quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Barroso vai conduzir o Supremo em cima de uma corda bamba, Bruno Boghossian, FSP

 Luís Roberto Barroso tem uma visão do Supremo que soa como pesadelo para críticos do chamado "ativismo judicial". Há tempos, ele sustenta que o tribunal deve ser contramajoritário, representativo e iluminista. Em outras palavras, pode se contrapor a decisões de políticos eleitos, atender a demandas sociais quando há omissão desses mesmos políticos e impulsionar avanços civilizatórios que desafiem certos consensos.

O ministro procurou modular o alcance desses princípios ao assumir o comando do STF num momento de particular tensão no entorno do tribunal. O discurso de posse foi uma tentativa de reafirmar os três pilares, acrescentando um complacente passo atrás para evitar um conflito prematuro com o Congresso.

Barroso fincou estacas ao defender a autoridade de um STF visto por suas contrapartes em Brasília como Poder inchado. Destacou que a Constituição oferece essa atribuição e encenou uma bravura pouco convincente (a partir de sua própria experiência na corte) ao dizer que "a virtude de um tribunal jamais poderá ser medida em pesquisa de opinião".

Na sequência, como se buscasse afastar uma certa arrogância, o ministro ofereceu uma corte permeável. Disse ser imperativo agir "com autocontenção e em diálogo com os outros Poderes e a sociedade". Se o aceno foi necessário, também posiciona o STF num terreno movediço entre a responsabilidade e a rendição diante de pressões externas.

A insatisfação de parlamentares com decisões recentes do Supremo e a ameaça de restringir a atuação do tribunal estão no foco dos sinais emitidos por Barroso. Ainda que estenda a mão, o ministro já apontou, no passado, que o STF é mais progressista do que o Legislativo porque o Congresso sofre influência excessiva do poder econômico, que distorce sua representação.

Para evitar novos desgastes, Barroso talvez entre em conflito com suas próprias convicções. "Na vida, nós estamos sempre nos equilibrando. Viver é andar numa corda bamba", resumiu, ao fim do discurso.

Barroso prega harmonia entre Poderes e acena a militares e minorias em posse no STF, FSP

 O ministro Luís Roberto Barroso foi empossado como novo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) nesta quinta-feira (28) com acenos a militares e minorias e pregando a harmonia entre os Poderes em um momento de pressão do Legislativo sobre a corte.

Barroso afirmou que as Forças Armadas não sucumbiram ao golpismo, rebateu a ideia de "ativismo do Judiciário" e defendeu uma pauta progressista, embora tenha rejeitado esse rótulo, dizendo que são "causas da humanidade".

O ministro Luis Roberto Barroso, que tomou posse como presidente do STF - Pedro Ladeira/Folhapress

O ministro assumiu a presidência do STF, em substituição a Rosa Weber, que completará 75 anos, a idade limite para atuar na corte.

A cerimônia de posse contou com a presença do presidente Lula (PT) e dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, respectivamente Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Também estavam presentes os três nomes tidos como favoritos para ocupar a vaga de Rosa Weber. Sentaram-se lado a lado os ministros Flávio Dino (Justiça) e Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) e o presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), Bruno Dantas.

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Na abertura, Maria Bethânia cantou o hino nacional brasileiro. Ela ainda atendeu a um pedido de Barroso e, ao final, interpretou a música "Todo sentimento".

Em discurso de posse, Barroso afirmou que as "instituições venceram" no Brasil os momentos de sobressalto vividos pela democracia por aqui e em diferentes partes do mundo. E nesse momento fez um aceno às Forças Armadas.

"Em todo o mundo a democracia constitucional viveu momentos de sobressalto, com ataques às instituições e perda de credibilidade. Por aqui, as instituições venceram tendo ao seu lado a presença indispensável da sociedade civil, da imprensa e do Congresso Nacional", afirmou o novo presidente do STF.

"E justiça seja feita: na hora decisiva, as Forças Armadas não sucumbiram ao golpismo", completou.

A referência aos militares acontece num momento em que se discute seu papel em articulações para uma ruptura democrática, suspeita reforçada pela delação premiada do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), o tenente-coronel Mauro Cid.

Cid disse à Polícia Federal que Bolsonaro consultou a cúpula militar, no fim de 2022, sobre um decreto para convocar novas eleições. Segundo ele, o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, se manifestou favoravelmente ao plano golpista, mas não houve adesão do Alto Comando das Forças Armadas.

Barroso assume a presidência do STF em meio à tensão entre os Poderes Judiciário e Legislativo, com acusações de invasão de competência. Um dos principais estopins para a crise foi a análise do marco temporal, assunto que também estava em tramitação no Congresso Nacional.

