sexta-feira, 6 de junho de 2025

Veículos elétricos chineses ultrabaratos estão assustando a própria China, FSP

 A capacidade da China de fabricar veículos elétricos (VEs) a baixo custo tem causado angústia em países com grandes montadoras, levando governos a investigar os subsídios chineses para o setor e a erguer barreiras comerciais.

Agora, porém, é o próprio governo chinês que está preocupado com o preço baixo dos VEs de seus produtores. O setor tornou-se emblemático de alguns dos problemas mais amplos que a economia enfrenta.

Em 23 de maio, a maior fabricante de VEs da China, BYD, causou comoção quando reduziu o custo de 22 modelos elétricos e híbridos. Agora, o preço inicial de seu modelo mais barato, o Seagull, caiu para apenas 55.800 yuans (US$ 7.700 ou R$ 43,1 mil). A medida ocorreu apenas dois anos depois que a BYD havia originalmente lançado o hatch elétrico, a um custo então surpreendentemente baixo de 73.800 yuans.

A imagem mostra uma linha de montagem de automóveis em uma fábrica. Vários carros em estágios diferentes de montagem estão visíveis, com a carroceria prateada exposta. Funcionários estão trabalhando na montagem, com algumas peças e ferramentas ao redor. O ambiente é bem iluminado e organizado, com equipamentos industriais ao fundo.
Linha de produção de carros na fábrica da Zeekr, na China - Hector Retamal/AFP

A medida mais recente gerou preocupação oficial sobre até qual patamar os preços poderiam cair no maior mercado automobilístico do mundo. Em 31 de maio, o ministério da indústria da China disse à agência de notícias Xinhua que "não há vencedores na guerra de preços, muito menos um futuro."

O ministério prometeu conter a concorrência predatória, que, segundo ele, prejudica o investimento em Pesquisa e Desenvolvimento e pode causar problemas de segurança. Em 1º de junho, o People's Daily, porta-voz do Partido Comunista, argumentou que produtos de baixo preço e baixa qualidade poderiam prejudicar a reputação dos produtos "made in China".

A reação negativa ocorre em um momento em que os líderes reprimem a competição improdutiva e autodestrutiva entre empresas e governos locais, que criou excesso de capacidade e reduziu os lucros. Suas ações fazem parte de um esforço mais amplo para reequilibrar a economia. "Desenvolvimentos recentes sugerem que o antigo modelo orientado pela oferta permanece intacto", escreveu Robin Xing, economista-chefe da Morgan Stanley para a China, em uma nota.

As ações da BYD caíram após os cortes de preços e os pronunciamentos oficiais, em meio a preocupações de que a guerra de preços será insustentável. Mas para manter a participação de mercado, outras montadoras cortaram seus próprios preços.

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Wei Jianjun, presidente da Great Wall Motor, uma das maiores, chamou o setor de insalubre e invocou o colapso do mercado imobiliário como um alerta. Um executivo da BYD respondeu que os comentários do Sr. Wei eram "alarmistas".

A situação é agravada pelo fato de que existem 115 marcas chinesas de VEs, de acordo com a Jato Dynamics, uma empresa de pesquisa. Apenas algumas, incluindo a BYD, ganham dinheiro e devem sobreviver a longo prazo.

Guerras de preços brutais são uma aflição comum em diversos setores chineses. Até o final do terceiro trimestre do ano passado, quase 25% das empresas listadas da China estavam no vermelho, mais do que o dobro da proporção de cinco anos atrás.

PÂNICO EM DETROIT

A consolidação levará tempo e será dolorosa. A BYD está bem posicionada, dada sua escala e integração vertical. A empresa controla tudo, desde direitos de mineração de minerais necessários para construir suas próprias baterias até navios de carga para transportar seus carros para mercados estrangeiros. Em novembro, despertou temores de uma competição ainda mais feroz quando pressionou fornecedores a cortar preços em 10%.

Os fornecedores podem agora ser ainda mais pressionados. Isso poderia significar demissões e menos dinheiro para os trabalhadores do setor automobilístico gastarem, em um momento em que o governo está enfatizando a necessidade de impulsionar a fraca demanda doméstica para ajudar a absorver o choque da guerra comercial com os Estados Unidos.

Um mercado cada vez mais difícil em casa alimentará as exportações de carros chineses. A Reuters relata que a BYD planeja vender mais da metade de seus carros no exterior, especialmente na América Latina e na Europa, até 2030. Isso seria um grande salto. A China respondeu por cerca de 90% das 4,3 milhões de vendas de carros da empresa no ano passado.

