Parlamentares de PT, PSOL e PTB apontam indícios de improbidade em uso de aeronaves para agendas casadas e caronas a aliados
SÃO PAULO
Deputados estaduais do PT, do PSOL e do PTB formularam pedidos ao Ministério Público paulista para que o governador João Doria (PSDB) seja investigado pelo uso de aeronaves que pertencem ao estado ou foram locadas pelo governo em 2019. Eles apontam indícios de improbidade administrativa.
As representações dos parlamentares têm como base reportagens da Folha que revelaram que o tucano combinou traslados para comparecer a compromissos oficiais com a participação em eventos de seu partido, o PSDB, e do Lide, grupo privado que fundou e do qual se afastou em 2016.
A gestão tucana contesta as denúncias e diz que elas "não possuem qualquer embasamento jurídico" (leia mais abaixo).
Levantamento do jornal com base no registro de voos, obtido via LAI (Lei de Acesso à Informação), mostrou que Doria fez 435 deslocamentos aéreos pagos com recursos públicos no ano passado.
A primeira-dama, Bia Doria, que preside o Fundo Social de São Paulo (braço do governo para assistência social) e também tem direito ao transporte aéreo, acumulou 22 voos feitos para atendê-la, sem contar as vezes em que embarcou como acompanhante do marido.
Trajetos feitos por ambos tiveram também caronas a aliados políticos e pessoas sem relação direta com a atuação no Executivo paulista. O governador, por exemplo, acomodou um cirurgião plástico que se apresentou como médico e amigo dele. A primeira-dama levou a irmã em duas viagens.
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A deputada Monica da Bancada Ativista (PSOL) protocolou nesta quinta-feira (16) no Ministério Público pedido de abertura de procedimento investigatório para apurar eventual ato de improbidade pelo tucano.
Ela afirmou no documento que o material mostra o uso de aeronaves destinadas à locomoção do governador para fins estritamente privados, com obtenção de vantagem indevida, violação do princípio da impessoalidade e desvio de destinação de bens públicos.
O Palácio dos Bandeirantes informou que não há ilegalidades na conduta do tucano e citou razões de segurança para justificar os deslocamentos. Um dos argumentos é que ações governamentais contra a facção criminosa PCC exigem proteção do governador e de seus familiares.
Segundo um decreto estadual de 2004, cabe à Casa Militar, órgão ligado ao gabinete do governador, zelar pela segurança do chefe do Executivo, da primeira-dama e de seus respectivos parentes.
Os protocolos do governo preveem que o meio de transporte usado pelo chefe do Executivo é determinado pela assessoria militar. Em alguns casos, a viagem é feita por via aérea e completado de carro.
Segundo a norma, os traslados do governador e da primeira-dama, "bem como, excepcionalmente, de secretários de Estado e agentes públicos a serviço", devem ser feitos "com ênfase na economicidade e na segurança".
O Ministério Público confirmou ter recebido o pedido de Monica, que faz parte de um mandato coletivo com outros sete codeputados. Por se tratar de fato diretamente ligado ao governador, a atribuição para determinar eventual apuração é do procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Smanio.
Outros três deputados preparam representações contra Doria e disseram que vão protocolá-las até segunda-feira (20): Paulo Fiorilo (PT), Carlos Giannazi (PSOL) e Campos Machado (PTB).
O pedido de Fiorilo fala em "uso excessivo de aeronaves pagas com dinheiro público para deslocamento de Doria e de seus familiares para atividades pessoais" e "excesso de atividades fora do Bandeirantes".
Dos 264 dias em que a agenda do chefe do Executivo registrou compromissos no território brasileiro, em 70 dias ele teve atividades só dentro do palácio. Nos 194 dias em que saiu, Doria recorreu a aeronaves para chegar até os destinos em 63,4% das vezes.
O petista questionou ainda o uso de voos pagos pelo governo para atividades do Lide —eventos que foram registrados em sua agenda pública— e para deslocamentos de Doria e Bia para aeroportos e helipontos onde embarcaram em voos particulares.
