A morte de Terry Jones faz lembrar do humor iconoclasta do Monty Python
Uma das mentes brilhantes do Monty Python, Terry Jones (1942-2020) dizia que contou a sua primeira piada aos quatro anos. Estava à mesa com a família e a avó perguntou se ele queria pudim. Em vez de estender o prato, ele estendeu o jogo americano. Distraída, a avó despejou o doce sobre a mesa.
Em vez de risos e aplausos, Jones ouviu um coral de sermões. E aprendeu o seguinte: “Comédia é um negócio perigoso. Quando as pessoas acham a piada engraçada, tudo bem. Caso contrário, ficam bravas. É como se ficassem ressentidas por você tentar fazê-las rir e fracassar. Ninguém sai de uma apresentação medíocre de ‘Hamlet’ fervendo de raiva porque a peça não comoveu. Mas ai do espetáculo de comédia que não surtir risos!”.
Com Michael Palin, John Cleese, Eric Idle, Terry Gilliam e Graham Chapman (1941-1989), Jones ajudou a criar o programa que alterou conceitos sobre humor na televisão. “Monty Python’s Flying Circus” foi ao ar entre 1969 e 1974 na BBC. São apenas quatro temporadas, num total de 45 episódios, atualmente disponíveis na Netflix. Vale maratonar.
No livro “Monty Python - Uma Autobiografia Escrita por Monty Python”, publicado originalmente em 2003 e lançado no Brasil em 2018 (editora Realejo), Jones sublinha o papel fundamental da TV pública inglesa no nascimento do programa.
“Nossa forma de parodiar a televisão era cuspir no prato que comíamos. Em retrospecto, a BBC foi muito generosa conosco, permitindo o programa. Foi brilhante. Nenhuma outra organização teria deixado o Python impune. Mas, ao mesmo tempo, eles nos enrolavam. A BBC não gostava do programa, o tirou do ar. Isso causou muito ressentimento.”
Encerrada a série, o grupo fez quatro filmes. Um deles, o genial “A Vida de Brian” (1979), dirigido por Jones, foi muito citado nesta semana nos obituários do artista. Não por acaso, é claro, pois a pregação sobre intolerância religiosa do filme segue mais atual do que nunca.
“Sabíamos que a trama seguiria, vagamente, a história de Cristo, mas ficou claro logo de cara que não seria sobre a vida de Cristo, isso não é piada. Piada é um cara pregar paz e amor, e homens passarem dois milênios se matando porque o interpretaram mal”, conta Jones no livro sobre o grupo.
Na cena antológica, relembrada até no Jornal Nacional na quarta-feira (22), a mãe de Brian, vivida por Jones, vai à janela de casa pedir para o povo parar de reverenciar o filho. “Ele não é o Messias. Ele é um garoto muito levado!”
O filme, disponível na Netflix, provocou protestos em muitos lugares, inclusive na Inglaterra e nos Estados Unidos, e chegou a ser proibido em alguns países, como Itália e Noruega. Segundo Jones, na vizinha Suécia, o longa foi divulgado assim: “Um filme tão engraçado que foi banido na Noruega!”.
Michael Palin resumiu: “Sentimos que subimos um degrau com ‘A Vida de Brian’. Abordamos assuntos difíceis e controversos, mas o filme era fundamentalmente sobre os alicerces da comédia do Python, sobre resistir às pessoas que ditam o que você deve fazer e como deve se comportar”.
Nas comemorações dos 40 anos de “A Vida de Brian”, no ano passado, Terry Gilliam disse ao The Guardian: “Fiquei muito orgulhoso por termos conseguido tanta reação. Eram as pessoas que buscávamos, aqueles que seguem cegamente ditames religiosos e não pensam por si mesmos”.
Ainda Gilliam: “Fizemos isso há 40 anos, mas é tão aplicável ao nosso mundo agora. O que quer dizer que o mundo nunca muda de verdade, ou fica mais absurdo”. E completa: “A única diferença agora é que as pessoas perderam muito do senso de humor que tinham quando fizemos o filme”.
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