sexta-feira, 5 de julho de 2024

Deborah Bizarria A corrida pelo topo: como os privilégios da elite drenam o orçamento público, FSP

 

Em 1980, a Assembleia Legislativa da Paraíba determinou que as viúvas de desembargadores, governadores e deputados estaduais deveriam receber, além da pensão, 50% da remuneração do falecido enquanto estava na ativa. Quatro anos depois, esse benefício foi ampliado para incluir as viúvas e dependentes dos juízes.

Este privilégio, inalcançável para a maioria dos cidadãos, perdurou até ser considerado inconstitucional pela ministra Rosa Weber em 2021. Esse e outros casos de regras especiais para a elite do funcionalismo público são detalhados no livro de Bruno Carazza: "O país dos privilégios – Volume 1: Os novos e velhos donos do poder".

Prédio sede do STF (Supremo Tribunal Federal) - Pedro Ladeira/Folhapress

Para demonstrar a dimensão do problema, Carazza apresenta dados específicos do Judiciário. No Brasil, os gastos com todos os ramos de Justiça representam 1,6% do PIB. Em países emergentes, o custo do Judiciário é, em média, 0,5% do PIB, e em países ricos é de 0,3%. Esse 1% a mais que gastamos com o Judiciário seria suficiente para financiar o atual formato do Bolsa Família. Além disso, pequenas elites concentram salários e benefícios em várias áreas, como fiscais da receita, cartorários, militares e procuradores.

Como várias carreiras conseguem chegar não só próximo, mas até ultrapassar o teto de remuneração? Parte da resposta está na "comparação para cima" e no efeito âncora, que ocorre quando indivíduos usam uma informação de referência em suas decisões, mesmo que de forma desconexa. Na prática, a Emenda Constitucional nº 19/1998, que visava limitar os rendimentos no setor público e coibir abusos, virou uma meta salarial, não mais um teto.

Para ilustrar esse mecanismo, Carazza cita um caso mencionado no livro "Previsivelmente Irracional", de Dan Ariely. O governo americano pretendia expor a política salarial das grandes empresas para, através da divulgação dos salários de presidentes e diretores, constrangê-las a cortar excessos. Contudo, o efeito foi contrário. Em 1993, um CEO americano ganhava, em média, 131 vezes mais do que a mediana dos empregados de sua empresa. Em 2008, essa diferença saltou para 369 vezes.

Segundo Ariely, fatores psicológicos e comportamentais, como inveja e a necessidade de comparação, explicam esse resultado. As pessoas tendem a se preocupar mais com sua posição relativa do que absoluta, avaliando-se em comparação com seus pares e superiores, raramente considerando os menos favorecidos. Com a divulgação, os CEOs passaram a se comparar com os de outras empresas, gerando uma corrida para obter benefícios superiores. Em vez de reduzir a média salarial, a decisão incentivou uma escalada rumo ao topo. Similarmente, o teto do funcionalismo parece ter ancorado as expectativas salariais das carreiras que têm alto poder de barganha.

Isso não significa que a regra deveria ser abandonada, mas sim reforçada. Atualmente, há muitos furos decorrentes da adição dos "penduricalhos" – auxílios e benefícios monetários que não são limitados pela regra nem sujeitos ao imposto de renda. Os mais conhecidos são os juízes e membros do Ministério Público, que frequentemente recebem auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-saúde e outras "verbas indenizatórias" pagas com dinheiro público.

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Vale destacar que esses luxos não são concedidos a todos os funcionários públicos, mas sim a uma elite que se aproveita de suas posições e influência política para pressionar por maiores salários ou, ao atingir o limite constitucional, obter mais penduricalhos.

Qual é a solução, então? O livro destaca a necessidade de uma discussão séria sobre o pacote de benefícios do funcionalismo público. Revisar os adicionais que frequentemente permitem que servidores do topo ganhem mais que o presidente da República e os ministros do Supremo exige coragem. Além disso, é crucial debater os incentivos negativos que desestimulam os trabalhadores do setor público a oferecer um serviço de qualidade à população.

A discussão sobre uma reforma administrativa deve ser pautada por uma avaliação criteriosa, que valorize a contribuição real dos servidores para a população. O papel da sociedade civil é fundamental nesse processo, para enfrentar os interesses concentrados de elites estabelecidas.

Longe de demonizar as carreiras públicas, Bruno Carazza propõe um diagnóstico baseado em dados sobre como parte do orçamento público é constantemente capturado por interesses privados. Vale a leitura acompanhada de uma xícara de chá de camomila, pois a descrição da busca descarada de agentes por privilégios certamente causará indignação no leitor.

