Para evitar que o absurdo se normalize, a cena convoca todos a denunciar obviedades
“Não sei o que esperar. Já foi ao astrólogo?”, ouvi de uma fonte, um dia desses, ao pedir uma leitura de cenário. Acabou o tempo em que habilidosos analistas podiam prever jogadas políticas e dizer que tal grupo forçaria um projeto ou bloquearia uma direção.
Na falta de uma dinâmica clara, vale qualquer aposta absurda. E a gente se vê obrigado a levantar bandeiras que até ontem mesmo eram obviedades pacíficas: contra o racismo, pela democracia, educação, ciência, cultura, meio ambiente, Amazônia. É tempo de defender o óbvio, justamente porque não podemos mais contar com ele.
O mundo atravessa complexas turbulências, e elas abrem rachaduras para questionar tudo o que esteja estabelecido. O chacoalhão nas estruturas pode, no médio prazo, abrir oportunidade para se empreender um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável. O risco, entretanto, é imediato: voltarmos algumas casas no entendimento sobre o que seria de inconteste interesse público —justamente agora, quando já estamos à beira do precipício imposto pelas crises climática e ambiental.
Temos, afinal, uma década para cortar pela metade as emissões de gases-estufa. O desafio convida a novos modelos de negócio, como a geração distribuída de energia solar —não surpreende, portanto, a resistência das distribuidoras brasileiras de energia contra o subsídio ao setor. Mais um item na lista de obviedades a serem defendidas: a energia do Sol.
O alvoroço que reúne tudo o que há de ultrapassado —de garimpeiros a terraplanistas— é comparável à galinha que segue andando e pulando após ter a cabeça cortada. A despeito da firmeza dos movimentos que podem convencer multidões, não há cérebro atuante.
Para evitar que o absurdo se normalize, a cena convoca toda a sociedade pensante a denunciar o óbvio: a galinha está sem cabeça, o rei está nu e a degradação ambiental já ameaça as gerações atuais —entre outras obviedades, hoje mais à sombra do que ao sol.
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