Recém-nascidos não herdam a idade dos pais que os geraram, e a genética tem uma explicação para isso
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Hugo Aguilaniu
Hugo Aguilaniu
A inevitável pergunta das crianças, que às vezes pode nos deixar desconfortáveis, é a clássica “De onde vêm os bebês? Como eles são feitos?”. A melhor forma de responder sem chocar o curioso tem sido tema de debates fervorosos há muitas gerações.
Independentemente do que nós, adultos, respondemos, partimos sempre do pressuposto de que sabemos como são feitos os bebês. O sucesso evolutivo da espécie e o aumento contínuo da população mundial indicam claramente que a maioria de nós não ignora como proceder… Mas será que de fato entendemos como os bebês são “feitos”? Todos conhecemos os mecanismos biológicos que permitem que dois adultos gerem uma criança?
Dada nossa absoluta dependência deste processo, poderíamos imaginar que o compreendemos plenamente, porém não é bem assim. Milhares de equipes de pesquisa se dedicam ao estudo da fase de reprodução (como fazemos um ser a partir de dois?) e à fase de desenvolvimento (como passamos de uma célula para um ser complexo, altamente organizado?). E embora tenhamos o entendimento básico desses processos, um número significativo de questões fundamentais permanece sem resposta.
Tendo a genética do envelhecimento como tema central de minha pesquisa, me interessei por um aspecto em particular dessa grande discussão sobre os bebês. É fato sabido que os recém-nascidos não sofrem das doenças em geral associadas à velhice. Podemos afirmar que os bebês não são velhos —pelo contrário, são jovens “por definição”. Eu pergunto: Como assim? Como conseguimos criar um ser jovem a partir de dois seres que já não são tão jovens? Em outras palavras, qual é o processo, durante a reprodução, pelo qual a idade do filho é redefinida para zero?
Em 2003, um grupo de pesquisa do qual eu fazia parte na Universidade de Gotemburgo, na Suécia, utilizou um dos sistemas biológicos mais básicos para tentar responder a essa pergunta: observou um organismo unicelular simples —uma levedura de cerveja com o nome encantador de Saccharomyces cerevisiae. Assim como nós, este fermento envelhece e gera “descendentes” que não herdam sua idade. Queríamos visualizar um marcador de envelhecimento conhecido durante a reprodução para identificar o momento mágico em que a idade é redefinida.
Graças a estudos anteriores, sabíamos que um dos marcadores mais comuns eram as proteínas danificadas pela oxidação. Quanto mais velhos ficamos, mais as acumulamos. Ao desenvolver uma técnica que nos permite visualizar apenas essas proteínas, pudemos ver que, no momento da divisão celular que dá origem a uma “célula bebê”, essas proteínas foram retidas na célula mãe para permitir que a célula filha nascesse jovem. Um sacrifício materno em prol da espécie, poderíamos dizer.
De fato, se essa redefinição não ocorresse, os bebês nasceriam com a idade dos pais e, após algumas gerações, assistiríamos à diminuição da espécie.
Em 2010, ampliamos o alcance da pesquisa ao estudar o mesmo fenômeno em um organismo multicelular, muito mais complexo: um pequeno verme, o Caenorhabditis elegans, um nematoide de 1 mm de comprimento. Nele também pudemos identificar o momento chave de “reset” que precede a reprodução. No processo de transformação das células em óvulos, a célula materna, que se funde com o espermatozoide paterno para conceber a primeira célula bebê, passa por uma fase preliminar durante a qual sua oxidação é eliminada por meio de uma máquina celular chamada proteassoma.
Nós, humanos, ainda não sabemos como isso funciona. Há muitas perguntas e experiências por fazer para responder cientificamente a uma das questões mais básicas da humanidade: Como são feitos os bebês?
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Hugo Aguilaniu é biólogo geneticista e diretor-presidente do Instituto Serrapilheira
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