Como a vitória dos radicais na França pode mudar a vida de brasileiros e outros imigrantes, OESP


Por Paloma Varón
Atualização: 

ENVIADA ESPECIAL, PARIS - Com 33,4% dos votos no primeiro turno das eleições legislativas antecipadas na França, o Reagrupamento Nacional (RN), partido da direita radical, está, pela primeira vez, às portas do poder pelo voto.

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Durante a conferência de apresentação do seu programa, o presidente do partido, Jordan Bardella, disse que impediria cidadãos binacionais, com dupla nacionalidade, de aceder a cargos “sensíveis” no funcionalismo público.

A França conta com mais de 3,5 milhões de binacionais e esta declaração, que não foi explicada de forma precisa, gerou um temor entre muitos deles, incluindo os brasileiros.

Para a ceramista franco-brasileira Ana Bravo Lachaux, que está na França há 23 anos e tem dois filhos binacionais, “este discurso abre uma porta para discriminações diversas que será muito difícil de fechar depois. Eu temo pelo futuro dos meus filhos”. “Este projeto cria classes de cidadãos, em que uns teriam mais direitos que outros”.

Imagem mostra Marie-Caroline Le Pen, irmã de Marine Le Pen, colando cartaz para o segundo turno das eleições francesas. Possível vitória da direita radical preocupa brasileiros
Imagem mostra Marie-Caroline Le Pen, irmã de Marine Le Pen, colando cartaz para o segundo turno das eleições francesas. Possível vitória da direita radical preocupa brasileiros Foto: Jean-francois Monier/AFP

Segundo o professor catedrático de Literatura Brasileira na Universidade Sorbonne Nouvelle, Leonardo Tonus, “a própria evocação do termo binacional contraria a Constituição, uma vez que sugere uma categoria nova dentro do quadro jurídico, fazendo com que pessoas de outras origens sejam consideradas como cidadãos de segunda categoria, sobretudo se certos cargos públicos forem restritos aos binacionais, que não é uma categoria jurídica válida”.

“Esta distinção entre franceses nativos e binacionais é perigosa e fragiliza a base constitucional francesa”, diz Tonus, que observa um aumento de restrições à chegada de estrangeiros à França, inclusive estudantes. “Me parece que agora a França corre o risco de se fechar cada vez mais”. “Medidas como estas podem fragilizar a estrutura democrática e sobretudo o pacto republicano sob o qual se apoia a V República na França”, analisa.

Silvia Capanema, professora adjunta da Universidade Sorbonne Paris 13 e deputada estadual do departamento de Seine-Saint-Denis, está na França há 22 anos e tem dupla nacionalidade. Mãe de três binacionais, ela se diz inquieta e assustada com as declarações dos representantes da direita radical sobre binacionais e imigrantes.

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“Tenho um mandato eletivo e sou funcionária pública. Sei que não sou o alvo direto das declarações deles, mas vivo numa periferia em que 70% das pessoas têm ao menos um pai (ou mãe) estrangeiro. O princípio francês é de direitos iguais, não existem categorias de franceses. Na França, sequer há estatísticas oficiais sobre raça e religião justamente para manter o princípio da igualdade entre as pessoas. Estas declarações mexem completamente com este princípio, com o único intuito de excluir algumas pessoas”, declara.

“A França, com a ascensão da extrema direita, pode se tornar um lugar de privilégios e exclusão”, resume.

A psicóloga Gabriella Dantas, especializada em imigração, sente que, de alguma forma, a sua existência e a de outros brasileiros e imigrantes no país está sendo deslegitimada. “A grande votação da extrema direita gera um ambiente instável e difícil para imigrantes. A angústia e ansiedade que este discurso causa neles são legitimas”, diz.

“Vejo que as pessoas que se informam mais estão mais apreensivas: o risco é real”, diz, aconselhando que o imigrante deve acolher esta emoção. “As emoções são voláteis, vêm e vão, então precisamos aprender a navegá-las”, diz, alertando que isso não significa aceitar o cenário político que está sendo desenhado.

Para a assistente de direção franco-marroquina Chafika B., sempre houve, na França, uma distinção dos estrangeiros segundo as suas origens. “Os imigrantes vindos das antigas colônias geralmente são mais estigmatizados. O passado colonialista é mal digerido no nosso país”, afirma.

Imagem do dia 3 mostra protesto contra avanço da direita radical da França na Praça da República, em Paris. Brasileiros que moram no país temem o futuro
Imagem do dia 3 mostra protesto contra avanço da direita radical da França na Praça da República, em Paris. Brasileiros que moram no país temem o futuro Foto: Thomas Padilla/AP

O comerciante franco-argelino Kacem Faycel, nasceu na Argélia em 1959, quando o país ainda era um protetorado francês, e chegou à França em 1981. “Se eles passarem esta lei, vai ser um problema muito grande, vão criar duas classes de franceses: os de origem diversa e os nativos. Isso não é bom para os nossos filhos nem para a França, que precisa de imigrantes”.

