Com apoio de feministas, regra que proibiu a venda de bebida nos EUA entrou em vigor em 17 de janeiro de 1920
LOS ANGELES
“Moradores de Chicago celebraram os últimos momentos de um Estados Unidos úmido com uma comemoração mais ou menos tranquila em cafés e restaurantes, que durou até depois da meia-noite, sem restrições de oficiais da proibição.”
Publicado pelo jornal The New York Times em 17 de janeiro de 1920, o texto narra momentos que precederam a entrada em vigor da Lei Seca americana, há exatos cem anos. Em 1917, o Congresso havia aprovado a 18ª Emenda à Constituição, proibindo a produção e venda de bebidas alcoólicas no país. Após a meia-noite do dia 16, os EUA passavam oficialmente da umidade à secura.
Se a Proibição —como é conhecida a lei nos EUA— teve início em 1920, porém, suas raízes começaram a ser plantadas ainda no século anterior, com o surgimento de dois movimentos essenciais para sua aprovação: A União de Temperança Cristã da Mulher, criada em 1873, e a Liga Anti-Saloon, de 1893.
Considerada a principal força por trás da aprovação da Lei Seca, a Liga Anti-Saloon adotava como método de ação sua influência sobre políticos para aprovar regras que apoiava.
Enquanto a influente União de Temperança era ligada a causas feministas, como o direito ao voto para as mulheres —curiosamente conquistado também em 1920, com a 19ª Emenda—, sua principal plataforma era o ativismo contra o álcool, visto como uma droga capaz de tornar homens violentos e destruir famílias.
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Apesar de ambos os grupos exercerem pressão política na época, alcançando bons resultados em nível local, a lei não teria sido possível sem outros dois fatores cruciais.
O primeiro foi a cobrança de imposto de renda, aprovada em 1913, que reduziu a importância das tarifas comerciais na receita do governo —e, consequentemente, da indústria do álcool, então a quinta maior do país.
O segundo fator foi a entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial.
“A guerra uniu as reivindicações e criou um sentimento antigermânico, que resvalou nas cervejarias, muitas de origem alemã”, explica Aaron Cowan, professor de história da Universidade Slippery Rock, da Pensilvânia. “Criou-se a ideia do sacrifício pessoal, em que deixar de beber contribuiria com grãos para alimentar os soldados. Quando você se opunha à Lei Seca, era como se estivesse contra os jovens enviados à guerra.”
Mas se após isso a Lei Seca foi aprovada com maioria no Congresso americano, sua implantação permanece controversa até hoje.
Por um lado, enquanto esteve em vigor, ela foi bem-sucedida em reduzir o consumo de álcool no país, assim como doenças e acidentes associados a ele. A lei também ajudou a acabar com os saloons da época, considerados desonestos.
“Donos de saloons não eram bons cidadãos. Eles tinham o costume de empurrar bebida para clientes que já estavam bêbados e tentavam tirar dinheiro deles de todas as formas. As cervejarias controlavam o mercado e mantinham vários estabelecimentos num mesmo quarteirão, obrigando clientes a consumirem seu produto. Após o fim da Lei Seca, cervejarias foram proibidas legalmente de controlar o comércio de bebida”, conta William Rorabaugh, professor de história da Universidade de Washington.
Autor do livro “Prohibition: A Concise History” (Proibição: uma História Concisa, sem tradução para o português), Rorabaugh conta que outro legado importante da Lei Seca foi o aumento da fiscalização governamental sobre bebidas alcoólicas. “Antes da Proibição, as cidades distribuíam quantas permissões de venda quisessem, pois gerava mais dinheiro. Hoje, na maioria dos estados, existe um número limitado de licenças.”
A lei, no entanto, também gerou problemas que perduraram após seu final. O principal deles foi o aumento do crime organizado, que, a partir da segunda metade da década de 1920, passou a controlar praticamente toda a cadeia de produção e comércio ilegal de bebidas alcoólicas no país.
Em sua maioria, tratava-se de criminosos já envolvidos com atividades ilícitas, como jogos e prostituição, e que viram no álcool sua chance de fazer fortuna. No período, surgiram gângsteres famosos, como “Lucky” Luciano, Bugsy Siegel e o hoje lendário Al Capone, que comandava o crime na cidade de Chicago. Por muito tempo, eles agiram impunemente, pois o governo não investia o suficiente para impedir suas atividades.
“A aprovação da lei não foi acompanhada de verbas para garantir sua aplicação. O Congresso hesitou em oferecer o dinheiro necessário para conter a criminalidade”, aponta Cowan.
Para Mark Schrad, professor da Universidade Villanova, também na Pensilvânia, as tentativas de combate à crescente criminalidade no período deram origem a uma tendência de vigilância do Estado sobre os cidadãos. “Coisas como grampos autorizados pelo governo, plantados em suspeitos de atividades criminosas, nasceram durante a Proibição”, afirma.
Após a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, a indústria do álcool passou a ser vista novamente como uma potencial fonte de empregos e de receita para o governo. Em dezembro de 1933, a 21ª Emenda, que repelia o conteúdo da 18ª, foi aprovada pela maioria dos estados americanos, dando fim ao período da Proibição.
Mesmo com a nova lei, alguns estados mantiveram o veto por décadas. O Mississippi foi o último deles a legalizar o álcool, em 1966. No país, existem ainda hoje dezenas de “condados secos”, onde a venda de bebidas alcoólicas é proibida.
O fim da Lei Seca, segundo Cowan, também marcou uma mudança essencial na forma de enxergar o alcoolismo: de mal social, ele passou a ser visto como um problema de âmbito pessoal, que tem origem no indivíduo, e não no álcool em si. Essa nova visão teria dado origem a organizações como o Alcoólicos Anônimos, criado em 1935.
“É uma forma de pensar incrivelmente conveniente para as fabricantes de bebidas”, acrescenta.
Enquanto Cowan compara a Lei Seca ao fracasso da guerra às drogas, deflagrada pelo governo americano na década de 1970, Schrad traça um paralelo entre o fim da Proibição e a atual situação da maconha nos EUA, já totalmente legalizada em alguns estados.
“Em 1930, as pessoas razoáveis diziam: ‘Veja esses traficantes enriquecendo com bebida ilegal. Se a legalizássemos, regulássemos e taxássemos, poderíamos realocar toda essa verba para o governo, e ela seria usada para o bem comum”. É exatamente o mesmo argumento que está sendo usado hoje.”
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