Giannazi também diz haver indícios de utilização das aeronaves por Doria para fins pessoais.
"Ele confunde equipamentos públicos com interesses privados do Lide e de seu partido e também com pretensões eleitorais, já que é pré-candidato a presidente da República e viajou para outros estados", afirma o deputado do PSOL.
Para Campos, há evidências de abuso e de prejuízo aos cofres públicos. Ele diz que reivindicará que Doria seja obrigado a ressarcir o estado caso fique comprovada na Justiça alguma irregularidade.
Em carta publicada na Folha nesta quinta-feira (16), o secretário particular do governador, Wilson Pedrosa, defendeu a legalidade dos deslocamentos e ressaltou "o ritmo intenso de trabalho de João Doria, com média diária de 15 horas".
Segundo Pedroso, o político "prestigia eventos do grupo Lide como representante do governo, assim como os de outras empresas". O governador passou o comando acionário do Grupo Doria (que detém o Lide) aos filhos em 2016, às vésperas de assumir a Prefeitura de São Paulo.
"Não preciso desse tipo de benesse de governo", disse Doria na quarta-feira (15), ao ser questionado em entrevista coletiva sobre os voos com aliados.
"O fato é que nós reduzimos em 33% a utilização de transporte aéreo em São Paulo, seja de helicóptero, seja de avião [na comparação com 2018]. Até porque, quando há deslocamentos de ordem pessoal, eu tenho meu avião, tenho meu helicóptero, e eu faço uso disso de maneira pessoal", afirmou.
O tucano é dono de um helicóptero Bell 429 com capacidade para oito pessoas. O governo disse que ele é "o primeiro governador do estado a custear voos de helicópteros com recursos próprios, por meio de sua aeronave pessoal". Não detalhou, porém, quais trechos foram percorridos no helicóptero dele.
Doria também lembrou que abriu mão da prerrogativa de morar no Palácio dos Bandeirantes, além de doar seu salário de governador a instituições beneficentes. "Não preciso de mordomia, não preciso de facilidade [do cargo]", afirmou.
A Folha mostrou que ele usou helicóptero do governo para sair de casa e voltar para sua residência, nos Jardins (zona oeste), inclusive no dia da campanha Sexta sem Carro, que estimula o uso de transportes alternativos.
O tucano também foi atendido por voos em feriados e para percorrer distâncias consideradas curtas na capital. Em 22 de outubro, para cumprir agendas no interior de São Paulo e em Brasília, ele chegou a fazer sete trechos em um só dia. O recorde foi igualado em 18 de novembro.
OUTRO LADO
Questionada sobre os pedidos dos deputados, a gestão Doria disse, em nota, que "obedece aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, elencados no artigo 37 da Constituição".
O Bandeirantes reiterou que o decreto estadual nº 48.526, de 2004, estabelece como atribuição da Casa Militar "planejar, organizar, dirigir e executar a segurança e o atendimento funcional do governador do estado e dignitários".
Disse ainda que cabe ao órgão "fiscalizar o uso de veículos oficiais do Poder Executivo estadual, preservando a moralidade e a economia públicas".
O comunicado do Bandeirantes comparou a norma estadual ao decreto federal que regula o transporte de autoridades em aeronaves da FAB (Força Aérea Brasileira) e afirmou que "a preponderância de critérios de segurança em transportes aéreos não é exclusividade da normativa paulista".
"Todas as viagens aéreas, sem exceção, em que o governador de São Paulo e demais dignitários utilizaram aeronaves públicas ou locadas pelo governo foram realizadas para cumprir compromissos funcionais e otimizar tempo de agenda de compromissos", acrescentou.
O governo reforçou que os traslados foram feitos também para preservar a segurança das autoridades, "em face ao enfrentamento de facções criminosas e redução drástica dos índices de criminalidade".
"Isto posto, qualquer representação puramente partidária e ideológica de parlamentares do PT e do PSOL a respeito da hipotética configuração de improbidade administrativa ou de peculato não possui qualquer embasamento jurídico", concluiu.
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