domingo, 8 de julho de 2018

Diz aí, vai, quem ganhou?, FSP

Você, habitante do futuro, sabe quanto foi Brasil x Bélgica, enquanto eu não

Meu deadline para a crônica deste domingo é sexta-feira, três horas da tarde. O deadline para o Brasil nas quartas de final é sexta-feira, cinco horas da tarde —mais meia hora de prorrogação, em caso de empate, mais os pênaltis, em caso de enfarte.
Assim sendo, você, habitante do futuro, sabe quanto foi Brasil x Bélgica, enquanto eu, nesta prisão de pigmento e celulose, não —e a menos que nas próximas horas surja um DeLorean deixando uma freada de fogo nos tacos da sala e Marty McFly desça pra me dar um spoiler, terminarei o texto ignorando se ganhamos ou perdemos. 
Curioso pensar como podem ser distintos os jornais de amanhã (mais conhecido por vocês como "ontem"). Se vencermos —e vencermos bem—, colunistas como eu decretarão que é uma nova fase no futebol brasileiro, que o jogo coletivo do Tite dá harmonia aos talentos individuais, que o país deveria se espelhar na seleção; não faltarão aqueles que verão, no bom momento do time, a possibilidade de melhora em outros campos. 
Já se perdermos, especialmente se tomarmos um chocolate belga, nos regozijaremos chafurdando na lama da desesperança, duzentos milhões de Neymares estrebuchando sob o pisão do destino: "Esse país é uma droga", "nada nunca vai dar certo", "vou-me embora pra Pasárgada", "a solução é alugar o Brasil".
Não vejo exagero em qualquer uma das visões. Sou escritor. Trabalho com metáforas e metonímias. Acredito no futebol oráculo, no ludopédio Tirésias, estou até hoje tentando interpretar o 7 x 1 de Delfos.
Nada me tira da cabeça que aquela goleada destampou uma caixa de Pandora nacional, foi um refluxo cultural cujo amargor seguimos sentindo na boca. Quatro gols em seis minutos pariram um buraco negro que engoliu a economia, a política, a esperança. Klose, aos 23', instaurou a recessão. Kroos, aos 24' e 26', sacramentou Eduardo Cunha. Khedira, aos 29', abriu caminho pro Bolsonaro. Mas tenho esperanças, meu amigo, sentado aqui na cômoda poltrona de antanho, ignorando alegremente o que o destino nos reserva, tenho esperanças de que as engrenagens desparafusadas pelos gols, pelos gols hão de voltar pros eixos.
Não, não é ingenuidade minha. Os marxistas acreditam que a economia é o motor da cultura, que as relações de produção expelem o pensamento de uma época como um carburador expele fumaça. 
Max Weber é mais poético. A cultura é uma espécie de nuvem que emana de inúmeras evaporações. Uma nuvem capaz de se mover pelo espaço e pelo tempo, fazendo chover ideias aqui e ali, irrigando a realidade. O futebol é um vaporzinho nesta nuvem. 
Meu tio avô dizia que "desmantelo só quer começo", por isso não deixava uma lâmpada queimada, uma calota rachada, um pente desdentado sobre a pia do banheiro: consertava tudo correndo, antes que o desmantelo se instalasse. Concordo com ele. Mas o reerguer-se também pode começar assim, por acaso. Uma música no rádio. O telefonema de um amigo. Uma vitória na Copa. Quem sabe? 
Se eu achasse que o futebol não tem qualquer importância não estaria agora, às 14:58 da sexta-feira, molhando o teclado com o suor dos meus dedos. Parafraseando o oráculo Nelson: sem esperança não se chupa nem um Chicabon. Ou um moules-frites. (Diz aí, vai? Quem ganhou?).
Antonio Prata
Escritor e roteirista, autor de “Nu, de Botas”.

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