quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

A política externa do governo Bolsonaro está no caminho certo? SIM

Houve avanços nas pautas econômica e política

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política externa é a vertente das políticas públicas caracterizada pela relativização do atributo da soberania. No espaço exterior, o contraste de poder entre os Estados exige transigir em relação à soberania e aos interesses dos demais. Os objetivos nacionais nem sempre podem ser alcançados em sua totalidade: a soberania terá que ser flexibilizada por meio da adesão a normativas compartilhadas, que redundem em ganhos individuais e coletivos ao longo do tempo. 
Cada país adota calendários próprios de rotação administrativa. Novas gestões definem sua agenda internacional conforme a hierarquia de valores e de prioridades que lhes pareçam pertinentes. Para ter eficácia, qualquer pauta governamental externa carece estar assentada sobre o trilho sólido e perene da razão estatal.
Alberto Pfeifer Coordenador-geral do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (GACInt) do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP)
O professor Alberto Pfeifer, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP) - Divulgação
No Estado democrático de Direito, a política externa deve guiar-se pelos princípios da legalidade e da legitimidade. A legalidade impõe cumprir a Constituição. A legitimidade reflete-se no seguimento do plano de governo e na efetividade: o êxito de cada movimento, ou de seu ajuste, valida o prosseguimento da abordagem adotada. Conforme a lei, uma política externa será eficaz se seus resultados estiverem coerentes às propostas de governo.
A avaliação objetiva da política externa deve focar no que ela é. Mensurá-la pelo que ela deveria ser é incorreto, do ponto de vista analítico. Avaliar o desempenho no ano inaugural da gestão demanda critério e cautela. Declarações e atos isolados requerem a compreensão de que os padrões de comunicação atuais facilitam o contato direto e instantâneo dos governantes com a população. Proliferam espaços de manifestação de veracidades efêmeras. Tomar um “tweet” ou uma fala improvisada pelo seu valor de face é, no mínimo, ingênuo.
Atente-se que o padrão geral de inserção internacional do Brasil transformou-se no início do século 21. Ao longo do século 20, a política externa foi baseada no consenso do crescimento autárquico. Sua função era a de limitar a ingerência do mundo sobre a capacidade de promoção da industrialização voltada ao consumo interno. A partir da eleição de Lula, sincronizou-se a ação externa ao ciclo eleitoral. O direcionamento permanente da razão de Estado subordinou-se à opção partidária legitimada pelas urnas. Surgiram iniciativas afastadas da neutralidade costumeira da diplomacia brasileira, conquanto dotadas de plena legitimidade democrática.
O governo de Jair Bolsonaro segue o padrão inaugurado por Lula. Bolsonaro propôs a condução liberal da economia, aprimorando o funcionamento da lógica de mercado e da livre iniciativa, e a redução do papel do Estado. Sua pauta político-social é de matriz conservadora, da primazia dos valores cristãos ocidentais, do combate ao comunismo e do enfrentamento da criminalidade e da corrupção. Sua postura nos foros multilaterais tem seguido essa orientação no campo dos comportamentos morais.
Dando-se o devido desconto do noviciado da gestão, a conclusão é que o encaminhamento é satisfatório. Houve avanços na pauta econômica e política. Nas relações internacionais, o único erro fatal é a irreversibilidade, que leva à cessação do diálogo e ao conflito. Atos equivocados mostraram-se reparáveis, tais como a postura açodada em relação à questão venezuelana e a mudança de sede da embaixada em Israel.
Da pauta ambiental, fustigada no episódio dos incêndios na Amazônia, ficou a lição de que vale mais a pena enfrentar os desafios com sobriedade e no seu devido tempo. Do balanço da ampla legalidade, da legítima coerência, da permeabilidade ao ajuste, pode-se esperar que, entre percalços e correções, a política externa seguirá no rumo certo dada a característica pragmática dos regimes democráticos contemporâneos.
Alberto Pfeifer
Coordenador-geral do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (GACInt) do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP)
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