domingo, 20 de abril de 2025

O "TRADE-OFF" DO REAL, FSP


Os economistas usam uma expressão em inglês, "trade-off", que designa a essência da racionalidade. Em português, a expressão pode ser traduzida como "relação custo-benefício". Afinal, se tudo tem um custo, essa pode ser a condição de acesso a benefícios compensadores.
Quatro anos depois do início do processo de estabilização de preços no Brasil, uma questão ainda não foi resolvida: qual o balanço entre custos e benefícios da estabilização? A resposta é difícil porque depende de uma definição prévia do horizonte de tempo relevante para a questão.
No curto prazo, os custos da estabilização foram compensados generosamente pelos benefícios da ampliação do consumo, do emprego, dos investimentos e da arrecadação. Até o início de 1995, a euforia era tanta que a estabilização parecia inclusive ser um processo indolor, em que haveria apenas ganhadores.
Mas em economia há uma expressão igualmente conhecida que alerta para o fato de que "não existe almoço grátis". Passada a euforia, a lista de dificuldades a vencer, tanto externas quanto internas, foi tornando-se clara. Os benefícios passaram a surgir com menos intensidade na mesma medida em que os custos tornavam-se cada vez mais evidentes. Economistas, empresários, consumidores e burocratas se deram conta de que juros muito altos passaram a ser um peso terrível na análise custo-benefício da estabilização.
O controle que o governo exerce sobre a taxa de câmbio depende de juros altos. Os empresários e os bancos, convivendo com índices altos de inadimplência, não conseguem reduzir as taxas em suas operações de crédito. O consumidor, que é também um contribuinte, passou a enfrentar mais impostos, pois é assim que o governo tenta arrecadar mais para pagar os juros da dívida interna.
Os custos são muitos e crescentes. O benefício é a vitória contra a inflação. Mas qual é o "trade-off"? Como poderá uma economia cuja inflação caminha para 3% ao ano suportar taxas de juros básicas que na previsão mais otimista ficariam apenas em torno de 22% ao ano?
As autoridades econômicas de Brasília justificam-se: é preciso manter o interesse dos investidores externos. Para atrair capitais, é preciso pagar uma taxa de juros que seja não apenas superior à inflação, mas -como se trata de capital estrangeiro- superior também à expectativa de desvalorização cambial e à percepção de risco que o país inspira. E o governo, mesmo com inflação baixíssima (até aproveitando-se disso), continua desvalorizando o câmbio.
Os benefícios dessa estratégia tão custosa viriam em breve, segundo Brasília. O país conseguiria exportar mais. Produtos importados seriam substituídos pela produção nacional. Com o tempo, precisando de menos capital estrangeiro para financiar o comércio desequilibrado, os juros baixariam. Com o tempo, a economia voltaria a crescer, os juros domésticos poderiam cair.
Mas a dificuldade está, novamente, no tempo. Quanto será preciso até que o "trade-off" seja satisfatório? A questão ainda não tem resposta. Por ora, ouvem-se apenas os ecos da velha catilinária latina: até quando abusarão da paciência nossa?

Com Trump, EUA se tornaram uma cleptocracia?, Álvaro Machado Dias, FSP

 O mais manjado dos debates hermenêuticos opõe visões sistêmicas e personalistas dos acontecimentos. Foram as conjunturas ou as aspirações de dom Pedro 1º que levaram ao Grito de Independência? Hitler tornou-se Führer em função da crise institucional da República de Weimar ou da execução meticulosa de um plano orientado à maximização do seu poder?

A resposta é que a combinação de fatores tende a criar os melhores modelos interpretativos e o que importa mesmo é determinar o papel relativo de cada fator. Aplicando este princípio ao mistério das decisões de Donald Trump, pode ser importante dar mais realce aos interesses privados do presidente, em paralelo às dimensões de maior evidência —a visão sui generis do excepcionalismo americano, o desprezo ao conhecimento acumulado em seu grupo e a guerra cultural.

Um homem com cabelo loiro e pele clara está sentado, com os olhos fechados e uma expressão pensativa. Ele usa um terno escuro e uma gravata vermelha. Ao fundo, há um ambiente que parece ser um escritório, com um fundo desfocado que sugere um ambiente formal.
Trump assina decreto no Salão Oval da Casa Branca - Saul Loeb - 9.abr.25/AFP

Porém, é preciso cautela: não há comprovação de qualquer ilicitude até aqui.

Por exemplo, enquanto ameaça aliados e oponentes com tarifas assimétricas, Trump lançou ou planeja lançar 19 projetos imobiliários em 8 países estrangeiros. Na Sérvia e em Omã, os projetos estão em terras do governo. A Indonésia criou uma zona econômica especial com incentivos tributários para o novo complexo do empresário. Já o presidente indiano, Narendra Modi, escutou ameaças tarifárias na Casa Branca ao mesmo tempo que o anfitrião se prepara para lançar torres corporativas em seu país.

Um dos assuntos do momento é o Acordo de Mar-a-Lago, um conjunto de diretrizes para desvalorizar o dólar sem afetar sua posição de reserva global, que nenhum economista leva a sério, uma vez que preconiza que o resto do mundo assuma prejuízos bilionários de bom grado.

Seja como for, o valor de adesão ao resort subiu 43%, a um mês das eleições, chegando a US$ 1 milhão, quando este passava longe de ser o mais icônico da Flórida, o que de fato aconteceu ao se posicionar como o novo Bretton Woods. Na esfera pública, "Trump faz planos para deixar Casa Branca com mais cara de Mar-a-Lago" (The New York Times, 06/03/2025).