Tufik Debabha, nascido na França em 1962, acredita que estas propostas representam uma rejeição aos valores da República francesa. “Os imigrantes não são a miséria da França, são a sua riqueza”. “Esta situação que o RN propõe é uma aberração”, conclui.

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O comerciante franco-argelino Kacem Faycel numa feira em Paris: temor de avanço das ideias anti-imigração na França
O comerciante franco-argelino Kacem Faycel numa feira em Paris: temor de avanço das ideias anti-imigração na França Foto: Paloma Varon / Estadão

Loïs H. é franco-beninense e chegou à França há 25 anos. Ela tem dois filhos nascidos na França e se preocupa com o futuro deles. “Eu temo que meus filhos sejam maltratados, agredidos; é um momento triste para a França”, diz ela, consternada com o resultado do primeiro turno da eleição.

“Bardella não especificou quais empregos não seriam possíveis para binacionais, mas eu me inquieto, porque trabalho para uma empresa privada que presta serviços para o Ministério do Interior”, conta. “Eu tenho agora a impressão de não ser aceita, de ser uma presença indesejada, isso é desestabilizante”, define.

Imagem mostra bandeira da França erguida durante protesto contra direita radical na Praça da República, em Paris, em 3 de julho. Esquerda e centro se unem em 2.º turno para barrar maioria do Reagrupamento Nacional
Imagem mostra bandeira da França erguida durante protesto contra direita radical na Praça da República, em Paris, em 3 de julho. Esquerda e centro se unem em 2.º turno para barrar maioria do Reagrupamento Nacional Foto: Louise Delmotte/AP

Loïs afirma que a possibilidade de a direita radical chegar ao poder no próximo domingo (7) pode mudar seus planos pessoais. Ela planejava se mudar com a família para Neuilly-sur-Seine, cidade a oeste de Paris, mas teme que a sua família sofra preconceito e estigmatização num reduto de “franceses nativos”.

Para Dominique Sopo, presidente do SOS Racismo, “a extrema direita foi banalizada na França nos últimos anos”. “Se o RN conseguiu esta votação tão expressiva é porque eles conseguiram convencer as pessoas que, se elas tinham problemas, era por causa dos imigrantes e seus filhos”.

Segundo ele, quando Bardella fala em “binacionais”, ele visa sobretudo os magrebinos e oriundos da África subsaariana, ou seja, muçulmanos e negros em primeiro lugar.

Arena Flamengo, a jogada eleitoral de Eduardo Paes, Alvaro Costa e Silva, FSP

 

RIO DE JANEIRO

Com o período de recesso e a proximidade do pleito em outubro, o modo Arthur Lira de trabalhar contamina os legislativos do país. Há pressa na aprovação das mais diversas e polêmicas pautas, a maioria para agradar certos setores do eleitorado, sem aprofundamento do debate. São votações que duram segundos.


No Rio, além da autorização para armar a Guarda Municipal, do destombamento de imóveis desocupados e de novas regras para ciclovias, há a proposta que concede isenção da taxa de uso das vias públicas para eventos religiosos. Uma outra acaba com a exigência de que veículos de taxistas tenham no máximo 10 anos de praça. E a prefeitura sugere a criação de uma moeda social, Carioquinha, inspirada em Maricá, onde se compra e vende com Mumbuca. Por que não Merreca? Ou Surreal?

Na mais espetacular jogada da campanha à reeleição, Eduardo Paes desapropriou o terreno do Gazômetro, que vai a leilão, abrindo caminho para que o Flamengo construa uma arena vertical para 80 mil pessoas orçada em R$ 2 bilhões. A obra não leva em conta o impacto do trânsito na região central da cidade nem o Maracanã, que fica a três quilômetros. Depois da Copa de 2014, o velho Maraca pode viver sua segunda morte. (Antes que me cancelem, registro que a aspiração da torcida rubro-negra é legítima.)


Em São Paulo, um vereador consegue a aprovação de um projeto de lei contra o "tráfico de marmita", impondo regras e multas (mais de R$ 17 mil) para quem doar comida a moradores de rua. A discussão explode nas mídias, com apoios e condenações. Candidato à reeleição, o prefeito anuncia o veto. O autor desiste e promete "aperfeiçoar o texto". Seu objetivo foi alcançado: explorar a miséria para se dar bem.


A voracidade das redes já tornou a história assunto de ontem. Mas o vereador —que pelo menos neste espaço seguirá no anonimato— pode ter garantido mais quatro anos de bizarrias.

Terreno que a Prefeitura do Rio de Janeiro desapropriou para o Flamengo construir o seu estádio - Eduardo Anizelli/Folhapress