedy School of Government, em Harvard. Com a eleição de Macron, Trump, o Brexit e nova maternidade, Brune decidiu voltar para a França. Ela diz que seus próximos passos “não envolvem a elaboração de leis, mas continuar a luta por uma moda sustentável” – ela conta que gostaria de criar um fundo de apoio a marcas de moda inovadoras para mudar o sistema de produção.
Outra ideia de Brune é revitalizar alguns setores da moda francesa, como o de renda, que hoje estão quase esquecidos. “Quero me voltar para áreas com um uma história têxtil forte e ver como podemos retornar à produção local. Acredito na chamada ‘dependência da trajetória’, quando um lugar é bom em uma coisa, acho que temos de retornar a ele e reconstruí-lo.” / NYT, TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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