É quase inacreditável que um plano econômico capaz de mudar a economia global leve em consideração os efeitos em um endereço, mas vale lembrar que tende a não prosperar.

Pouco antes de ser empossado, o grupo do presidente lançou duas criptomoedas, $TRUMP e $MELANIA. Nas duas primeiras semanas de governo, embolsou US$ 100 milhões de lucro com a operação. Desde então, os negócios se expandiram para NFTs, plataformas de pagamento e sistemas de gestão financeira em blockchain (DeFi), "stablecoins" (WLF1) e mineração de bitcoins, gerando uma nova vertical de negócios avaliada em US$ 1 bilhão. Na esfera pública, foi anunciado que a reserva federal passaria a incluir criptomoedas.

Os tecnologistas viraram trumpistas para queimar combustíveis e alimentar servidores e para vencer batalhas regulatórias. Musk, que investiu US$ 277 milhões na campanha do presidente, fez um acordo em que pagou US$ 10 milhões pelo seu banimento do Twitter. À frente do Doge (Departamento de Eficiência Governamental), mandou embora os reguladores das sete agências que supervisionam suas empresas.

Mark Zuckerberg perdeu o timing, mas compensou no acordo judicial pelo mesmo erro —fechou-o em US$ 25 milhões. No momento, a Meta enfrenta o maior desafio em anos: um processo antitruste que pode obrigá-la a vender o Instagram e o WhatsApp. A aposta é que o presidente ajude-os a vencer.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

Lições de um jovem magistrado, Oscar Vilhena Vieira, FSP

 

Certa vez fui despachar com um jovem magistrado, que me interrompeu no meio de uma frase: "Já entendi, o senhor está dizendo que eu errei". Percebendo a minha perplexidade, voltou-me sua folha de anotações, onde estava escrito, em letras garrafais: "Errei!!! Corrigir", numa clara demonstração de que sua autoridade não estava em jogo.

Poder e autoridade judicial são fenômenos semelhantes. Ambos se referem a capacidade de um juiz ou tribunal de impor conduta a outro agente. O respeito à autoridade judicial, no entanto, está intrinsecamente associado à imparcialidade, objetividade e rigor com que um juiz ou tribunal aplicam a lei. Já a submissão ao poder judicial decorre, sobretudo, do medo de sofrer alguma forma de coerção.

A imagem mostra uma sessão do Supremo Tribunal Federal do Brasil. O ambiente é formal, com uma mesa retangular ao centro e cadeiras dispostas ao redor. No fundo, há uma bandeira do Brasil e um crucifixo na parede. Vários ministros estão presentes, alguns sentados e outros em pé, enquanto um deles fala. À direita, há um monitor exibindo a transmissão da sessão.
Diversos dos ministros do STF têm cassado decisões proferidas por juízes e tribunais do trabalho - Ueslei Marcelino - 16.abr.25/Reuters

Os atritos entre a Justiça do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal têm origem na forma equivocada como o Supremo vem aplicando a legislação trabalhista, assim como as normas constitucionais relativas ao direito do trabalho, nos últimos anos.

Sob o pretexto de que a Justiça do Trabalho estaria confrontando a jurisprudência do Supremo, diversos de seus ministros têm cassado decisões proferidas por juízes e tribunais do trabalho que, no exercício de suas competências constitucionais, detectaram a existência de fraude na contratação de trabalhadores, por meio de pessoas jurídicas.

pejotização é um neologismo cunhado para designar um tipo de fraude contratual, voltada a suprimir o acesso do trabalhador aos seus direitos previstos na Constituição e na legislação trabalhista, além de promover a evasão fiscal e previdenciária.

Não importa se por preconceitos contra os trabalhadores CLT, viés ideológico, ou por simples desconhecimento da legislação trabalhista, inúmeras decisões do Supremo vêm incentivando a substituição de contratos de trabalho por contratos civis ou comerciais com pessoas jurídicas (MPE e MEI), compostas na grande maioria dos casos apenas pelos seus sócios proprietários. Esses "empreendedores", no entanto, continuam mantendo relação de trabalho marcada pela pessoalidade e subordinação.

Sob a justificativa de valorizar a livre iniciativa e formas mais flexíveis de relações de trabalho, a postura do Supremo tem permitido que um número cada vez maior de empregadores deixe de recolher devidamente encargos sociais, como INSS, FGTS ou PIS, ampliando a crise da previdência e sobrecarregando os setores que contratam de acordo com a CLT e cumprem com as suas obrigações patronais.

Paralelamente, esse esquema também favorece a evasão do imposto de renda, por parte de trabalhadores contratados através de pessoas jurídicas, contribuindo para ampliar ainda mais a já perversa regressividade de nosso sistema tributário. Estima-se uma redução de cerca de 88% no valor de imposto de renda a ser recolhido com esse esquema. Desnecessário lembrar que, no país dos privilégios, essa redução de imposto de renda favorecerá, sobretudo, os trabalhadores mais ricos.

A postura do Supremo, por fim, tem contribuído para a precarização das relações de trabalho, impedindo o acesso do trabalhador a direitos básicos estabelecidos pela Constituição, como descanso semanal remunerado, limitação da jornada de trabalho ou décimo terceiro salário, além de não ser discriminado em face de sua raça ou gênero.

Torço para que o Supremo não use o seu poder para ganhar o braço de ferro com a Justiça do Trabalho. Ao julgar a tese de repercussão geral 1389, o tribunal terá a oportunidade de corrigir a confusão por ele criada e, como fez o jovem magistrado, restabelecer sua autoridade.