Teria Jesus agredido ou lançado coquetéis molotov?
No discurso pronunciado em 27 de novembro de 1095, por ocasião do Concílio de Clermont, o papa Urbano 2º exortou os cavaleiros dos reinos ocidentais e a todos os cristãos para se unirem numa guerra com a intenção de recuperar a Terra Santa para o cristianismo. Dizia ele que seria necessário proteger o Santo Sepulcro dos ataques muçulmanos.
Com perspicácia, Urbano 2º convenceu os europeus a participarem daquela (denominada) “Guerra Santa”, apelando para motivações religiosas, declarando que quem participasse das Cruzadas seria perdoado dos pecados com o seu lugar no céu assegurado —e para os instintos ambiciosos da sociedade, ao afirmar que a Terra Santa era mais rica que as terras superpopulosas da Europa.
Com tais argumentos, não foi difícil a Urbano 2º recrutar uma multidão de adeptos, para aquela que talvez tenha sido a face mais belicosa do cristianismo ao longo de toda a história e que se caracterizou como um movimento para além do que entendeu-se ser “defesa de Cristo”.
Passados quase mil anos, muitos cristãos, ao que tudo indica, tornaram-se herdeiros desse espírito de “cruzado”. Como exemplo, vimos recentemente uma “guerra santa”, a pretexto de “defender-se a honra de Cristo”, que fora declarada aos integrantes do Porta dos Fundos, em função da exibição do “Especial de Natal” do grupo pela Netflix.
E é desse comparativo entre o cenário pretérito da história do cristianismo e o que sucede nos dias de hoje que tem se ambientado em mim um contínuo incômodo com a pueril atitude de certos grupos evangélicos, que parecem querer reeditar as Cruzadas de Urbano 2º. Tal incômodo, contudo, não deve ser confundido como sendo minha aprovação para a equivocada maneira como o Porta dos Fundos dramatizou a imagem de Cristo. Longe disso!
Todavia, esse legítimo descontentamento, meu e de muitos, não dá a mim nem a ninguém qualquer direito de atirar a primeira ou a última pedra nos que divergem da forma como pensamos ou cremos. Aliás, foi o próprio Cristo quem nos ensinou, ao desafiar a sociedade do seu tempo, a atirar pedras somente aqueles que não ostentassem pecado e ver a imediata deposição das pedras manejadas por aqueles a quem desafiou.
Noutro momento, quando teve oportunidade de se defender frente à acusação de Pilatos, manteve-se a maior parte do tempo calado. E, quando falou, já na cruz, foi para proclamar o célebre pedido: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!”. A verdade é que o ensinamento de Jesus sempre foi pautado no amor. E assim Ele sintetizou o decálogo mandamental, dizendo: “Amarás ao Senhor teu Deus...e ao teu próximo como a ti mesmo”.
A Bíblia ainda nos ensina: “Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar seu irmão, é mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê”.
E é ante esse quadro desolador que se impôs que o meu sentimento é o de que as Cruzadas, cujo papa Urbano 2º foi precursor, continuam mais vivas do que nunca no coração de alguns daqueles que se intitulam seguidores de Cristo. E isso causa-me espanto, uma vez que sob a égide de “advogados de Cristo”, muitos agem e reagem completamente a reboque dos seus ensinamentos.
Deixo, pois, como reflexão ao leitor, e principalmente aos cristãos, os seguintes questionamentos: ao se deparar com o “Especial de Natal” do Porta dos Fundos, teria Jesus partido para agressão nas redes sociais? Estaria Ele arremessando pedras ou coquetel molotov em seus integrantes? Por certo que não!
Portanto, aos seguidores de Jesus ainda seduzidos pela velha natureza, estimulo para que ajam como nos ensina a Bíblia: “Não paguem a ninguém o mal com o mal. Procurem agir de tal maneira que vocês recebam a aprovação dos outros. No que depender de vocês, façam todo o possível para viver em paz com todas as pessoas”.
Já aos integrantes do Portas dos Fundos, asseguro que vocês são alvos do genuíno amor de Cristo, e também do amor daqueles que seguem a Jesus verdadeiramente.
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