quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Andrea, Luis Fernando Verissimo, O Estado de S. Paulo

Luis Fernando Verissimo, O Estado de S. Paulo
19 de janeiro de 2020 | 03h00

Estou apaixonado! Calma. É platônico, eu nem conheço a moça e a Lúcia aprovou. Mas vinha eu andando despreocupadamente, na medida que alguém pode andar despreocupado hoje em dia neste vale de sustos, pela internet, quando dei com uma banda tocando a todo volume. Uma afiada banda de jazz, profissionais experientes, maravilha – com uma única discrepância: ninguém na banda parecia ter mais do que 15 anos. Tratei de me informar sobre aquela aparição juvenil. Descobri que a orquestra era da Sant Andreu, uma escola municipal de música de Barcelona que aceita alunos de 7 a 20 anos e se apresenta regularmente, em concertos e excursões, em diferentes formações, de “big band” a pequenos grupos, muitas vezes com músicos convidados. A internet está cheia de sites deles. Fiquei saltando de um para outro, encantado. 
E então ela apareceu. Andrea Motis. Cantora, certamente formada na Sant Andreu, mas não apenas cantora. Ela também toca trompete e sax soprano, mas não apenas toca trompete e sax soprano. Toca trompete e sax soprano muito bem. Parece ser a artista principal dos grupos, embora o comum seja as formações se misturarem e ninguém ser estrela. E eu falei que ela é bonita? Pois ela, além de tudo, é bonita. Tem um jeito tímido de agradecer os aplausos. Quando sopra o trompete aparece uma covinha no lado da sua boca. E eu aqui sem saber de nada. Sem saber se ela já veio ao Brasil, se é casada ou solteira, se ainda tem fé na humanidade. Sem saber, meu Deus, da covinha no lado da sua boca, todos esses anos!
O repertório dos grupos é, principalmente, de clássicos do jazz e “standards” americanos, mas eles também tocam e cantam muitas músicas brasileiras, e a escolha pode ser surpreendente. Saudade da Guanabara, do Moacyr Luz, dá para acreditar? Sonho Meu, da Dona Ivone Lara. Desilusão, do Paulinho da Viola. Todas cantadas em português com um irresistível sotaque catalão. 
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A primeira visão que tive da Andrea foi uma gravação feita na rua, ela cantando Antonico, do Ismael Silva, um samba genial tristemente ausente dos repertórios de cantores nacionais. No fim, acho que foi isso que me emocionou, ouvir o Ismael Silva ecoando numa rua de Barcelona, pedindo uma viração pro Nestor. Na voz da Andrea, quem resistiria ao pedido?

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