sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Tatiana Prazeres Com ajuda de ex-brasileiro, China quer ser potência no futebol, FSP

Ambições de Xi Jinping e desempenho constrangedor levaram a grande plano de investimento no esporte

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O líder chinês Xi Jinping, fã do esporte, expressou o desejo de que a China sedie e vença uma Copa do Mundo até 2050. Nesse caso, transformar o desejo em realidade não é trivial. Apesar da torcida do dirigente, o desempenho do futebol masculino segue sofrível. 
 
Segundo país em número de medalhas na Olimpíada do Rio, a China terminou 2019 na desconfortável 76ª posição no ranking da Fifa. O time feminino é muito melhor, mas também aqui o foco não está nelas.
Para acelerar a transformação do futebol masculino, autoridades chinesas fizeram em 2019 um movimento ousado para padrões locais. Pela primeira vez, concederam a nacionalidade do país a um jogador estrangeiro sem qualquer ascendência chinesa, para poder içá-lo à condição de atacante da seleção nacional.
E assim o brasileiríssimo Elkeson passou a se chamar Ai Kesen.
Ai Kesen (centro) se aquece
Ai Kesen (centro) se aquece antes da partida entre China e Síria em novembro de 2019 - Pan Yulong - 14.nov.2019/Xinhua
O assunto dividiu corações e mentes na China. O país é etnicamente muito homogêneo, com cerca de 90% da população da mesma etnia Han. Os chineses tendem a ser nacionalistas como poucos.
Jogador do Guangzhou Evergrande, Ai Kesen estreou na seleção chinesa em setembro. Foi curioso ver a equipe nacional da China perfilada para entrar em campo: sem nenhum traço chinês, o maranhense da cidade de Coelho Neto se destacava entre seus novos compatriotas.
Ai Kesen fez tudo direitinho. Cantou o hino chinês antes do jogo. Enrolou-se na bandeira chinesa depois da partida para cumprimentar a torcida. Entre uma coisa e outra, marcou dois gols numa partida em que o balanço geral dependia não apenas do placar.
É fato que o desempenho ruim da seleção nacional afeta o brio dos chineses, altamente patrióticos e grandes fãs de futebol. A pressão sobre Ai Kesen não será pequena. 
Se seu desempenho não atender às expectativas, muitos se apressarão em apontar o dedo para sua origem não chinesa. 
Com 1,4 bilhão de habitantes, o plano chinês para o futebol, por óbvio, não se limita a naturalizar jogadores estrangeiros. A parte mais importante dele consiste em cultivar talentos locais desde cedo.
Em 2020, a China vai renovar ou construir mais de 28 mil campos de futebol em escolas chinesas. Entre 2016 e 2020, o Ministério da Educação entregará 60 mil campos renovados ou construídos em toda a China. O governo designou 27 mil escolas como colégios vocacionados para o futebol; selecionou 160 distritos como zonas-piloto para promoção do futebol na escola.
A única vez em que a China se qualificou para uma Copa do Mundo foi em 2002, e dela se despediu sem marcar nenhum gol. Participar da Copa do Qatar já será uma vitória, e os chineses esperam contar com as graças de Ai Kesen para isso.
O caminho da China rumo à condição de potência do futebol masculino será longo —mas os estrangeiros podem encurtar o percurso. O equilíbrio é delicado. Se depender apenas da geração que está sendo formada, pode levar décadas para a China ascender à primeira liga do futebol. Por outro lado, uma seleção de jogadores sem vínculo algum com a China tampouco resolve a frustração nacional. 
Pragmáticos, mas não bobos, os chineses devem viabilizar mais naturalizações no futuro próximo —mas não muitas. Afinal, não é nada chinês ter que recorrer a estrangeiros para salvar a pátria.
Tatiana Prazeres
Senior fellow na Universidade de Negócios Internacionais e Economia, em Pequim, foi secretária de comércio exterior e conselheira sênior do diretor-geral da OMC.

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