domingo, 12 de janeiro de 2020

Marcos Lisboa Obscurantismo, FSP

Oferta de eletricidade pode ser um gargalo para a retomada do crescimento

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Os economistas usualmente enfatizam a existência de falhas de mercado para justificar as intervenções do governo. Pena que nem sempre alertem sobre os seus possíveis danos colaterais.
Aneel regula o setor elétrico e as regras para acessar a rede de transmissão e distribuição de energia no Brasil, cujo custo deveria ser rateado por todos os usuários do sistema. Em 2012, no entanto, a agência concedeu um benefício temporário a quem utilizasse painéis solares.
Nos anos seguintes, os beneficiários poderiam vender a energia que não utilizassem nos dias ensolarados, ou comprá-la quando precisassem, sem ter de pagar pelo uso da infraestrutura de compartilhamento da eletricidade.
O objetivo era incentivar a produção de energia solar. Nada como um subsídio para induzir o oportunismo.
Empreendedores passaram a utilizar grandes áreas distantes dos centros urbanos para construir painéis solares e fornecer energia, por meio de contratos criativos, para empresas como postos de gasolina ou redes de varejo. Algo como receber comida em casa sem ter que pagar pelo serviço de entrega.
Nada muito diferente do que já ocorre com a meia-entrada no cinema ou com a gratuidade nos ônibus. Alguns utilizam o serviço sem arcar com o seu custo, o que significa que o restante da sociedade se descobre arrimo de família, subsidiando os caroneiros.
Como boca-livre atrai gente, sobram menos consumidores das fontes tradicionais para arcar com o custo da infraestrutura, que são obrigados a pagar uma conta cada vez mais salgada.
No ano passado, a Aneel, cumprindo o previsto em 2012, realizou um debate público sobre essa política e concluiu que a energia solar deveria começar a pagar pelo uso da rede de distribuição, como fazem as demais fontes de eletricidade.
Compreende-se que os favorecidos pelo subsídio defendam a sua meia-entrada. Surpreende, porém, que muitos tenham caído no conto dos lobistas. “Taxar o sol, ô pessoal, já vai para o deboche”, disse o presidente da República.
O subsídio para a energia solar é apenas um dos muitos exemplos dos incentivos atrapalhados no setor elétrico. As regras do jogo induzem as empresas a adotar estratégias para obter benefícios tributários ou subsídios, em vez de incentivar a expansão eficiente da geração de energia.
O resultado é um sinal amarelo para os próximos anos. São muitos os indícios de que algo de grave está a ocorrer no setor elétrico brasileiro, como as falhas frequentes no fornecimento de energia, inclusive nas regiões urbanas mais desenvolvidas do país.
A oferta de eletricidade pode ser um gargalo para a retomada do crescimento.
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

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