Mas os preços mais altos que os VEs comandam no exterior poderiam compensar as margens cada vez menores na China. E está fazendo progressos apesar dos ventos contrários comerciais mais fortes. Em abril, apesar das tarifas aumentadas da UE sobre VEs chineses, a BYD vendeu mais deles na Europa do que a Tesla, uma rival americana, pela primeira vez, de acordo com a Jato Dynamics.

Embora a guerra de preços esteja em seu pior momento na China, suas ramificações serão sentidas em todo o mundo. VEs mais baratos seriam um lado positivo, mas isso será pouco conforto para governos já ansiosos com a China exportando excesso de capacidade para seus mercados. Mais tensões comerciais são inevitáveis.

Alexandre de Moraes aplica entendimento do STF sobre revisão da vida toda para liberar processos, FSP

 Ana Paula Branco

São Paulo

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes votou, nesta sexta-feira (6), por acolher os embargos de declaração do no julgamento da revisão da vida toda do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) —processo do qual é relator.

Embora tenha posição pessoal divergente, o ministro aplicou o novo entendimento fixado pelo Plenário do STF, revogando a tese anterior do Tema 1.102 e determinando a retomada dos processos que estavam suspensos. Com isso, as ações judiciais sobre esse tema podem seguir normalmente, mas sob o novo entendimento consolidado do STF: de que a revisão da vida toda não é possível.

Quem tem processo na Justiça não deve ter o direito à correção reconhecido em virtude da decisão de inconstitucionalidade já proferida pelo STF. Embora o mérito da revisão da vida toda já tenha sido derrubado, o julgamento atual foca no que vai acontecer agora com os processos.

O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes - Gabriela Biló/Folhapress

Para o advogado especialista em direito previdenciário Fernando Dias Gonçalves, em seu voto Moraes defende que as pessoas que receberam a revisão, por meio de processos individuais ou coletivos, não tenham que devolver o valor pago na correção. "É uma decisão que atende aquilo que ficou coerente com as decisões das ADIs, e também fez justiça com os aposentados, porque houve uma mudança de entendimento [do Supremo]."

O STF retomou nesta sexta o processo sobre a revisão da vida toda do INSS em plenário virtual. Moraes foi o primeiro a apresentar seu voto no julgamento que deve colocar fim à ação judicial que pede a inclusão no cálculo da aposentadoria de contribuições feitas em outras moedas, antes do Plano Real.

O ministro e relator declarou as alegações da parte embargante "prejudicadas". Isso significa que as questões levantadas nos embargos perderam seu objeto ou relevância diante de um desenvolvimento posterior no próprio STF.

Moraes se refere ao julgamento de duas ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) que, ao serem analisadas pelos ministros em março de 2024, derrubaram a possibilidade de revisão, aprovada na corte em 2022.

O resultado dessas ADIs foi a declaração da constitucionalidade do artigo 3º da lei nº 9.876/1999. Essa lei, de 1999, que introduziu a regra de transição para o cálculo dos benefícios previdenciários, é considerada "cogente", ou seja, de aplicação obrigatória, não permitindo exceções. Com isso, o segurado do INSS que se enquadra nessa regra não pode optar pela regra definitiva prevista no artigo 29, incisos 1 e 2, da Lei nº 8.213/1991, mesmo que lhe fosse mais favorável.

O voto de Moraes também incorporou a modulação dos efeitos da decisão tomada nas ADIs, que estabeleceu que os aposentados que já haviam recebido valores decorrentes da revisão da vida toda até 10 de abril de 2025 não precisarão devolvê-los ao INSS e isentou todos os segurados que ainda tinham processos judiciais em andamento da responsabilidade por despesas com honorários, custas e perícias contábeis.

O julgamento do tema 1.102 —o processo que deu origem ao debate sobre a revisão da vida toda no Supremo— prossegue no plenário virtual. Neste formato de julgamento, os ministros têm até as 23h59 do dia 13 de junho para depositarem seus votos a qualquer momento e não há debates. Essa modalidade permite que os ministros registrem suas decisões de forma eletrônica.

Os ministros, no entanto, ainda podem solicitar vista, o que concede mais prazo para analisar o processo, ou pedir "destaque", que leva a ação para julgamento no plenário físico, onde há debates orais. Contudo, o pedido de destaque é considerado improvável por especialistas, visto que essa solicitação já havia sido feita pelo ministro Alexandre de Moraes anteriormente, resultando no desmarcar de um julgamento presencial.