Na quarta-feira (27), em votação relâmpago, o plenário do Senado aprovou o projeto de lei do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, menos de uma semana após a tese ter sido derrubada em decisão do STF. Em outra frente, deputados liderados pela bancada ruralista chegaram a obstruir os trabalhos na Câmara para pressionar a corte e Lula.

Como ministro do STF, Barroso já enfrentou críticas no Legislativo sob a acusação de invadir a competência de outros Poderes. Em abril de 2021, por exemplo, determinou a instalação da CPI da Covid no Senado, tornando-se um dos principais desafetos do bolsonarismo.

Durante o seu discurso, o novo presidente do Supremo combateu a visão da existência de um "ativismo judicial" no Brasil. Justificou que se trata apenas do desenho institucional dos Poderes brasileiros. Afirmou que em nenhum outro país do mundo a corte suprema é chamada a se posicionar sobre uma tão variada gama de assuntos.

"Incluir uma matéria na Constituição é em larga medida retirá-la da política e trazê-la para o direito. Essa é a causa da judicialização ampla, da vida no Brasil. Não se trata de ativismo, mas de desenho institucional. Nenhum tribunal do mundo decide sobre tantas questões divisórias da sociedade", afirmou.

Barroso então acrescentou que a atuação de um tribunal não pode ser medida com base na posição popular.

"Contrariar interesses e visões de mundo é parte inerente de nosso papel. Sempre estaremos expostos a críticas e à insatisfação, e isso faz parte da vida democrática. Por isso mesmo a virtude de um tribunal jamais poderá ser medida em pesquisa de opinião", completou.

Nesse momento, Barroso se dirigiu a Lira e a Pacheco, ressaltando a independência de cada Poder brasileiro. "Numa democracia não há Poderes hegemônicos. Garantindo a independência de cada um, conviveremos em harmonia, parceiros institucionais pelo bem do Brasil."

O pedido de harmonia também acontece após os frequentes debates que existiram ao longo do mandato de Bolsonaro, que manteve uma retórica hostil ao Supremo, atacando diretamente os seus ministros.

Barroso defendeu uma agenda mais progressista para o Supremo, em defesa das minorias. Essa pauta ganhou destaque recentemente com a ministra Rosa Weber, que pautou, além do marco temporal, a descriminalização do aborto e do porte pessoal de maconha.

"Há quem pense que a defesa dos direitos humanos, da igualdade da mulher, da proteção ambiental, das ações afirmativas, do respeito à comunidade LGBTQIA+, da inclusão das pessoas com deficiência, da preservação das comunidades indígenas, são causas progressistas. Não são", afirmou o ministro.

"Essas são as causas da humanidade, da dignidade humana, do respeito e consideração por todas as pessoas. Poucas derrotas do espírito são mais tristes do que alguém se achar melhor do que os outros."

Barroso está há dez anos no Supremo. Ele foi presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em meio à escalada de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas.

Em 2021, as Forças Armadas foram incluídas na lista de entidades fiscalizadoras da eleição, por decisão de Barroso. A medida, cujo objetivo era reduzir as manifestações golpistas de Bolsonaro, foi vista na cúpula do Judiciário como um tiro no pé, já que a atuação dos militares deu mais munição para o ex-presidente atacar as urnas e criar desconfiança no processo eleitoral.

Nesta semana, o TSE decidiu por unanimidade retirar as Forças Armadas dessa lista.

Natural de Vassouras, no Rio de Janeiro, Barroso foi indicado pela então presidente Dilma Rousseff (PT) e passou a integrar o Supremo em junho de 2013, ocupando o lugar vago deixado por Carlos Ayres Britto.

O ministro citou Dilma em seu discurso, afirmando que ela o indicou para o Supremo "da maneira mais republicana" e "não pediu, não insinuou, não cobrou".

Em nome do STF, discursou na cerimônia o ministro Gilmar Mendes, com quem Barroso tem um histórico de atritos públicos em sessões da corte. O novo presidente do STF chegou a afirmar, há cinco anos, que Gilmar era a "mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia".

Nesta quinta, os dois trocaram afagos e chegaram a se abraçar.

Embora não citasse Bolsonaro, Gilmar enviou diversos recados em sua fala contra ameaças golpistas e relembrando os ataques aos membros da corte. Afirmou que o Supremo suportou, "durante um par de anos, as ameaças de um populismo autoritário desprovido de qualquer decoro democrático". Ainda disse ainda que a cerimônia da posse de Barroso, "torna palpável a certeza de que o STF sobreviveu".