segunda-feira, 14 de abril de 2025

Acordão: uma proposta indecorosa a Lula, FSP

 

Catia Seabra

Repórter especial da Folha, ganhou os prêmios Esso de jornalismo (2011), CNH e os internacionais IPYS (2012) e SIP (2014)

O presidente Lula (PT) tem sido instado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a intermediar um acordo para redução de pena dos vândalos que depredaram as sedes dos três Poderes em 8/1 de 2023.

Ainda que sejam boas as intenções, a proposta beira o indecoroso. É sugerir que se sente à mesa pela anistia de quem planejou seu assassinato, pôs fogo em carros nas ruas de Brasília e pilhou o Palácio do Planalto.

Sem falar no alto risco de fracasso. Lula está preocupado com o acirramento dos ânimos e aberto ao diálogo, mas hesitante quanto à eficácia dessa articulação, relatam aliados.

Um homem de cabelo grisalho, usando um terno escuro e uma gravata listrada, está em um palco. Ele está falando ao microfone, com a mão levantada na frente do rosto, como se estivesse se protegendo da luz ou da câmera. Ao fundo, há bandeiras do Brasil e de São Paulo.
O presidente Lula durante a abertura da 29ª Feira Internacional da Construção Civil e Arquitetura, a Feicon, em São Paulo - Bruno Santos - 8.abr.25/Folhapress

Desde a suspensão das emendas, o contencioso entre STF (Supremo Tribunal Federal) e Congresso Nacional é tamanho que são parcas as chances de conciliação. É real a hipótese de o presidente contrariar um dos vizinhos da praça dos Três Poderes.

A ministra Gleisi Hoffmann é prova disso. Após admitir eventual negociação, viu-se obrigada a ir às redes para desfazer mal-estar com o Judiciário.

Governo está sob pressão. Ao voltar de Honduras, Lula foi surpreendido com a adesão de aliados ao requerimento de urgência para a votação da anistia. Valendo-se de uma expressão que remete à ditadura, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) reivindica que seja "ampla, geral e irrestrita". Leia-se para ele mesmo.

Os signatários do requerimento são de partidos confortavelmente acomodados na Esplanada. Questionados, chegaram a alegar desconhecimento da amplitude da anistia proposta. Será?

Líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ) cobrou: "Não tem como ficar dos dois lados. É hora de saber quem está ao lado do governo e quem não está".

Como se fosse possível apostar na lealdade de uma base gelatinosa, fundada na concessão de espaço e recursos públicos. Seria o mesmo que acreditar que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) —que ostentou boné pós-Trump— enxerga uma janela de oportunidades para o Brasil no tarifaço americano.

Pensador nazista ajuda a entender Trump, Hélio Schwartsman, FSP

 O Trump 2.0 vem em versão bem mais autoritária do que a de sua primeira passagem pela Casa Branca. Um nome que me ocorreu ao notar a diferença de voltagem foi o do filósofo e jurista alemão Carl Schmitt, mas não havia topado com nenhum artigo ligando os dois personagens nos órgãos de imprensa estrangeiros que acompanho.

Resolvi dar um Google para sanar eventual cochilo e encontrei um livro inteiro dedicado ao assunto. Trata-se de "Trumpism, Carl Schmitt, and the Threat of Anti-Liberalism in the United States", de Roberta Adams.

Como observa a autora logo nas primeiras páginas, quando analisamos as ações de Trump pelas lentes schmittianas, o que parecia ser um amontoado de contradições e gestos exuberantes ganha súbita coerência. Nos capítulos que seguem, Adams vai destrinchando vários nacos do pensamento de Schmitt e mostrando como o trumpismo se adequa a ele.