A revisão da vida toda é uma ação judicial que buscava incluir, no cálculo da aposentadoria, as contribuições feitas antes de julho de 1994, período anterior ao Plano Real, quando as contribuições eram feitas em outras moedas.

Embora aprovada pelo STF em 2022, a tese foi derrubada em março de 2024, quando o Tribunal, por 7 votos a 4, declarou sua inconstitucionalidade. A expectativa é que o julgamento atual se concentre na modulação dos efeitos, mantendo a regra de que quem já recebeu os valores não precisará devolvê-los ao INSS, mas sem reverter a decisão de mérito sobre a inconstitucionalidade da revisão.

Quando a comparação se torna veneno, FSP

 Deborah Bizarria

O caso da jovem que confessou ter envenenado colegas de classe em São Paulo chamou atenção não apenas pela brutalidade do ato, mas também pela forma como foi executado. Ela teria enviado bolos de pote envenenados para uma amiga da escola, acompanhados de bilhetes anônimos com elogios. Três pessoas acabaram hospitalizadas.

Segundo o delegado responsável, a motivação seria um ressentimento antigo por ter sido preterida por garotos do colégio. Trata-se de uma alegação ainda em investigação, que não permite conhecer com clareza o que se passou na cabeça da jovem. No entanto, a hipótese traz à tona uma questão que vai além do episódio: a inveja e as formas como ela pode se manifestar em contextos de escassez e comparação.

A imagem apresenta um ambiente sombrio com paredes vermelhas. À esquerda, uma porta entreaberta revela a cabeça de um lobo preto, com olhos expressivos e dentes afiados. À direita, há uma cadeira simples e uma luz suave em forma de abajur na parede, iluminando levemente o espaço.
A inveja contamina o olhar, tornando as pessoas mais desconfiadas, mais frias e menos dispostas a cooperar - Catarina Pignato

A inveja, ao contrário do ciúme, não se refere à perda de algo que se tinha. É a dor provocada pela conquista alheia, especialmente quando parece próxima, injusta ou ameaçadora. E embora carregue uma reputação moral negativa, a inveja é parte do repertório emocional humano. Está presente em culturas diferentes e se manifesta desde cedo, ainda na infância. Seu estudo, no entanto, apresenta dificuldades.

Boa parte das pesquisas sobre o tema depende de autorrelato e a formulação de situações controladas, o que traz limitações. Não se mede inveja com um termômetro, nem é simples recriar suas condições sociais em laboratório. Por isso, a literatura costuma distinguir entre a inveja como traço disposicional, algo mais persistente, relacionado à personalidade e como estado episódico, ativado por contextos específicos. Essa distinção é central para entender que sentir inveja não é sempre uma falha de caráter. Por vezes, uma resposta comum a situações percebidas como desiguais ou ameaçadoras.

Dois estudos ajudam a iluminar como esse sentimento age e o que ele produz. Um deles, conduzido por Arnocky e colaboradores, investigou como a percepção de escassez influencia comportamentos de rivalidade entre mulheres jovens. Ao imaginar situações de recursos limitados, as participantes com maior predisposição à inveja tenderam a depreciar rivais, enquanto aquelas com menor propensão buscaram autopromoção. O estudo revela que a escassez não opera sozinha. Ela interage com traços individuais e pode acionar respostas bastante diferentes —umas voltadas à superação, outras à anulação ou ataques ao outro.

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Um segundo estudo, de Behler e colaboradores, mostra que a inveja, uma vez despertada, não se restringe ao alvo. Participantes induzidos a reviver situações invejosas tornaram-se menos propensos a ajudar terceiros e mais inclinados a puni-los, mesmo sem qualquer relação com a comparação original.

A inveja contamina o olhar, tornando as pessoas mais desconfiadas, mais frias e menos dispostas a cooperar. Nem sempre por crueldade, mas muitas vezes como mecanismo de defesa. O experimento também tem suas restrições, como o ambiente controlado e a faixa etária dos participantes. Ainda assim, os efeitos observados ajudam a entender reações que se espalham para além do círculo imediato da competição.

O caso do envenenamento, se confirmado, envolve sofrimento psíquico que vai além da inveja. Mas o contexto em que ele ocorre não é alheio a nós. Vivemos cercados por estímulos à comparação, onde status, afeto e validação parecem sempre escassos. Nesse cenário, a inveja se torna mais frequente e mais difícil de admitir. A inveja é desconfortável, mas comum. E quanto menos falamos sobre ela, mais espaço damos para que se transforme em algo maior do que deveria.