Em 1980, a Assembleia Legislativa da Paraíba determinou que as viúvas de desembargadores, governadores e deputados estaduais deveriam receber, além da pensão, 50% da remuneração do falecido enquanto estava na ativa. Quatro anos depois, esse benefício foi ampliado para incluir as viúvas e dependentes dos juízes.
Este privilégio, inalcançável para a maioria dos cidadãos, perdurou até ser considerado inconstitucional pela ministra Rosa Weber em 2021. Esse e outros casos de regras especiais para a elite do funcionalismo público são detalhados no livro de Bruno Carazza: "O país dos privilégios – Volume 1: Os novos e velhos donos do poder".
Para demonstrar a dimensão do problema, Carazza apresenta dados específicos do Judiciário. No Brasil, os gastos com todos os ramos de Justiça representam 1,6% do PIB. Em países emergentes, o custo do Judiciário é, em média, 0,5% do PIB, e em países ricos é de 0,3%. Esse 1% a mais que gastamos com o Judiciário seria suficiente para financiar o atual formato do Bolsa Família. Além disso, pequenas elites concentram salários e benefícios em várias áreas, como fiscais da receita, cartorários, militares e procuradores.
Como várias carreiras conseguem chegar não só próximo, mas até ultrapassar o teto de remuneração? Parte da resposta está na "comparação para cima" e no efeito âncora, que ocorre quando indivíduos usam uma informação de referência em suas decisões, mesmo que de forma desconexa. Na prática, a Emenda Constitucional nº 19/1998, que visava limitar os rendimentos no setor público e coibir abusos, virou uma meta salarial, não mais um teto.
Para ilustrar esse mecanismo, Carazza cita um caso mencionado no livro "Previsivelmente Irracional", de Dan Ariely. O governo americano pretendia expor a política salarial das grandes empresas para, através da divulgação dos salários de presidentes e diretores, constrangê-las a cortar excessos. Contudo, o efeito foi contrário. Em 1993, um CEO americano ganhava, em média, 131 vezes mais do que a mediana dos empregados de sua empresa. Em 2008, essa diferença saltou para 369 vezes.
Segundo Ariely, fatores psicológicos e comportamentais, como inveja e a necessidade de comparação, explicam esse resultado. As pessoas tendem a se preocupar mais com sua posição relativa do que absoluta, avaliando-se em comparação com seus pares e superiores, raramente considerando os menos favorecidos. Com a divulgação, os CEOs passaram a se comparar com os de outras empresas, gerando uma corrida para obter benefícios superiores. Em vez de reduzir a média salarial, a decisão incentivou uma escalada rumo ao topo. Similarmente, o teto do funcionalismo parece ter ancorado as expectativas salariais das carreiras que têm alto poder de barganha.
Isso não significa que a regra deveria ser abandonada, mas sim reforçada. Atualmente, há muitos furos decorrentes da adição dos "penduricalhos" – auxílios e benefícios monetários que não são limitados pela regra nem sujeitos ao imposto de renda. Os mais conhecidos são os juízes e membros do Ministério Público, que frequentemente recebem auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-saúde e outras "verbas indenizatórias" pagas com dinheiro público.
Vale destacar que esses luxos não são concedidos a todos os funcionários públicos, mas sim a uma elite que se aproveita de suas posições e influência política para pressionar por maiores salários ou, ao atingir o limite constitucional, obter mais penduricalhos.
Qual é a solução, então? O livro destaca a necessidade de uma discussão séria sobre o pacote de benefícios do funcionalismo público. Revisar os adicionais que frequentemente permitem que servidores do topo ganhem mais que o presidente da República e os ministros do Supremo exige coragem. Além disso, é crucial debater os incentivos negativos que desestimulam os trabalhadores do setor público a oferecer um serviço de qualidade à população.
A discussão sobre uma reforma administrativa deve ser pautada por uma avaliação criteriosa, que valorize a contribuição real dos servidores para a população. O papel da sociedade civil é fundamental nesse processo, para enfrentar os interesses concentrados de elites estabelecidas.
Longe de demonizar as carreiras públicas, Bruno Carazza propõe um diagnóstico baseado em dados sobre como parte do orçamento público é constantemente capturado por interesses privados. Vale a leitura acompanhada de uma xícara de chá de camomila, pois a descrição da busca descarada de agentes por privilégios certamente causará indignação no leitor.
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