A imagem mostra um homem com o rosto de Donald Trump sentado em um trono, vestido como um rei, com uma coroa e um manto vermelho. Ele está apontando com uma mão, enquanto uma multidão de figuras sombreadas está diante dele, ouvindo. O fundo é de uma cor azul clara.
Annette Schwartsman

Antes de continuar, um alerta. Schmitt é a versão jurídica de Martin Heidegger. Os dois pensadores se envolveram profundamente com o nazismo, do qual jamais se retrataram. Mas suas ideias, embora controversas, são vistas como mais do que mero epifenômeno do nazismo e por isso continuam a ser estudadas pela academia.

Adams inicia o livro mostrando como a distinção schmittiana entre amigo e inimigo, que, para o alemão, deve ser o fundamento do Estado e serve para conferir autoridade total ao soberano, inclusive para eliminar os indesejáveis, funciona à perfeição para descrever a forma como Trump vê seu poder.

Por essa lógica, quem vota contra Trump é o inimigo e, portanto, carece de legitimidade. Apenas contar os votos dessas pessoas já configura uma espécie de violação ao princípio da autoridade. Daí a desqualificar qualquer voto contra Trump como fraudulento é só um pulinho.

Para Adams, o liberalismo e o trumpismo operam sob paradigmas incompatíveis. Podemos, portanto, esperar mais violência se as instituições democráticas liberais tentarem mais uma vez conter Donald Trump.

Não é animador, mas é realista.

helio@uol.com.br

domingo, 13 de abril de 2025

Barrados em Dallas, Ruy Castro FSP

 Há duas semanas, um cientista francês a caminho de um congresso no Texas foi barrado no aeroporto de Dallas. Teve seu celular investigado e foi chutado de volta para Paris sem mais aquela. O cientista, não identificado, viajava pelo Centro Nacional de Pesquisa Científica, instituição séria, financiada por seu governo.

O pretexto para impedi-lo de entrar nos EUA foram comentários que ele teria feito sobre a selvagem política de Trump contra a universidade americana, cortando verbas para a pesquisa e sangrando a vida acadêmica. Segundo os agentes do aeroporto, os comentários teriam caráter "terrorista".

A imagem mostra um protesto em frente ao Lincoln Memorial. Um boneco com cabelo laranja e vestindo um jaleco de cientista segura um cartaz que diz 'STAND UP for SCIENCE'. Ao fundo, há uma grande placa com a palavra 'SCIENCE' e a frase 'MAKE SCIENCE GREAT'. Algumas pessoas vestindo jalecos brancos estão visíveis ao fundo.
Manifestantes protestam em defesa da ciência e contra os cortes e demissões no setor promovidos pelo governo do presidente dos EUA, Donald Trump, no Lincoln Memorial, em Washington - Kent Nishimura - 7.mar.25/Reuters

Como o cientista não parecia ser uma celebridade, por que o teriam escolhido para levar uma geral ao desembarcar? No passado, as representações diplomáticas dos países sob ditadura informavam a seus chanceleres sobre possíveis inimigos nos países em que estavam baseados. Era difícil para um brasileiro entrar, digamos, em Portugal sob Salazar ou na Espanha sob Franco, se suas opiniões sobre eles desagradassem aos embaixadores dos dois países. Não lhe concederiam nem o visto de entrada.

Hoje, sob a ditadura da inteligência artificial, um suspiro contra Trump por um anônimo em qualquer birosca do planeta irá no ato para uma nuvem ao alcance do governo americano. Mas o caso do cientista francês é grave, por ser uma agressão à liberdade acadêmica e à circulação de informações na área científica. É uma das estratégias de Trump para asfixiar o pensamento.

Em 1988, também fui barrado em Dallas e tive a mala revistada, mas por motivo menos nobre. A pedido de meus amigos da Playboy brasileira, eu estava levando para a Playboy americana um pequeno estoque de microbiquínis de uma butique carioca para uma reportagem. A agente, fardada, severa e assustadora, desconfiou que eu estava traficando biquínis para fins imorais.

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Custei, mas convenci-a da inocência dos biquínis e da minha própria. Só depois, ao abrir a mala no hotel, descobri que ela me surrupiara um microbiquíni.